Prescreve o § 13, do art. 195 da CF que, na hipótese de substituição gradual, total ou parcial da contribuição social incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho a cargo da empresa pela contribuição social incidente sobre a receita ou o faturamento, aplica-se o disposto no § 12 que assim prescreve:
“§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.”
Com aparente amparo no citado § 13, do art. 195 da CF a Lei nº 12.546, de 14-12-2011, fruto de conversão da MP nº 540/11 que instituiu o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras, deu início à substituição gradual da contribuição previdenciária pela contribuição incidente sobre a receita bruta. Essa lei sofreu alterações pela MP nº 563, de 3-4-2012, convertida na Lei nº 12.715, de 17-9-2012 e pela Medida Provisória nº 582, de 20-9-2012, convertida na Lei nº 12.794, de 2-4-2013 e, certamente, outras serão editadas para alargar os setores da economia abrangidos pelo novo regime tributário.
Essa substituição de uma contribuição pela outra veio à luz com o objetivo de reduzir a carga tributária das empresas e aumentar a competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional, além de induzir o aumento de contratação de empregados.
Pois bem, essa Lei nº 12.546/11, pelo seu art. 7º, na redação dada pela Lei nº 12.715, de 17-9-2012, substituiu, até o dia 31 de dezembro de 2014[1], as contribuições previstas nos incisos I e II, do art. 22, da Lei nº 8.212/91, pela incidência de 2% sobre a receita bruta relativamente a empresas nos seguintes termos:
“Art.7º Contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de dois por cento: (Redação dada pela Medida Provisória nº 651, de 2014)
I – as empresas que prestam os serviços referidos nos §§ 4o e 5o do art. 14 da Lei no 11.774, de 17 de setembro de 2008; (Incluído pela Lei nº 12.715, de 2012) Produção de efeito e vigência
II – as empresas do setor hoteleiro enquadradas na subclasse 5510-8/01 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE 2.0; (Incluído pela Lei nº 12.715, de 2012) Produção de efeito e vigência
III – as empresas de transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal, intermunicipal em região metropolitana, intermunicipal, interestadual e internacional enquadradas nas classes 4921-3 e 4922-1 da CNAE 2.0. (Incluído pela Lei nº 12.715, de 2012) Produção de efeito e vigência
IV – as empresas do setor de construção civil, enquadradas nos grupos 412, 432, 433 e 439 da CNAE 2.0; (Incluído pela Lei nº 12.844, de 2013) (Vigência)
V – as empresas de transporte ferroviário de passageiros, enquadradas nas subclasses 4912-4/01 e 4912-4/02 da CNAE 2.0; (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013) (Vigência)
VI – as empresas de transporte metroferroviário de passageiros, enquadradas na subclasse 4912-4/03 da CNAE 2.0; (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013) (Vigência)
VII – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.794, de 2013)
VIII – as empresas de construção de obras de infraestrutura, nos grupos 421, 422, 429 e 431 da CNAE 2.0. (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013) (Vigência)
IX – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.794, de 2013)
X – (VETADO); e (Incluído pela Lei nº 12.794, de 2013)
XI – (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.794, de 2013)
Contudo, a substituição em tela não se aplica a empresas que exercem as atividades de representante, distribuidor ou revendedor de programas de computador, cuja receita bruta decorrente dessas atividades seja igual ou superior a 95% da receita bruta total (§ 2º, do art. 7º, na redação dada pela Lei nº 12.715/12). Outrossim, nos termos do § 6º introduzido por essa Lei de nº 12.715/12 a contratação de empresas para a execução dos serviços referidos no caput, mediante cessão de mão de obra, na forma definida pelo art. 31, da Lei nº 8.212/91, sujeita a empresa contratante à retenção de 3,5% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços.
O art. 8º, da Lei nº 12.546/11, por sua vez, promoveu a substituição das contribuições sociais antes referidas até 31 de dezembro de 2014, pela incidência de 1% sobre o valor da receita bruta em relação às empresas que fabricam os produtos classificados na TIPI, aprovada pelo Decreto nº 7.660/11 nos códigos que menciona.[2] Porém, esse artigo, também, foi alterado pela MP nº 563/12, já convertida na Lei nº 12.715/12 para alagar o seu campo de abrangência, substituindo os códigos antes enumerados pelos códigos referidos no “Anexo a esta Lei”. E o Anexo em questão contempla um número enorme de códigos de atividades econômicas de forma casuística e com exceções igualmente casuísticas. Alteração introduzida pela Lei nº 12.715/12 dispôs que a substituição somente se aplica em relação aos produtos industrializados pela empresa. Igualmente estabeleceu uma série de exceções à aplicação do regime tributário substitutivo, tornando a legislação complexa e caótica. Nova Medida Provisória a de nº 582, de 20-9-2012, veio alterar o Anexo referido na lei, acrescendo e subtraindo produtos classificados na TIPI. Certamente, outras medidas provisórias serão editadas para remexer as classificações de produtos ao sabor dos interesses do momento acentuando o aspecto burocrático que vem tomando o tempo precioso do empresariado.
A substituição da contribuição social que começou com setores empresariais voltados para a prestação de serviços evoluiu, na prática, para substituição, não por setores da atividade econômica como determina o § 13 c.c o § 12, do art. 195 da CF, mas, substituição por produtos. Daí o casuísmo dessa substituição em curso, onde prevalece o componente político.
Com essas medidas, algumas das empresas enquadradas em um desses códigos poderá ter a carga tributária violentamente aumentada por conta dessa substituição casuística da contribuição previdenciária pela contribuição sobre a receita bruta, opção mais gravosa feita pelo legislador ordinário ante as alternativas oferecidas pelo legislador constituinte derivado que inclui a possibilidade de adotar como base de cálculo o faturamento.
Sucessivas alterações introduzidas na legislação vêm aumentando o rol de empresas enquadradas no novo regime, passando ultimamente a alcançar setores da atividade econômica voltados para a área de informática ou setores comerciais que operam com venda por meios eletrônicos.
É claro que em relação a essas últimas empresas, que praticamente dispensam o quadro de empregados, a substituição da tributação prevista nos incisos I e II, do art. 22 da Lei nº 8.212/91, pela tributação de 2% incidente sobre a receita bruta representa um impacto tributário de monta que pode até inviabilizar a continuidade dos seus negócios. Desoneração da folha não pode implicar sua substituição pelo regime mais gravoso, pois não é essa a intenção do legislador constituinte.
É visível o prejuízo das empresas atingidas que tinham uma folha de pagamento diminuto e uma receita bruta razoável. E para garantir que a substituição do tributo não gere diminuição da receita tributária, o § 3º, do art. 9º da lei determina a incidência proporcional da contribuição social do art. 22, da Lei 8.212/91 sobre o décimo terceiro salário sempre que a empresa tiver parte das atividades não abrangida pelos setores de serviços e de produção objetos de substituição pelo novo regime tributário.
Apesar de aparentemente genérico e abstrato o instrumento normativo em questão, aplicável para todas as empresas que exercem as atividades mencionadas, o art. 8º da Lei nº 12.546/11, na realidade, provoca dano a determinado setor empresarial, gerando efeitos contrários aos almejados pela Emenda Constitucional nº 42, de 19-12-2003 que previu a substituição gradual da contribuição previdenciária patronal. Falta à lei referida o respaldo da legitimidade à medida que ela não atende aos objetivos visados pelo legislador constituinte derivado.
Não permitindo ao contribuinte atingido pela nova lei, a opção pelo regime tributário anterior que lhe é favorável, essa Lei nº 12.546/11, assume a feição de uma lei de efeito concreto, passível, em tese, de responsabilização civil do Estado. O fato de a lei ter prefixado o prazo de sua vigência, bem como o casuísmo na eleição de contribuintes que tiveram alterado o regime tributário, por si só, já retira o caráter de generalidade e abstração da lei. O fato é que o gravame específico imposto a determinada categoria de contribuinte não se reveste do caráter genérico e abstrato. Igualmente, a substituição de uma contribuição social por outra, por período certo, que não tem previsão constitucional, representa uma forma de testar a eficiência da arrecadação tributária, sendo que as empresas escolhidas aleatoriamente servem a esse propósito. Mediante nova redação conferida aos artigos 7º e 8º da Lei nº 12.546/11 pela Medida Provisória nº 651, de 9-7-2014 a substituição da contribuição sobre a folha pela contribuição sobre a receita bruta tornou-se permanente.
Dentre as atividades empresariais sujeitas à nova lei algumas sofrem um grande impacto em sua carga tributária de tal ordem que elimina as perspectivas de crescimento e de expansão de suas atividades existentes à época da vigência do regime tributário anterior. Assim, essa lei acaba funcionando como fator inibidor do quadro de empregados, produzindo efeitos contrários aos visados pelo legislador constituinte.
Ante a frequência com que a legislação tributária vem sendo alterada por meio de normas epidêmicas da espécie de difícil aplicação, bem como, causando danos financeiros à determinadas empresas em proveito de outras que são beneficiadas, cabe à doutrina e à jurisprudência repensar a questão da responsabilidade do Estado por atos legislativos.
Na jurisprudência encontramos dois pronunciamentos sobre a responsabilidade estatal por atos legislativos, referentes às hipóteses de leis inconstitucionais (RE nº 153.464, RDA 189/305-306 e RE nº 158.962, j. em 4-12-1992).
Entendemos que independentemente de a lei ser constitucional ou inconstitucional se ela causar dano específico e direto para determinadas pessoas ou determinado segmento da economia, o Estado deverá responder pela indenização respectiva. Basta atentar para as hipóteses de leis de proteção ambiental que sem serem inconstitucionais impõem ônus grave e injusto para determinados proprietários de terras.
A responsabilização do Estado pela edição de lei de efeito concreto, nem sempre depende de sua inconstitucionalidade. Nesse sentido é a opinião dos administrativistas, dentre os quais, Toshio Mukai,[3] Odete Medaur[4] e Maria Sylvia Zanella Di Pietro.[5]
O legislador constituinte derivado ao preconizar a introdução do mecanismo tributário de substituição gradual de uma contribuição pela outra teve em mira a desoneração da carga tributária e não apenas a desoneração da folha pelo que essa substituição deverá ser interpretada como opção do contribuinte.
Em face das notórias dificuldades de acolhimento pelo Judiciário atual da tese da facultatividade do novo regime tributário resta apenas a solução legislativa. Para tanto bastará acrescentar o § 8º ao art. 7º, da Lei nº 12.546/2011, facultando expressamente a permanência no regime de tributação previsto nos incisos I e II, do art. 22 da Lei nº 8.212/91. É, aliás, a medida que deveria ter constado desde o início para fazer jus à ideia de desoneração tributária ventilada pelo governo por ocasião da elaboração da Medida Provisória de nº 540/11.
Essa substituição atabalhoada por produtos e não por setores como determina o texto constitucional, e sem a correta compensação da perda de arrecadação da contribuição substituída pela compensação substituenda levou o governo a extinguir gradualmente a desoneração da folha exatamente na contramão do que dispõe o texto constitucional. A sua implantação prejudicou certos setores que operavam com mão de obra restrita e, agora, sua extinção gradual prejudica aqueles que de boa fé haviam expandido o quadro de empregados. Enfim, a insegurança na área tributária já é uma rotina que se incorporou na cultura de nossos legisladores. O setor produtivo deve levar em conta os custos dessa insegurança na formulação da sua política de expansão das atividades e de formação do preço de seus produtos e serviços.
* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
[1] A MP nº 651, de 9-7-2014 tornou definitiva as substituições existentes.
[2] A substituição pela contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta tornou-se definitiva por força da MP nº 651, de 9-7-2014.
[3] Direito administrativo sistematizado. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 535.
[4] Direito administrativo moderno. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 443.
[5] Direito administrativo. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 509.