Essa contribuição social, conforme apontamos na nossa obra[1], padece de inúmeras inconstitucionalidades, mas ela foi validada pelo STF. Examinemos em rápidas pinceladas.
A contribuição social em tela tem base no art. 149-A da CF acrescentado pela EC nº 39/02:
“Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.
Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.”
Ela surgiu como sucedâneo da taxa de iluminação pública declarada inconstitucional pela Corte Suprema. Se não podia subsistir como taxa por ausência de serviço público específico e divisível, a mudança de roupagem jurídica para contribuição social nada altera: continua faltando o requisito intrínseco dessa espécie tributária que é o benefício específico referido ao contribuinte. O serviço de iluminação pública é prestado uti inversi, mas ela é cobrada apenas dos consumidores de energia elétrica por meio da conta de luz por meio de convênio firmado pela Prefeitura com a concessionária de distribuição de energia elétrica. E mais, segundo a legislação ordinária os usuários de energia elétrica de natureza residencial pagam menos do que os usuários da energia elétrica não residencial, como se estes, ao andarem pelas ruas da cidade, usufruíssem de um benefício maior do que os consumidores de energia elétrica residencial. A final, qual a relação existente entre o consumo de energia residencial ou não residencial e a iluminação pública? Evidentemente, nenhuma! Não é razoável supor que o consumidor de energia elétrica não residencial quando perambula à noite pela via pública consome mais iluminação pública que o consumidor de energia de natureza residencial.
Entretanto, proposta a ADI pelo Ministério Público ela foi julgada improcedente, por maioria de votos, conforme ementa abaixo:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – COSIP. ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA. COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA. UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. I – Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. II – A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva. III – Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. IV – Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. V – Recurso extraordinário conhecido e improvido (RE 573675, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe-094 DIVULG 21-05-2009 PUBLIC 22-05-2009).
Elucidativo o voto minoritário proferido pelo culto Ministro Marco Aurélio:
[…] A causa da emenda não foi outra senão o Verbete nº 670 da Súmula do Supremo, a revelar que o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.
…
Presidente, valho-me da doutrina – da melhor doutrina – e começo por citar Kiyoshi Harada, em artigo publicado sobre a matéria, quando ressaltou que, no caso de iluminação pública:
“(…) pergunta-se, onde a particular vantagem propiciada aos contribuintes, se todos os munícipes são beneficiários desse serviço público”?
Não estou preconizando aqui a volta à caverna. Não é isso!
“seria legítimo considerar a população normal como beneficiários específicos, em confronto com o contingente de pessoas cegas a quem o serviço público não estaria trazendo os mesmos benefícios?
Para caracterização da contribuição social ou da taxa de serviços, não basta a destinação específica do produto da arrecadação do tributo.
É preciso que se defina o beneficiário específico desse tributo, que passará a ser o seu contribuinte. Se a comunidade inteira for a beneficiária, como no caso sob estudo, estar-se-á diante de imposto, e não de contribuição.
[…} A contribuição social, instituída pela Lei nº 13.478/2002, é de uma inconstitucionalidade solar.”
Creio que versava a problemática da contribuição alusiva a São Paulo:
“Ela é cobrada de apenas uma parcela da população, para custear um serviço público genérico, que beneficia a sociedade como um todo. Por isso, ofende duplamente o princípio da isonomia tributária. Primeiramente, quando cobra apenas de uma parte dos beneficiários da iluminação pública; pela vez segunda, quando discrimina os usuários de relojinhos não residenciais, que pagam mais do que os usuários de relojinhos residenciais como se aqueles ‘consumissem’ mais iluminação pública do que os últimos.
Contorna e ofende o princípio da discriminação de rendas tributárias, instituindo imposto fora do elenco taxativo do art. 156 da CF.
Violenta o art. 167, IV da CF, ao destinar o produto da arrecadação desse imposto novo a um Fundo Especial.”
[…]
“Também autor mencionado pelo relator – não para acompanhá-lo no pensamento possuído, mas para contrariar a conclusão neste caso concreto -, Ives Gandra da Silva Martins, varão insuplantável desta sofrida República, teve oportunidade de se debruçar sobre a matéria. Ressaltou Sua Excelência em artigo:
“Ora, o artigo 149-A cuida da quinta espécie tributária, que são as contribuições de intervenção do domínio econômico, sociais gerais e no interesse das categorias profissionais e econômicas – já, em parte desperfilada, pela E.C. nº 33/01.
Nada obstante o canhestrismo conveniente desta última, há de se concluir que as contribuições lá mencionadas são, de rigor, contribuições de intervenção no domínio econômico, justa sendo sua inclusão no corpo do referido artigo.
A atual – aí veio a ela – contribuição não é, entretanto, contribuição. Tem o perfil de uma taxa, mas com insuficiências que demonstrarei adiante. “Não representa qualquer intervenção no domínio econômico, nem é cobrado no interesse das categorias, nem tem qualquer função social.”
“É, pura e simplesmente, tributo destinado a cobrir prestação de serviço, nem se furtando, o desajeitado constituinte,” – que emendou primitivo da Carta _ “ a reconhecer que sua cobrança ‘é para o custeio do serviço de iluminação pública.
O pouco versado legislador supremo em teoria ou doutrina constitucional _ e, possivelmente, desconhecedor das decisões do pretório Excelso sobre o conteúdo dos vocábulos utilizados na elaboração legislativa – não percebeu chamar de ‘contribuição’ uma ‘taxa’, isto é, uma contraprestação a um serviço público,” _ de iluminação pública _ “não transforma a taxa em contribuição, visto que a natureza do tributo é dada por seu perfil e não por sua denominação.”
O Supremo tribunal Federal ao desprover o Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Público contra Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina nos autos da ADI Estadual, proclamou a constitucionalidade dessa contribuição social, por maioria de votos, com os seguintes argumentos:
“tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte… sendo uma exação que se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”.
Como se verifica, a ofensa ao princípio da isonomia ficou afastada porque não é possível identificar todos os beneficiários da iluminação pública, bem como repelido restou a violação do princípio da capacidade contributiva porque a progressividade resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica. Por fim, afastou a natureza de taxa ou de imposto, considerando a Cosip como um tributo sui generis que se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Certo ou errado, a Veneranda decisão coloca um ponto final na discussão, mas abre um caminho para a proliferação de impostos inominados com o nome de contribuição social que, na prática, vem se constituindo em uma espécie tributária imune aos princípios tributários tendo como limite apenas a vontade insaciável do legislador.
* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
[1] Contribuições coais doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2015, p. 143-146.