Com o advento da Emenda Constitucional nº 41, de 19-12-2003, a contribuição social do servidor público passou a alcançar os inativos e os pensionistas mediante alteração do art. 40 da Constituição Federal.
À luz dessa Emenda Constitucional foi sancionada a Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, que contém ao mesmo tempo normas gerais aplicáveis às três esferas políticas – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – e normas aplicáveis apenas à União, suas autarquias e fundações.
O art. 1º prescreveu que nos cálculos dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer Poder da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas as suas autarquias e fundações, previsto no § 3º do art. 40 da CF e no art. 2º da EC nº 41/03, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações utilizadas como base de cálculo para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência.
Assim, terminou a aposentadoria com os proventos integrais pela última remuneração até então vigente.
O art. 2º assegura aos dependentes dos servidores titulares de cargo efetivo e dos aposentados de qualquer dos Poderes da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, falecidos a partir da publicação desta Lei, o benefício da pensão por morte nos seguintes termos:
(a) o valor da totalidade dos proventos do servidor aposentado, até o limite estabelecido para os benefícios do RGPS, acrescido de 70% da parcela excedente a esse limite, caso o servidor estivesse aposentado à data do óbito.
(b) o valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, acrescido de 70% da parcela excedente a esse limite, caso o servidor estivesse em atividade na data do óbito.
A contribuição previdenciária do servidor público é regulada pelo art. 4º nos seguintes termos:
“Art. 4o A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidentes sobre: (Redação dada pela Lei nº 12.618, de 2012)
I – a totalidade da base de contribuição, em se tratando de servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo e não tiver optado por aderir a ele; (Incluído pela Lei nº 12.618, de 2012)
II – a parcela da base de contribuição que não exceder ao limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social, em se tratando de servidor: (Incluído pela Lei nº 12.618, de 2012)
- a) que tiver ingressado no serviço público até a data a que se refere o inciso I e tenha optado por aderir ao regime de previdência complementar ali referido; ou(Incluído pela Lei nº 12.618, de 2012)
- b) que tiver ingressado no serviço público a partir da data a que se refere o inciso I, independentemente de adesão ao regime de previdência complementar ali referido.”(Incluído pela Lei nº 12.618, de 2012)
O § 1º define como base de cálculo de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens excluídas as verbas referidas nos incisos I a XIX, dentre as quais as diárias de viagens, o salário-família, o auxílio-alimentação, o adicional de férias, o adicional noturno etc.
Os arts. 5º e 6º cuidam das contribuições sociais devidas por aposentados e pensionistas nos seguintes termos:
“Art. 5º Os aposentados e os pensionistas de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, contribuirão com 11% (onze por cento), incidentes sobre o valor da parcela dos proventos de aposentadorias e pensões concedidas de acordo com os critérios estabelecidos no art. 40 da Constituição Federal e nos arts. 2o e 6o da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003, que supere o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social. (Vide Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
Art. 6º Os aposentados e os pensionistas de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo desses benefícios na data de publicação da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003, contribuirão com 11% (onze por cento), incidentes sobre a parcela dos proventos de aposentadorias e pensões que supere 60% (sessenta por cento) do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social. (Vide Emenda Constitucional nº 47, de 2005)”
O art. 7º confere abono de permanência equivalente ao valor da contribuição previdenciária para o servidor efetivo que tenha completado as exigências para a aposentadoria voluntária e continuar no exercício do cargo até ser atingido pela aposentadoria compulsória. Curiosamente, esse servidor, que fica dispensado de pagar a contribuição previdenciária enquanto no exercício do cargo, ao ser compulsoriamente aposentado passa a contribuir com 11% incidente sobre os proventos de aposentadoria.
Nos termos do art. 8º a União, suas autarquias e fundações deverão contribuir para o custeio do regime de previdência e de que trata o art. 4º da CF com o valor equivalente ao dobro do servidor ativo, sem prejuízo da sua responsabilidade para a cobertura de eventuais insuficiências financeiras do regime previdenciário.
Essa contribuição previdenciária dos aposentados e pensionistas, na verdade, foi instituída pelo art. 4º da Emenda Constitucional nº 41/03 que prescreveu a cobrança da contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas em gozo de seus benefícios na data da promulgação da citada Emenda e aos que vierem a ser alcançados pelo disposto no art. 3º dessa Emenda.
O legislador constituinte derivado, não satisfeito com a introdução da contribuição previdenciária sobre os servidores aposentados e pensionistas de caráter contributivo e solidário, por meio de seu art. 4o (da EC no 41/03), legislou concreta e retroativamente removendo situações acobertadas pelo princípio do ato jurídico perfeito.
De fato, prescreveu que inativos e pensionistas no gozo de benefícios previdenciários na data da promulgação da Emenda contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40 da CF, com igual percentual estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos. Seu parágrafo único estabeleceu bases de cálculo diferentes para os inativos dos Estados, Distrito Federal e Municípios, e para os inativos da União. Os primeiros pagariam sobre os proventos e pensões excedentes a 50% do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social (R$ 2.508,72); os segundos, só pagariam sobre proventos e pensões que excedessem 60% desse limite. Difícil entender essa diferenciação.
O aludido art. 4º da Emenda foi impugnado por meio de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Conamp.
A tese central foi no sentido de que na ausência de benefício específico para os aposentados e pensionistas não poderia cobrar a contribuição previdenciária que é tributo vinculado à atuação indireta do Estado. Sustentou-se, também a violação do direito adquirido.
A tese da descaracterização da contribuição previdenciária foi acolhida no voto dado pela Ministra Ellen Gracie, Relatora da ação direta de inconstitucionalidade. Os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Carlos Ayres Brito, também acolhiam a ação direta de inconstitucionalidade porque à Emenda não poderia suprimir direitos e garantias assegurados em nível de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV da CF). Mas, a maioria dos Ministros sustentou que não há direito adquirido ao regime de imunidade tributária e que a natureza contributiva da nova exação obrigava a todos, ativos e inativos e pensionistas. Assim, o STF considerou improcedente a ação quanto ao art. 4o e procedente em relação aos incisos I e II do parágrafo único, que estabeleciam os percentuais de 50% e 60% para efeito de tributação do excedente ao valor do limite do benefício máximo estabelecido para o regime previdenciário geral. [1]
A tese central do voto condutor girou em torno da questão do direito adquirido que, apesar de invocado na inaugural, não era pertinente ao tema em debate, porque não se discutia nessa Adin as condições para a aposentadoria de servidores que ingressaram no serviço público, no regime previdenciário anterior à Emenda no 41/03. É verdade que se costuma sustentar que o aposentado não tem direito adquirido a não pagar tributos. Mas a confusão é óbvia. Não se trata de direito adquirido de não pagar tributo. Caberia falar-se em imunidade tributária. Porém, os casos de imunidade tributária são apenas aqueles estabelecidos pelo constituinte originário, em relação aos impostos, no art. 150, inciso VI, e em relação às contribuições para a seguridade social, no art. 195, § 7o,[2] não passíveis de supressão por via de Emendas, porque a Corte Suprema já decidiu que imunidade constitui garantia individual protegida por cláusula pétrea (Adin no 939-DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Trib. Pleno, RTJ 151/755).
Certamente, aposentados e pensionistas não têm imunidade tributária, tanto é que sempre pagaram o Imposto de Renda na fonte, com as majorações periódicas, que nunca foram contestadas. E por que sempre pagaram? Porque o fato gerador do Imposto de Renda é a disponibilidade econômica ou jurídica de rendas ou proventos de qualquer natureza e, com toda certeza, aposentados e pensionistas percebem rendas como outros contribuintes em geral, nada tendo a ver com o regime de previdência pública.
O que não é possível constitucionalmente é a lei instituir uma contribuição social a ser cobrada de quem já está aposentado, antes da criação desse tributo, ofendendo abertamente ato jurídico perfeito. Nos termos do § 1o, do art. 6o da LICC, ato jurídico perfeito é muito mais do que direito adquirido, que está definido no § 2o. Senão vejamos:
“Art. 6o A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
- 1o Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou;
- 2o Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”
O art. 4o da EC no 41/03 desfez uma situação jurídica consumada ao tempo da aposentadoria, refazendo aquela situação em condições mais onerosas para o inativo, ainda que sem solução de continuidade no que diz respeito à percepção dos proventos.
Esse fato não passou despercebido ao sempre arguto Min. Marco Aurélio, que a certa altura da sustentação de seu voto afirmou que a EC no 41/03 afrontou o § 4o do art. 60 da Constituição Federal, segundo o qual não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e as garantias individuais porque se cobra a seriedade dos representantes do povo. Com a habitual sabedoria e solar clareza acrescentou, salvo engano:
“E a esta altura, considerados servidores que estão aposentados há 15 anos ou mais, introduzir quanto a eles, a título de contribuição, um ônus, diminuindo-se os proventos, é algo que conflita frontalmente com a Constituição Federal e implica até mesmo o maltrato à dignidade da pessoa humana.”
Concluindo, salvo melhor juízo, nessa Adin não foram apontados, nem discutidos todos os vícios que contaminam a cobrança da contribuição social dos inativos e pensionistas, mesmo porque não se cogitou do exame da lei tributária material. A Adin foi dirigida exclusivamente contra o art. 4o da EC no 41/03 que, repita-se, possibilitou a criação da contribuição previdenciária dos inativos. Portanto, perfeitamente possível a rediscussão da matéria, atacando os vícios da Lei no 10.887, de 18-6-2004, que instituiu, no plano federal, a cobrança dessa contribuição de aposentados e pensionistas, sem instituir o benefício específico respectivo, fato que desqualifica a espécie tributária apontada, incidindo em dupla tributação do Imposto de Renda, tributação essa limitada aos inativos e pensionistas, o que fere o princípio da igualdade. Afinal, o art. 4o da EC no 41/03, que possibilita a instituição legal da contribuição social dos inativos, não prescreveu e nem poderia prescrever que a nova exação tributária independe de novo benefício. Esse dispositivo há de ser interpretado em consonância com a regra permanente da Constituição Federal, exteriorizada pelo já citado § 5o do art. 195, segundo o qual novo benefício implica nova fonte de custeio e vice-versa. Uma coisa é certa. A lei ordinária, instituidora da “contribuição dos inativos” só poderá tributar a parcela dos proventos e pensões excedentes a 50% do limite máximo de benefícios estabelecidos para o regime geral de previdência social, que é de R$ 2.668,15 nesta data (30-10-2005), por força do disposto no § 18 do art. 40 da CF, acrescentado pelo EC no 41/2003. Novo parágrafo, o de no 21, acrescido pela EC no 47/2005, veio reduzir a base de cálculo das contribuições dos aposentados e pensionistas portadores de doença incapacitante, hipótese em que essas contribuições somente incidirão sobre os proventos e pensões que excederem ao dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social.
* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
[1] ADI nº 3.105. Relatora original Min. Ellen Gracie, Relator para Acórdão Min. Cezar Peluzo, DJ de 18-2-2005
[2] Regime Geral de Previdência Social.