Contribuição para financiamento da seguridade social – Cofins

A contribuição para financiamento da seguridade social – Cofins – foi instituída pela Lei Complementar no 70, de 30 de dezembro de 1991, em substituição ao extinto Finsocial, sem prejuízo do PIS/Pasep incidindo, à alíquota de 2%, sobre o faturamento mensal, assim considerada a receita bruta das vendas de mercadorias e serviços. Esse fato propiciou na doutrina a tese de inconstitucionalidade por bitributação. Ora, se a entidade tributante é a mesma, não há que se falar em bitributação (jurídica); o que existe, na realidade, é o bis in idem, isto é, incidência dupla sobre o mesmo fato econômico (faturamento mensal), o que não é inconstitucional porque a Carta Política não fixou um determinado teto de tributação, limitando-se a proibir o efeito confiscatório. Tanto faz tributar-se com alíquota de 4% com o nome de Cofins, ou, tributar-se com alíquota de 2% com o nome de Cofins e outros 2% com nome de PIS. De qualquer maneira, o STF já declarou a constitucionalidade dessa contribuição social em sede de ação declaratória de constitucionalidade,[1] cuja decisão produz eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos órgãos do Poder Judiciário (§ 2o do art. 102 da CF).

A sua alíquota passou para 3% (três por cento) como consequência do pacote fiscal de outubro/98, aprovado pela Lei no 9.718, de 27 de novembro de 1998 (art. 8o). Essa lei veio prescrever que a Cofins será calculada sobre o faturamento (art. 2o), entendendo-se como tal a receita bruta, abarcando a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante o tipo da atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas (art. 3o e § 1o). Difere, portanto, da base de cálculo estabelecida no art. 2º da LC nº 70/91 que se refere a faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza. Logo levantaram-se vozes contra o que se denominou de alargamento conceitual do que seja faturamento. A nova Cofins não mais seria aquela referida no art. 195, I, da CF, pelo que estaria a reclamar edição de lei complementar ao teor do § 4o desse dispositivo constitucional. À primeira vista, não vislumbramos o apontado elastecimento do conceito de faturamento, equiparado ao de receita bruta. No fundo, não refoge da conceituação tradicional, como demonstram os julgados dos tribunais.[2]

Contudo, para quem entende que houve alteração da base de cálculo e consequente instituição de nova contribuição social, o § 1o do art. 3o da Lei no 9.718, de 27-11-1998, seria inconstitucional, e como tal, não poderia ter sido recepcionado pela EC no 20, de 15-12-1998. Nesse sentido decidiu o STF por maioria de votos (6 x 4) declarando a inconstitucionalidade do § 1º, do art. 3º da Lei nº 9.718/98 (RE nº 357.950-RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 6-2-2006).

Duas outras questões surgiram com relação a essa contribuição social como veremos:

(a) Revogação da isenção da Cofins dos profissionais liberais

 

A questão da prevalência da isenção outorgada pelo inciso II do art. 6o da Lei Complementar no 70/91, a favor de sociedades civis de prestação de serviços profissionais, relativos ao exercício da profissão legalmente regulamentada foi bastante discutida na jurisprudência de nossos tribunais após o advento da Lei nº 9.430, de 27-12-96, que teria revogado aquela isenção.

Na verdade, dispôs o art. 56 da Lei nº 9.430/96, uma lei genérica que cuida de modificações da legislação tributária da União em vários de seus aspectos:

 

“Art. 56. As sociedades civis de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada passam a contribuir para a seguridade social com base na receita bruta da prestação de serviços, observadas as normas da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991.”

 

Como se verifica, não houve revogação expressa da isenção outorgada pela lei especial, a LC nº 70/91 que instituiu a Cofins e prescreveu o regime de isenção dos profissionais liberais. Assim, impunha-se o exame da questão à luz do § 2º, do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Contudo, a discussão foi, desde logo, travada em torno da possibilidade jurídica de uma lei ordinária revogar disposição de lei complementar, desviando o foco da verdadeira controvérsia jurídica a ser dirimida. Para os que entendem que a LC no 70/91 pode ser alterada por lei ordinária, por se tratar de lei complementar extravagante, a isenção referida não mais existiria. Porém, a jurisprudência do STJ perfilhou o entendimento de que a isenção conferida pelo art. 6o da LC no 70/91 não pode ser revogada pela Lei no 9.430/96, porquanto a lei ordinária não ter força para desautorizar dispositivo de lei complementar, em observância ao princípio da hierarquia vertical das leis.[3]

Ante o argumento da União de que a isenção conferida pela LC nº 70/91 favorecia apenas da sociedade tributada pelo imposto de renda pelo regime de apuração do lucro real, em 15-5-2003, o STJ editou a Súmula de no 276 do seguinte teor:

 

“As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas de Cofins, irrelevante o regime tributário adotado.”

A própria União reconhecia, pois, a isenção para as sociedades profissionais que não tivessem optado pelo regime de tributação por lucro presumido, posicionamento que viria a ser abandonado mais tarde para apegar-se à tese da revogação da isenção ancorada nas decisões dos Tribunais Regionais Federais.

Realmente, a maioria dos TRFs firmou jurisprudência em sentido da tese de que a lei complementar extravagante, como é o caso da LC no 70/91, pode ser revogada por lei ordinária. Reexaminada a matéria no STJ sob esse enfoque, a Súmula 276 foi mantida por maioria de votos, o que significa que as sociedades de profissionais liberais continuam isentas (Agravo Regimental no Resp no 382.736, j. em 8-10-03).

Com o desvio de foco na discussão judicial, uma questão que estava limitada ao âmbito infraconstitucional (revogação tácita do preceito de lei específica por dispositivo da lei ordinária geral) foi levada ao STF que, por maioria de votos, decidiu que é devida a Cofins pelas sociedades civis de prestação de serviços legalmente regulamentados, a partir do advento do art. 56 da Lei no 9.430/96.[4]

Na verdade, a discussão deveria situar-se no nível da legislação infraconstitucional e decidir de conformidade com o princípio geral de direito que prescreve a não revogação de norma de lei específica por uma norma de lei genérica (ordinária ou complementar) a menos que haja expressa determinação nesse sentido.

 

(b) Exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins

 

Outra questão discutida por um longo tempo no STF diz respeito à exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS, porque sendo o ICMS um imposto ele não poderia estar compreendido no conceito de faturamento, que é a base de cálculo dessa contribuição social. Após marchas e contramarchas, porque foi proposta pela União a ação declaratória de constitucionalidade do dispositivo impugnado, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese no sentido de que o ICMS não pode compor a base de cálculo da Cofins, conforme ementa abaixo:

 

“TRIBUTO – BASE DE INCIDÊNCIA – CUMULAÇÃO – IMPROPRIEDADE. Não bastasse a ordem natural das coisas, o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro.

COFINS – BASE DE INCIDÊNCIA – FATURAMENTO – ICMS. O que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento” (RE nº 240.785-MG, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 16-12-2014).

 

O grande problema é que não há, quer em nível doutrinário, quer em nível jurisprudencial um critério seguro quanto à exclusão ou inclusão do valor de um determinando o tributo na base de cálculo de outros tributos. Aliás, manuais de Direito Tributário ou Cursos de Direito Tributário, escritos por renomados autores, geralmente, passam ao largo sobre essa importantíssima questão atual e controvertida.

Tudo indica que a Constituição Federal adotou como regra a inclusão do valor de um tributo na base de cálculo de outro tributo.

Com efeito, a Carta Magna, cuidando das características que o ICMS deverá conter, prescreve no inciso XI, do § 2º, do art. 155:

 

“não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do Imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos”.

 

Essa regra específica para o ICMS/IPI configura uma exceção, sendo que a regra geral é a inclusão do valor do tributo na base de cálculo de outro tributo. É o entendimento a que conduz as regras da hermenêutica.

Contudo, os contribuintes, esmagados pelo peso da tributação, sem contrapartida governamental em termos de prestação de serviços públicos e execução de obras de infraestrutura capazes de propiciar o desenvolvimento de atividades econômicas, vêm se utilizando de vários meios processuais para tentar aliviar o encargo financeiro de tributos que encarecem os preços de seus produtos e serviços.

A partir de questionamentos feitos pelos contribuintes, a jurisprudência vem decidindo, caso a caso, sem, contudo, apontar um critério uniforme ou objetivo a respeito dessa controvertida questão, como adiante se verá.

Como retroassinalado, nos autos do RE nº 240.785-MG, de relatoria do Min. Marco Aurélio, acolheu-se a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins, porque não sendo o ICMS uma mercadoria ele não poderia ser objeto de faturamento. Apesar de o ICMS estar agregado ao preço da mercadoria ou do serviço, a exemplo de outros tributos indiretos, considerou-se o seu caráter tributário que é inegável. O ICMS por definição legal é um imposto, e não uma mercadoria ou serviço.

Porém, não se pode negar que não apenas o valor do ICMS, mas também, os valores da mão de obra e até a margem de lucro do agente econômico estão incluídos no preço representativo do faturamento. A respeito escrevemos:

 

“A verdade é que nos chamados tributos indiretos (PIS/COFINS, ISS, ICMS, IPI) o valor do tributo integra o custo dos serviços ou das mercadorias, tanto quanto as despesas com a folha ou a margem de lucro do agente econômico.” [5]

 

Dentro daquela orientação traçada pelo STF os Tribunais Regionais Federais vêm excluindo, também, o ISS da base de cálculo da COFINS e do PIS. De fato, o princípio é o mesmo.

No RE nº 559607-SC/RG, de relatoria do Min. Marco Aurélio, DJe  de 22-2-2008, decidiu-se pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS-importação ao declarar a inconstitucionalidade da expressão “acrescido do valor do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS – incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições” contida no inciso I, do artigo 7º da Lei nº 10.865/2004, considerada a letra “’a” do inciso III do § 2º do artigo 149 da Constituição Federal”. Por ter sido reconhecida a existência de repercussão geral a decisão proferida tem o condão de sobrestar o envio ao STF de recursos que versem sobre a mesma matéria.

Como reflexo do pronunciamento da Corte Suprema um juiz de Osasco concedeu medida liminar para excluir o ICMS e o ISS da base de cálculo da contribuição social incidente sobre a receita bruta, a nova modalidade de contribuição social decorrente da substituição da contribuição social incidente sobre a folha de remuneração. Argumentou-se que o valor do ISS e do ICMS não corresponde à receita bruta o que, em termos de linguagem comum parece óbvio. No pagamento do ICMS há saída de dinheiro e não entrada. Do ponto de vista da justiça fiscal somos simpáticos a essa tese, neste caso específico, porque o governo federal, a pretexto de promover a desoneração da carga tributária representada pela contribuição social sobre a folha, vem procedendo a substituição gradativa pela contribuição incidente sobre a receita bruta,[6] relativamente a diversos setores da economia, aleatoriamente eleitos como contribuintes da nova modalidade de tributação, sem assegurar a opção ao contribuinte, como se impunha. Isso tem acarretado um aumento brutal da carga tributária em relação às empresas que ostentam uma receita bruta desproporcional ao custo da mão de obra, decorrente da utilização de modernos meios de produção, comercialização ou prestação de serviços, ou ainda, por se tratar de empresas que se dedicam ao comércio por via eletrônica.

Nos autos do RE nº 582525-SP/RG, de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, DJe de 16-5-2008, o Plenário do STF decidiu, por maioria de votos, pela existência de repercussão geral sobre a questão de saber se a CSLL deve ou não integrar a base de cálculo do IRPJ. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região havia negado provimento ao apelo do contribuinte para, reconhecendo a adequação, com a Constituição Federal, do parágrafo único do artigo 1º da Lei n٥ 9.316/96, assentar a impossibilidade de dedução do valor recolhido a título de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, na apuração da base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ.

Há, data vênia, incoerência na tese sustentada pelo TRF3 que vem julgando os casos de exclusão do ICMS e do ISS da base de cálculo da COFINS na esteira do julgamento da Corte Suprema no sentido da exclusão do ICMS (RE nº 240.785-MG).

Ora, assim como o ICMS não configura faturamento para ser alcançado pela COFINS, a CSLL não constitui um acréscimo patrimonial a propiciar sua tributação pelo imposto de renda. O pagamento de um tributo pode decorrer de uma renda auferida, mas o seu pagamento não configura uma renda.  Prevaleceu, entretanto, a tese de que a CSLL não constitui uma despesa operacional, porém, uma parte do lucro real, reservada ao custeio da Previdência Social.

O argumento não nos convence. Uma coisa é dizer que a CSLL decorre do lucro auferido, outra coisa bem diversa é considerar o pagamento da CSLL como uma renda passível de tributação pelo imposto de renda. O mesmo raciocínio que levou à exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS deveria prevalecer em relação à exclusão da CSLL da base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica.

Na realidade, a CSLL, a exemplo de outras despesas como salários, aluguéis, valores de outros tributos indiretos etc. representa um custo para a obtenção do resultado líquido. O certo é que a CSLL não é uma renda, mas um encargo tributário.

Cotejando-se os argumentos despendidos no RE 240.785-MG, no RE nº 559.607 em caráter de Repercussão Geral, e nos fundamentos aduzidos pelo TRF3, ventilados no RE nº 582.525, onde foi reconhecida a existência de repercussão geral, fica bem difícil encontrar um critério objetivo das hipóteses de exclusão e de inclusão do valor de determinado tributo na base de cálculo de outro tributo.

Todavia, o STF veio a julgar definitivamente a questão entendendo que o valor pago a título de contribuição social sobre o lucro líquido – CSLL – não perde a característica de corresponder a parte dos lucros ou da renda do contribuinte pela circunstância de ser utilizado para solver obrigação tributária. Declarou a constitucionalidade do art. 1º e parágrafo único da Lei nº 9.316/1996, que proíbe a dedução do valor da CSLL para fins de apuração do lucro real do IRPJ (RE nº 582.525-SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 7-2-2014).

Por tais razões, aproveitando o momento atual em que se fala em implementar uma reforma tributária preconizamos uma solução legislativa. Sugerimos a aprovação de uma Pec inserindo o § 8º, no art. 150 da CF, vedando a inclusão do valor do tributo na sua própria base de cálculo e na de outro tributo, revogando-se o inciso XI, do § 2º, do art. 155 e a letra “i”, do inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF, com a seguinte redação:

 

“§ 8º. É vedada a inclusão do valor do tributo na sua própria base de cálculo, bem como a sua inclusão na base de cálculo de outro tributo sempre que a situação configurar fato gerador de ambos ou mais tributos.”

A Pec proposta visa conferir segurança jurídica e desafogar o Judiciário com as discussões da espécie que vêm aumentando dia a dia, resultando em decisões díspares.

 

* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito.  Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

 

 

[1] ADC no 1/1-DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ, de 16-6-95, p. 18.213.

 

[2] Nesse sentido, ver RE 150.755, RTJ 149/259 e Resp 250.277, DJ de 7-6-2004.

 

[3] Agravo Regimental no 391474/PR, Rel. Min. Paulo Medina, DJU de 11-3-02, p. 248. No mesmo sentido: Resp 226.062 e Resp 227.942 publicados no DJU de 12-6-00; Resp 476.510, j. em 6-5-01.

[4] RE no 377.457-PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Ata no 23, de 17-9-2008, DJE no 183, divulgado em 26-9-2008. Pendem de julgamento até hoje (30-9-2009) os embargos declaratórios com efeitos infringentes apresentados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, para insistir nos efeitos modulatórios que, nesse ponto, restou empatada votação. Contudo, em decisão monocrática, esse efeito prospectivo já vem sendo afastado (RE no 677589, AgR, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 27-6-2012).

 

[5] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 22ª ed. São Paulo: Atlas,. 2013, p. 352.

[6] A Constituição Federal refere-se à receita ou faturamento que são expressões equivalentes.

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