Na sessão do dia 26 de outubro de 2016 o Supremo Tribunal Federal julgou o RE nº 650.501/RS sob a sistemática da repercussão geral, afastando a tese sustentada pelo recorrente no sentido da existência do direito adquirido ao melhor benefício previdenciário. Com essa tese o recorrente pretendia ver reconhecido o seu direito de renunciar à aposentadoria anteriormente concedida, para aposentar-se em seguida em condições mais favoráveis.
Particularmente, entendo que o direito adquirido diz respeito a uma situação do passado e não a uma situação futura, aonde há apenas uma expectativa de direito. Em outras palavras, direito adquirido consiste na fruição dos efeitos de uma norma que não mais está em vigor em razão do dinamismo do direito, cujas leis vão se alterando ao longo do tempo para adequar-se à nova realidade social, a fim de preservar a sua legitimidade. Daí a proteção em nível de cláusula pétrea do instituto do direito adquirido, sem o qual ninguém conseguiria realizar materialmente o seu direito subjetivo tendo em vista a sucessão de alterações legislativas. Exemplo: Se um trabalhador já tinha a idade mínima de 60 anos para se aposentar, quando sobreveio lei nova ampliando a idade mínima para 70 anos, aquele trabalhador tem direito adquirido para exercer o seu direito à aposentadoria a qualquer tempo, observados os demais requisitos necessários para a obtenção do beneficio previdenciário. O que não se poderá questionar é o requisito da idade mínima, sob o pretexto da superveniência de nova lei aumentando o limite de idade.
Afastada a tese da irrenunciabilidade do ato jurídico perfeito e acabado – a aposentadoria consumada – teríamos que reconhecer a aposentadoria em duas etapas: a primeira provisória, enquanto o trabalhador continua no mercado de trabalho com vistas a uma aposentadoria posterior em substituição à primeira. Isso no meu entender está na dependência de uma lei, não cabendo ao Judiciário agir como legislador positivo.
Contudo, considerando os milhares de processos com desfechos favoráveis nas instâncias ordinárias, não é de se afastar uma segunda leitura do art. 5º, XXXVI c.c art. 60, § 4º da CF, para considerar viável juridicamente a renúncia da aposentadoria em vigor para aposentar-se novamente em condições mais favoráveis, à vista da continuidade do aposentado no mercado de trabalho pagando uma contribuição social mensalmente. O princípio da irrenunciabilidade do benefício previdenciário deve ser interpretado sempre a favor do beneficiário. Esse princípio existe para proteger o direito a benefício previdenciário do trabalhador no sentido de assegurar a sua subsistência. Se a renúncia estiver sendo feita com o fito de se obter beneficio previdenciário maior não vejo como possa invocar o princípio da irrenunciabilidade.
O certo é que esse RE nº 650.501 foi pautado no momento desfavorável da conjuntura econômica do País, particularmente, da situação deficitária da Previdência Social.
Como se sabe, o governo quer a todo custo implementar a Reforma da Previdência, evidentemente, não para aumentar os benefícios, mas para restringir os benefícios sociais ante à situação financeira deficitária da autarquia securitária – INSS. Só que nenhum governo se preocupou em levantar as causas dessa situação deficitária, tanto é que sucessivos governantes vêm prorrogando a DRU desde 1995, retirando mensalmente 30% das receitas pertencentes à Previdência Social, sem contar os milhares de fraudes perpetuadas por meio de concessão de aposentadorias e pensões às pessoas inexistentes, a exemplo da concessão de Bolsa Família a mais de 49 mil mortos e sepultados.
Enfim, é razoável supor que componentes extrajurídicos foram levados em conta no julgamento do RE nº 650.501-RS, tanto é que os jornais noticiam que essa decisão do STF contribuiu para economizar bilhões de reais aos cofres da Previdência Social. E a mídia, sempre caracterizada pela sesquipedal ignorância, cita aquela decisão da Corte Suprema como um dos relevantes serviços prestados pela Justiça para contribuir com a diminuição de gastos públicos. A mesma coisa aconteceu quando se julgou o art. 4º da EC nº 41/03 que passou a tributar os aposentados e pensionistas violando não o direito adquirido, mas o ato jurídico perfeito e acabado, pois já estavam usufruindo seus benefícios previdenciários sem novo encargo tributário, a pretexto de que o novo regime previdenciário passou a ter caráter contributivo e solidário. Ora, retributivo ou não, solidário ou não, esses aspectos extrajurídicos não têm o condão de alterar o fato gerador da contribuição social que tem ínsito um benefício específico referido ao contribuinte, sob pena de caracterizar a dupla tributação pelo imposto de renda pela percepção singela dos proventos da aposentadoria ou pensão. A Corte Suprema, entretanto, manteve essa tributação dupla por maioria de votos, conferindo ao segundo imposto de renda a denominação de contribuição social (ADI nº 3.105, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para Acórdão Min. Cezar Peluso, DJ 18-2-2005). Após o escorreito voto da Ministra Relatora, o foco da discussão foi redirecionado para a tese da inexistência de direito adquirido à imunidade. Naquela ocasião também a mídia leiga teceu comentários favoráveis à absurda tese jurídica.
No caso sob exame o componente extrajurídico pesou de forma menos intensa do que no caso da ADI 3.105 retromencionada. Como não foi pronunciada a inconstitucionalidade de norma legal, não há modulação de efeitos, cabendo à AGU examinar, caso a caso, as mais diversas situações nos processos que estavam sobrestados nos tribunais locais. Aqueles que estavam percebendo por força de liminar ou de decisão de mérito na pendência de recurso não devem ser obrigados a restituir por força da natureza alimentar dos proventos da aposentadoria. Os que estão no gozo da nova aposentadoria por força de decisão judicial transitada em julgado a decisão sob comento não poderá afetá-los em nada tendo em vista a garantia constitucional da coisa julgada assegurada em nível de cláusula pétrea.
SP 31-10-16.
* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.