Decisões conflitantes causam insegurança jurídica*

A falta de sintonia entre os julgamentos de instâncias administrativa e judicial e entre as instâncias judiciais têm causado bastante insegurança jurídica aos contribuintes em geral.

A desarmonia entre as decisões de última instância administrativa (CARF) e as decisões de tribunais superiores é menos grave, porque a coisa julgada administrativa não se reveste de definitividade, pois ela pode ser revertida por decisão judicial em sentido contrário.

A dificuldade maior para os contribuintes está na dissintonia entre os julgados do STJ e do STF.

É claro que a decisão do STF prevalece sobre a proferida pelo STJ, mas leva-se um tempo muito grande para que o STJ se ajuste à decisão da Corte Suprema, principalmente, quando o STF altera a sua jurisprudência, repentinamente, como aconteceu com a incidência do IPI na revenda de produto importado.

O STJ estava decidindo inicialmente pela não incidência do IPI (EDiv em REsp nº 1.398.721, j. 11-6-2014), mas alterou sua jurisprudência em face da jurisprudência do STF em sentido contrário.

A alteração do entendimento da Corte Maior acerca da matéria levou o STJ a bater novamente pela não incidência do IPI na revenda. O STJ dança conforme o ritmo da musica tocada pelo STF!

Ao final, ambas as Cortes passaram a entender que o IPI é devido na revenda de produto industrializado importado em razão do princípio da isonomia (RE nº 946.648/SC-RG, DJe de 9-9-2020 e EDiv. no REsp nº 1.403.532/SC DJe de 18-12-2015).

Na verdade é exatamente essa dupla tributação do produto importado que ofende o princípio da isonomia, pois o produto similar nacional só paga uma vez.

Às vezes o STF, tribunal que fala por último, tem ingressado em matéria infraconstitucional avançando na esfera pertencente ao Tribunal da Cidadania. Isso aconteceu em relação a COFINS das sociedades de profissionais legalmente regulamentadas.

Como se sabe, a Lei Complementar nº 70/1991 instituiu a COFINS e ao mesmo tempo prescreveu o regime isencional das sociedades formadas por profissionais liberais (art. 6º, inciso II).

O art. 56 da Lei nº 9.430/96 veio dispor que as sociedades de profissões legalmente regulamentadas “passarão a contribuir para a seguridade social em base na receita bruta da prestação de serviços”.

O STJ que vinha aplicando a isenção prevista no art. 6º da LC nº 70/91 entendeu não revogada essa isenção pela Lei Complementar nº 9.430/96 e editou a Súmula 276 do seguinte teor:

“As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da COFINS, irrelevante o regime tributário adotado”.

Contudo, o STF que viu na controvérsia uma questão constitucional, que não conseguimos vislumbrar, validou a tributação das sociedades de profissionais liberais (RE nº 377.457-PR, DJe de 26-9-2008). Interposto embargos declaratórios pela OAB para pleitear a modulação de efeitos eles foram rejeitados, por maioria de votos, depois de decorridos quase uma década. (DJe de 24-10-2017) pegando a todos de surpresa.

Com isso o STJ teve que cancelar a sua correta Súmula de nº 276.

Na realidade o verdadeiro fundamento da Súmula 276 do STJ, embora nenhum Ministro tenha feito referência a isso, reside no princípio inserto no § 2º, do art. 2º da LINDB, segundo a qual a lei geral não revoga a disposição a lei especial a menos que expressamente a revogue.

De fato, a Lei Complementar nº 70/91 é uma lei especial que veio à luz para instituir a COFINS e ao mesmo tempo prescrever o regime isencional dessa contribuição social, ao passo que, a Lei nº 9.430/96 é lei ordinária geral que trata de tributos federais e processo administrativo de consulta em matéria tributária, inclusive, de procedimentos de fiscalização.

No caso, o STF, a meu ver, com a devida vênia, usurpou a competência privativa do STJ, porque não há matéria constitucional na questão de saber se a lei geral revoga ou não disposição de lei especial em face a LINDB.

Neste artigo examinaremos a decisão do CARF em confronto com a jurisprudência tanto do STJ, como do STF.

Com efeito, a CSRF do CARF afastou a atualização pela Selic no pedido de restituição de benefício fiscal, conforme ementa abaixo:

“Caso trata da atualização de valores em pedido de restituição no âmbito do Programa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial. Por cinco votos a três, a 2ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) afastou a possibilidade de atualizar pela taxa Selic os valores em pedido de restituição do contribuinte que se beneficia do Programa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (PDTI). O programa permite a devolução de percentual de montantes pagos a título de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) em operações de pagamento de royalties ao exterior.”

Ora, essa decisão administrativa está em confronto com a jurisprudência do STJ que determina a inclusão da taxa Selic na base de cálculo do PIS/COFINS.

De fato, se há essa determinação de inclusão na base de cálculo é porque, por óbvio, houve aplicação da taxa Selic na repetição de indébito.

Para clareza transcrevamos a ementa do V. Acórdão.

“EMENTA

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO (TAXA SELIC). INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ. INAPLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA962/STF.

  1. Tendo o recurso sido interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n.3/2016/STJ.
  2. O Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 1.063.187/SC, após o reconhecimento da repercussão geral, fixou tese segundo a qual “é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário” (Tema 962/STF). Na ocasião, o STF, por votação unânime, concluiu que a remuneração pela taxa Selic é espécie de dano emergente, afastando a tese de que seria lucro cessante, e, por isso, não representaria acréscimo patrimonial.

3. Não obstante a tese definida pelo Supremo Tribunal Federal, não há ilegalidade na incidência da contribuição ao PIS e da COFINS sobre os valores derivados da aplicação da taxa Selic, no cálculo da repetição de indébito, mesmo se considerada a natureza de dano emergente, na medida em que a respectiva parcela é espécie de receita e não há autorização legal para excluí-la das bases de cálculo dessas contribuições.
4. Nessa linha intelectiva, este Tribunal Superior firmou pacífica orientação jurisprudencial no sentido da legalidade da incidência da contribuição do PIS e da COFINS sobre os valores originados da aplicação da taxa Selic, nasaçõesderepetiçãodeindébito.

Precedentes.
5. Agravo interno não provido.” (AgInt. no REsp nº 2048559/RS, DJede 6/9/2023)

De igual modo decidiu o STF pela exclusão do Imposto de Renda e da CSLL sobre a taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito tributário, conforme ementa abaixo:

“Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 962 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, dando interpretação conforme à Constituição Federal ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88, ao art. 17 do Decreto-Lei nº 1.598/77 e ao art. 43. inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66), de modo a excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do imposto de renda e da CSLL sobre a taxa SELIC recebida pelo contribuinte na repetição de indébito tributário, nos termos do voto do Relator. Os Ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques, inicialmente, não conheciam do recurso e, vencidos acompanharam o Relator, para negar provimento ao recurso extraordinário da União, pelas razões e ressalvas indicadas. Foi fixada a seguinte tese: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”. (RE nº 1063187, DJede 16-12-2021).

Ora, se existia decisão do STF proferida em sede de repercussão geral, portanto, com eficácia erga omnes, torna-se incompreensível a recente decisão do CARF em sentido contrário.

Nem se argumente que as decisões judiciais do STF e do STJ não focaram exatamente acerca da incidência ou não da taxa Selic na repetição de indébito.

Mas, em sã consciência, não é dado negar essa incidência se o STJ determina a inclusão da taxa Selic recebida na repetição na base de cálculo do PIS/COFINS e o STF determina a exclusão do IR/CSLL sobre os valores da taxa Selic recebidos nas restituições de indébito.

Tampouco não se sustenta eventual argumentação no sentido de que o CARF excluiu a taxa Selic no pedido administrativo de restituição, pois a repetição comporta a via judicial e a via administrativa (art. 169 do CTN), sendo que a repetição pressupõe valor atualizado com incidência de juros e atualização monetária que a jurisprudência os substituiu pela taxa Selic.

Não se sabe, se é por desconhecimento ou se por teimosia que o CARF vem julgando contra a jurisprudência das Cortes Superiores, prolongando o tempo da demanda que, ao final, será favorável ao contribuinte.

SP, 16-10-2023.

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.708 de 17-10-2023.

Relacionados