Deficiência da noção de fato gerador causa litígios desnecessários*

Como temos afirmado com freqüência que o cerne do direito tributário consiste no conhecimento profundo do fato gerador da obrigação tributária nos seus cinco elementos: (a) elemento material que consiste na descrição legislativa da hipótese em que é devido o tributo: (b) elemento subjetivo, relação jurídica que une o sujeito ativo ao sujeito passivo; c) elemento quantitativo que define o quantum debeatur (base de cálculo e alíquota); (d) o elemento espacial que define o sujeito ativo; e (f) o elemento temporal que define a legislação aplicável (tempus regit actum).

Faltando um desses elementos o tributo deixa de ter existência legal. Daí a suma importância da teoria do fato gerador da obrigação tributária, normalmente, lembrada pelos estudiosos apenas em sua dimensão material.

O fisco federal, por desconhecer em pormenor o fato gerador da obrigação tributária, tem causado inúmeros litígios desnecessários, obrigando o Judiciário a afastar uma a uma cada uma dessas exigências ilegais, invariavelmente fundadas na mesma causa: o desconhecimento da teoria do fato gerador.

O caso versado neste artigo se refere à indevida inclusão dos benefícios fiscais na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

É simplesmente inacreditável o inúmero de reiteradas tentativas do fisco federal de incluir na base de cálculos do IRPJ e da CSLL de valores de diferentes incentivos fiscais como isenção, redução da base de cálculo, créditos fiscais presumidos etc., obrigando o Poder Judiciário a se pronunciar em cada uma dessas modalidades de incentivos fiscais.

Não bastasse a clara definição do elemento material do fato gerador do imposto de renda pelo artigo 43 do CTN, de há muito o STJ, pela sua Primeira Seção, decidiu que créditos presumidos concedidos a título de incentivo fiscal do ICMS não compõem a base de cálculo do IRPJ/CSLL (AResp nº 1.517.492/PR).

Essas tentativas de tributação decorrem da incapacidade de o fisco interpretar corretamente o elemento material do fato gerador do imposto de renda prescrito no artigo 43 do CTN:

“Artigo 43. O imposto de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica e jurídica:

I -de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de

ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.

Resta claro que os valores de incentivos fiscais (imunidades, isenções, não incidência legalmente qualificada, redução da base de cálculo etc.) não representam rendas por não existir no caso produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos.

Nem se caracteriza proventos em forma de acréscimo patrimonial, porque esses incentivos, por si só, em nada acrescem o patrimônio da pessoa incentivada.

Mas, o fisco esquecido do princípio da tipicidade cerrada, que informa as normas de direito tributário, faz uma interpretação ampla do fato gerador da obrigação tributária, mediante emprego de noções extrajurídicas, como o fato de que os incentivos fiscais concorrem para aferição de maior receita tributária.

Ora, esse fato é completamente atípico, sendo írrito para a interpretação do fato gerador da IRPJ/CSLL.

Se assim fosse, a redução de custos operacionais mediante a utilização das modernas técnicas de produção, igualmente, deveria compor a base de cálculo do IRPJ/CSLL à medida que a aludida redução de custos propicia receita maior.

A se considerar noções extrajurídicas no exame do fato gerador, este acabará em um conceito jurídico indeterminado, prejudicando a sua função de conferir segurança jurídica no relacionamento entre o fisco e o contribuinte.

Por isso, na interpretação do fato gerador da obrigação tributária não se deve levar em conta noções extrajurídicas que infelizmente o fisco e, às vezes, a jurisprudência de nossos tribunais, não conseguem delas se livrar.

O fato gerador, submetido ao princípio da reserva legal, deve ser interpretada em seus estritos termos.

A final o § 1º, do art. 108 do CTN veda expressamente o emprego de analogia para exigência de tributo não previsto em lei.

Por sua vez dispõe o art. 110 do CTN:

“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

É unânime a doutrina e a jurisprudência de nossos tribunais que a expressão “renda e proventos de qualquer natureza”, consignada no inciso III, do art. 153 da Constituição para definir a competência impositiva da União, está a significar acréscimo patrimonial, ou seja, aquisição de riqueza nova que vem acrescer o vulto do patrimônio preexistente.

E esse acréscimo traduz-se pelo aumento nominal, e não por meio de mecanismos indiretos que propiciem acréscimo patrimonial, como a modernização do parque industrial que implique aumento de produtividade, por exemplo.

Por derradeiro, consigne-se que incluir os valores dos benefícios fiscais concedidos pelos Estados e Municípios na base de cálculo do IRPJ/CSLL como quer o fisco federal seria o mesmo que torpediar a política tributária dos entes regionais e locais, violando o pacto federativo.

E se determinar a inclusão na base de cálculo do IRPJ/CSLL do valor resultante da imunidade tributária, por exemplo, essa categoria de natureza constitucional estará sendo esvaziada por ação do fisco, o que é de todo inadmissível.

SP, 27-3-2023.

*Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.570 de 28-3-2023.

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