desapropriação de lotes comerciais

Desapropriação de lotes comerciais para implantação de parque industrial

Desapropriação de lotes comerciais para implantação de parque industrial

CONSULTA

Consulente: Isabel da Silva Silveira

Assunto: Desapropriação dos Lotes ns. 1.656 e 1.657, da Gleba Santa Isabel encravada na Gleba nº 19, Colônia Paranavaí, Município e Comarca de Santa Isabel do Ivaí, Estado do Paraná com área de 96.800m2 ou 4 alqueires para implantação de Parque Industrial

DOS FATOS

            A Consulente relata que seu companheiro, João Pires Branco, falecido em 20/08/2016, adquiriu de Adelino Fuzo e sua esposa Jandira Piratello Fuzo, em 11/05/1981, por meio de contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel rural objetivando a venda dos lotes  sob nº 1.656, com a área de 2,00 (dois) alqueires paulistas, sem benfeitorias e – ou instalações, sito na Gleba Santa Isabel, encravado na Gleba 19, zona rural do município e comarca de Santa Isabel do Ivaí-Pr; Lotes de terras sob ns. 1.657 e 1.775, com área total de 4,00 (quatro) alqueires paulistas, ou seja 96.800,00 metros quadrados, sitos na gleba Santa Isabel, encravado na Gleba- 19, zona rural do município e comarca de Santa Isabel do Ivaí-Pr, contendo as benfeitorias e instalações descritas no citado compromisso de venda e compra. O preço certo e ajustado foi de  Cr$ 4.000.000,00 (quatro milhões de cruzeiros), em quatro vezes, a saber: a) Cr$ 500.000,00 (quinhentos mil cruzeiros), no ato de assinatura do contrato em moeda corrente do país; Cr$ 1.500.000,00 (hum milhão e quinhentos mil cruzeiros), representados por uma nota promissória com vencimento para o dia 30 de setembro de 1981; Cr$ 500.000,00 (quinhentos mil cruzeiros), representados por uma nota promissória com vencimento para o dia 30 de janeiro de 1982; Cr$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil cruzeiros), representados por uma nota promissória com vencimento para o dia 31 de maio de 1982; todas emitidas pelo comprador.

            Em 30/09/1981, o vendedor, Adelino Fuzo e sua mulher Jandira Piratello Fuzo, outorgaram procuração pública para João Pires Branco conferindo amplos poderes, para em nome dos outorgantes, vender, transferir, permutar, doar, ou por qualquer outro título e forma dispor a quem quiser pelo preço e condições que melhor convencionar, os lotes de terras sob os ns. 1.656, 1.657 e 1.775.

            O valor foi totalmente pago pelo comprador, tendo sido resgatadas as notas promissórias, entretanto,não houve a transmissão do imóvel para o comprador, por meio da lavratura da competente escritura pública, pelo que os lotes de terrenos continuam transcritos em nome do vendedor Adelino Fuzo perante o registro de imóveis local, sendo certo que o vendedor é falecido.

Relata que o atual Prefeito tentou comprar os terrenos de propriedade da Consulente, e ante a sua negativa decidiu desapropriar a área sob o fundamento de suposto interesse público, editando o Decreto de Utilidade Pública nº 095/2021, de 28-4-2021, que prevê estranhamente, em seu art. 5º, § 1º que a implantação do Distrito Industrial inclui o loteamento de áreas para venda, locação, permuta ou concessão real de uso.

Segue abaixo transcrito o Decreto nº 095/2021:

Decreto nº 095/2021, de 28 de abril de 2021

SÚMULA: “Dispõe sobre a declaração de utilidade pública para fins de desapropriação, amigável ou judicial, de imóvel particular que especifica para implantação de Distrito Industrial”.

FREONIZIO VALENTE, Excelentíssimo Senhor Prefeito, do Município de Santa Isabel do Ivaí, Estado do Paraná, no de suas atribuições legais, e,

Considerando o que preceitua o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, notadamente os seus artigos 5º e 6º, os quais regem, além dos casos expressos para declaração de utilidade pública, o ato administrativo necessário à sua declaração;

Considerando o disposto na Lei Municipal nº 1.031/2021, que autoriza a desapropriação de imóvel que específica;

Considerando a prescrição normativa descrita no artigo 5º, alínea “i”, também do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941;(grifos nossos)

Considerando o dever e a necessidade da Administração Pública, fundado na supremacia do interesse público, em incentivar a geração e ampliação de empregos e, desenvolvimento da economia local;

Considerando que o imóvel declarado de utilidade pública tem por finalidade a implantação de Distrito Industrial;

Considerando o disposto no artigo 70, inciso XI, da Lei Orgânica do Município de Santa Isabel do Ivaí/PR;

DECRETA

Art. 1º – Fica declarada de utilidade pública, para fins de desapropriação, pela via administrativa ou judicial, objetivando a implantação de Distrito Industrial, os seguintes imóveis: LOTES Nº 1.656 e 1.657, da GLEBA SANTA ISABEL – ENCRAVADA NA GLEBA 19, COLÔNIA PARANAVAÍ, MUNICÍPIO E COMARCA DE SANTA ISABEL DO IVAÍ, ESTADO DO PARANÁ, COM ÁREA DE = 96.800,00 m² (noventa e seis mil e oitocentos metros quadrados) ou 4,00 Alq. (quatro alqueires paulistas), zona rural de expansão urbana, regularmente registrado com a matrícula nº 1027 e matrícula nº 1026, respectivamente, de propriedade de direito, em nome do Espólio de Adelino Fuzzo, CPF nº: 117.753.789-34 e da propriedade de fato, em nome do Espólio de João Pires Branco, CPF sob n.º 005.700.369-68.

§1º – Os imóveis acima mencionados possuem as seguintes confrontações:…

§ 2º – Os imóveis acima mencionados foram avaliados em R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), pela Comissão de Avaliação, nomeada pela Portaria nº 004/2021 e Portaria nº 160/2021.

Art. 2º Fica desapropriado o imóvel que trata o artigo 1º deste decreto.

Art. 3º – Fica o Município expropriante, através da Secretaria municipal competente, bem como Procuradoria Jurídica, autorizados a praticarem todos os atos necessários, extrajudiciais e/ou judiciais, para imitir-se da posse do imóvel objetivando executar as providências necessárias e cabíveis para realização de infraestrutura exigida.

Art. 4º – Fica a Secretaria Municipal de Administração e os demais órgãos competentes, a tomarem às medidas necessárias e cabíveis a execução de desapropriação que trata o presente decreto, em especial, cumprir o disposto no artigo 10-A, do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941.

Art. 5º A declaração de utilidade pública estipulada nesse Decreto, objetiva a desapropriação do imóvel referido no artigo 1º para fins de implantação de um Distrito Industrial.

§ 1º A implantação do Distrito Industriai, inclui o loteamento das áreas necessárias à instalação de indústrias e atividades correlatas, bem como a alienação (venda), locação ou a concessão de direito real de uso ou permuta dos respectivos lotes, a empresas previamente qualificadas, mediante atendimento dos requisitos constantes na Lei Municipal. (grifos nossos)

§ 2º A efetivação da desapropriação para fins de implantação do Distrito Industrial depende da aprovação, prévia e expressa, pelo Poder Público competente, do respectivo projeto de implantação.

Art.6º – O imóvel indicado no artigo 1º, após os trâmites legais, incorporará ao patrimônio do Município na forma da Lei.

Art. 7º – As despesas com a execução deste Decreto correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 8º – A desapropriação a que se refere este Decreto será considerada de urgência, nos termos do art. 15 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, para efeitos de imediata emissão na posse.

Art. 9º – Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas às disposições em contrário.

Edifício da Prefeitura Municipal de Santa Isabel do Ivaí, Estado do Paraná, aos 28 dias do mês de abril do ano de 2021.

FREONIZIO VALENTE

Prefeito

Os lotes objetos de desapropriação situam-se na zona de Expansão Urbana do Município, conforme constada Lei do Plano Diretor de nº 737/2015.

            No local a Consulente vem cultivando plantação de mandioca cuja colheita deste ano está prevista para o mês de setembro.

            A Consulente, por meio de empresa especializada, realizou o projeto de loteamento dividindo o imóvel em quadras e lotes, prevendo 35% de área destinada ao poder público (espaços livres, área verde e área institucional) além da cota de 15% cabente à Prefeitura, no valor R$ 1.389.394,22. O parcelamento do solo não pode ser realizado anteriormente porque a Lei n. C/2011 constante do item 4 – Minutas de Leis Urbanísticas e Posturas -, do Plano Diretor Municipal de Santa Isabel do Ivaí, Volume III (Diretrizes e Proposições, Legislação Básica, Plano de Ação e Investimentos) prevê em seu art. 9º que “as glebas localizadas na ZONA DE EXPANSÃO – ZEX, não poderão ser parceladas antes que, pelo menos, 70,0% (setenta por cento) das áreas loteadas do Perímetro Urbano da sede municipal estejam edificadas”, o que só veio a ocorrer nos últimos dois anos.

            Mas, o Prefeito, que queria adquirir a área para si, não recebeu o projeto.

            Foi então o projeto apresentado à Câmara de Vereadores. Os vereadores examinaram o projeto, porém, estavam empenhados em aprovar o projeto legislativo de autoria do Executivo prevendo a implantação no local de um parque comercial/industrial.

            Fracassada a tentativa de compra dos lotes, o Prefeito baixou o Decreto de Utilidade Pública para fins de desapropriação, Decreto nº 95, de 28-4-2021, com suposto lastro na Lei nº 1.031/2021, de 20-4-2021, que autoriza a desapropriação dos lotes referidos, mas não aponta nem se descobre o tipo de melhoramento público a ser implantado, limitando-se a AUTORIZAR o Executivo a abrir o crédito adicional especial no importe de R$ 600.000,00, tendo como fonte o suposto superávit financeiro do exercício de 2021.

            Causou estranheza a desapropriação pretendida para implantação de Distrito industrial porque já há uma zona industrial no Município com grandes indústrias implantadas e em funcionamento, conforme se verifica dos anexos II e X do Plano Diretor da Cidade, área assinalada em COR AZUL.

            Muito sintomático que os lotes ns. 1658 e 1659, de propriedade do Vereador Cícero Caroni e de sua família, conforme comprovam as declarações de bens apresentadas ao Tribunal Regional Eleitoral, contíguos ao Parque industrial já implantado e situados na zona industrial, não foram atingidos pela desapropriação.

            E mais, os lotes nºs 1667 e 1668 de propriedade de outro Vereador, Odair Frederico, conforme consta da declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral, vizinhos aos lotes 1.658 e 1.659 que confrontam com o Parque industrial em funcionamento, igualmente situados na zona industrial, também não foram desapropriados.

            Mais estranho, ainda, é que o Município, além dessa zona industrial já implantada, possui uma área industrial localizada na margem da Estrada de Rodagem PR-576 que liga Santa Isabel do Avaí a Santa Cruz do Monte Castelo, dotada de toda infraestrutura (rede de energia, rede telefônica, rodovias para escoamento da produção), conforme consta do anexo II da Lei nº 808/2016 que alterou o Plano Diretor da Cidade assinalada em CINZA.

            Inexplicavelmente a desapropriação veio atingir os lotes da Consulente, distantes da área industrial já implantada, situadas no eixo central da cidade, fora da zona industrial e que tem vocação para áreas exclusivamente comercial e residencial, conforme se depreende do Volume III (Diretrizes e Proposições, Legislação Básica, Plano de Ação e Investimentos), do Plano Diretor Municipal de Santa Isabel do Ivaí.

            Informa, também, que não houve avaliação dos lotes por nenhum dos métodos de avaliação conhecidos no meio pericial, levantando o valor de R$ 600.000,00 por meras SUGESTÕES dos membros da “Comissão de Avaliação”, que deixaram de fora as benfeitorias existentes, bem como a plantação de mandiocas.

            Diante desses fatos pede o nosso parecer quanto à legalidade da desapropriação pretendida, juntando os documentos pertinentes e formulando quesitos ao final transcritos e respondidos.

PARECER

            A desapropriação pretendida padece de vícios formais e materiais de inconstitucionalidade, caracterizando-se como ato ilegal e abusivo, por desvio de finalidade.

            É noção elementar em direito administrativo que o desvio de finalidade só pode ser constatado pelo exame da motivação do ato atacado.

            Entretanto, o vício material consistente na inclusão de área para revenda, locação, permuta etc. pode ser de pronto constatado pelo exame de requisitos legais e constitucionais. É o que faremos.

Da ilegalidade e inconstitucionalidade da desapropriação para revenda

Como se depreende do § 1º do art. 5º do Decreto expropriatório, a desapropriação inclui áreas destinadas à revenda com suposto amparo nos arts. 4º e 5º, § 1º do Decreto-lei nº 3.365/41. O Decreto expropriatório é completamente silente na indicação do fundamento legal da desapropriação, embora conste dos “considerandos” que precedem a edição do ato expropriatório referência aos arts. 5º e 6º do Decreto-lei nº 3.365/41, bem como menção expressa ao art. 5º, letra i do estatuto básico da desapropriação. É certo, porém, que nenhum desses dispositivos mencionados nos “considerandos” estão presentes no ato declaratório de desapropriação.

            A desapropriação das zonas que se valorizarem extraordinariamente em função da execução da obra pública para fins de revendas prevista no art. 4º do Decreto lei nº 3.365/1941, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1946 e das que sucederam.

            Prescreve o citado art. 4º:

A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em consequência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destina à revenda”. (grifamos).

Por sua vez, prescreve o § 1º, do art. 5º do Decreto-lei nº 3.365/41:

“A construção ou ampliação de distritos industriais, de que trata a alínea i do caput deste artigo, inclui o loteamento das áreas necessárias à instalação de indústrias e atividades correlatas, bem como a revenda ou locação dos respectivos lotes a empresas previamente qualificadas” (parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.602, de 7-12-1908).

            É oportuno distinguir, de início, a revenda referida no art. 4º e art. 5º, § 1º do Decreto- lei nº 3.365/41, que caracteriza atividade especulativa pelo poder público, da venda ulterior que se torna necessária para consecução do interesse público motivador da desapropriação. São os casos de desapropriação de propriedade urbana que não cumpre a função social (inciso III, do § 4º, do art. 182 da CF); de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária (art. 184 da CF); e de desapropriação por interesse social para manutenção de posseiros e construção de casas populares (art. 2º, incisos IV e V da Lei nº 4.132 de 10-9-1962).

O primeiro vício formal é que o DUP sob exame não separa as áreas necessárias à implantação do parque industrial das áreas que se destinam à revenda, como manda aparte final do citado art. 4º do Decreto lei nº 3.365/41.

            O vício material consiste na não recepção desse art. 4º pela Constituição de 1946 e das que se seguiram. A partir do advento da Constituição Federal de 1946, que contemplou a contribuição de melhoria (art. 30, inciso I), o enriquecimento sem causa acarretado pela excessiva valorização diretamente decorrente da implantação de obra pública deve ser objeto de tributação por essa espécie tributária que tem por função exatamente impedir o enriquecimento ilícito. A Constituição de 1967 também prevê a contribuição de melhoria (art. 19, II), assim como a EC 01/69 (art. 18, II), bem como a Constituição de 1988 (art. 145, III). Presente o instrumento tributário adequado para tributar a mais-valia, não há como fazer o uso alternativo da desapropriação a pretexto de impedir o enriquecimento ilícito[1].Se o art. 4º não foi recepcionado pela Constituição de 1946 e pelas que se seguiram, o § 1º, do art. 5º do Decreto-lei nº 3.365/41 com muito maior razão não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1967 e Emenda nº 1/69 sob cuja égide nasceu o referido parágrafo 1º, pois a contribuição de melhoria estava prevista no art. 19, II da Constituição de 1967 e na Emenda 1/69 tinha sua previsão no art. 18, II.

            Autores que escreveram, notadamente à luz da ordem constitucional anterior à Constituição de 1946, normalmente aceitam a desapropriação para fins de revenda porque era o único instrumento legal existente para coibir o enriquecimento ilícito.

            Geraldo Ataliba sustenta que a desapropriação por zona é uma alternativa à cobrança da contribuição de melhoria. Afirma que a Constituição de 1934 previa a contribuição de melhoria em seu art. 124 e que a Constituição de 1937, sob cuja égide foi editado o Decreto-lei nº 3.365/41, previa implicitamente a referida contribuição de melhoria sob a denominação de taxa (Natureza jurídica da contribuição de melhoria. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964, p. 70).

            Com a devida vênia não há possibilidade jurídica de o legislador ordinário instituir qualquer espécie de tributo com fundamento em implícita outorga constitucional, pois esbarraria nas limitações constitucionais do poder de tributar previstas na ordem constitucional.

            Seabra Fagundes defende a desapropriação para revenda como meio de obtenção de recursos para financiar a execução de obra pública:

Agindo como termômetro compensador, o Poder Público estende a desapropriação às áreas contíguas, tornando a iniciativa de revendê-las por preço que compreenda as despesas feitas ou dando-lhes o destino mais conveniente a uma política econômica e social” (Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.949, p. 102).

            Contudo, Pontes de Miranda não admite a desapropriação para revenda porque “não há desapropriação porque o bem convenha à Fazenda Pública, porque aí se trata de interesse privado da União, Estado-membro ou de município (Tratado de Direito Privado, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971, v. 14, p. 188)

            João Mendes da Costa Filho é peremptório em afirmar que a desapropriação de zonas que se valorizam extraordinariamente em decorrência de realização do serviço e que se destina à revenda é flagrantemente inconstitucional (Propriedade – Desapropriação – Inquilinato, p. 164).

            Eurico Sodré também condena a desapropriação para revenda:

“[…] A desapropriação por maior valia traz consigo um fundo antipático eda discriminação; fazendo recair sobre alguns, as despesas de um benefício governamental, afinal, pela coletividade” (Desapropriação, 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1945, p. 89).

            Não discrepa desse entendimento Manoel de Oliveira Franco Sobrinho quando afirma:

Na revenda aparece o elemento moral que condena o lucro ou a comercialização do bem expropriado

[…]

Conflita a revenda, não obstante permissiva em algumas situações, com as condições que autorizam a desapropriação. E isso porque as hipóteses legais de desapropriação são taxativas. Admitir a revenda dentro da normalidade institucional, será mesmo que negar o princípio de que as desapropriações só se forem em favor de pessoas de direito privado, delegadas ou concessionárias de serviços público. No entanto, impossível negar que algumas situações existem, que autorizam a revenda. São aquelas situações em que, sem intenção especulativa, mas de aproveitamento coletivo, beneficiam-se certas áreas econômicas cujo aproveitamento particular se torna indispensável” (Desapropriação. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 153).

            Aliomar Baleeiro aceita com restrição a tese da desapropriação para revenda criticando-a porque obriga “o governo a um investimento enorme”, com resultados aleatórios, além de “envolver necessariamente especulação imobiliária, que exige da administração o faro comercial, o espírito de aventura e o ânimo de assumir risco, enfim, as qualidades boas e más dos que se entregam a esse gênero de negócios” (Uma introdução à ciência das finanças. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 264).

            Ora, não é dado ao Poder Público desenvolver atividade econômica senão nos casos de segurança nacional e de relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173 da CF).

            Não cabe ao Município promover especulação imobiliária vendendo ou locando terrenos que desapropriou. Se pudesse conferir tamanha faculdade discricionária o Poder Público poderia concorrer de forma desigual com a iniciativa privada na exploração da atividade de compra e venda de imóveis transformando a desapropriação, que é uma exceção, em regra.

            O desenvolvimento da atividade econômica cabe ao setor privado, sob o regime da livre iniciativa, mediante a observância do princípio da livre concorrência (art. 170, IV da CF).

Não socorre o argumento defendido por alguns autores de que a revenda visa gerar recursos para implantação do melhoramento público na área necessária desapropriada para esse fim. O exame de textos constitucionais aponta exatamente em sentido contrário. As obras públicas, bem como as desapropriações devem ser processadas pelo regime da despesa pública, vale dizer, mediante prévia autorização legislativa com fixação das respectivas despesas na Lei Orçamentária Anual (arts. 165, § 2º, e 167, I, II, V, VI e VII da CF). Essas despesas públicas têm sua fonte nas receitas públicas provenientes de receitas tributárias, de receita creditícia e de receita originária, estarão somente nos estritos limites constitucionais, o que afasta aquela proveniente de especulação imobiliária pelo Poder Público.

Até mesmo a execução de obras pelo regime de parceria público-privada – PPP – é norteada pelo regime de direito administrativo.

            A desapropriação para revenda, por envolver atividade especulativa do Poder Público, como reconhece a boa doutrina vigorante, não tem enquadramento em qualquer dos incisos do art. 5º, do Decreto lei nº 3.365/41 que enumera de forma taxativa as hipóteses de utilidade pública. O § 1º, do art. 5º enxertado pela Lei nº 6.602, de 1978, em pena vigência da contribuição de melhoria é de manifesta inconstitucionalidade.

            Outrossim, ausente o interesse público, que não se confunde com o interesse privado do Poder Público, nem com o interesse do Prefeito do Município, falece o fundamento constitucional que permite a excepcional retirada de propriedade privada (art. 5º, incisos XXII e XXIV da CF).

            Sobre o assunto, assim nos manifestamos em nossa obra:

Desapropriar área, que vai valorizar-se com a execução da obra pública, para ulterior revenda, não nos parece satisfazer ao interesse público, na espécie de utilidade pública como está no art. 4o da lei sob comento. E isso porque, na hipótese, o intuito lucrativo transparece com solar clareza. Óbvio que, no caso, inafastável o propósito de lucro por parte do Poder Público com as operações de revenda, ainda que com a finalidade de se ressarcir das despesas feitas com a obra pública. A própria doutrina de Aliomar Baleeiro reconhece que o Poder Público terá que agir como um especulador imobiliário, ter faro comercial e arcar com os riscos do empreendimento, noções próprias de atividade econômica privada.

Ora, atividade especulativa não só deixa de se constituir em caso de utilidade pública autorizadora da desapropriação, como também representa uma atividade vedada pela Carta Política.

A matéria não pode ser tratada à luz de princípios que regem o direito privado. É curioso notar que exatamente nos autores que mais acentuam o caráter público da desapropriação iremos encontrar, nessa questão, afirmativas próprias de civilistas, como a necessidade de o Poder Público ressarcir-se das despesas feitas com a obra pública, a exigência de faro comercial ou espírito aventureiro da Administração etc.” (Cf. nosso Desapropriação doutrina e prática, 11ª ed. São Paulo: Atlas: 2015, p. 97).

            O exame da jurisprudência do STF permite concluir pela inconstitucionalidade da desapropriação para revenda, conforme se verifica do Acórdão que encaixa como luva ao caso sob exame, ou seja, o RE nº 93.308, Rel. Min. Neri da Silveira, DJ de 11-10-85, em que foi anulado o decreto municipal declaratório de utilidade pública e de interesse social prevendo a desapropriação de áreas para ampliação do parque industrial do município, para doação, com a doação do lote do bem expropriado a empresas particulares para construção de conjuntos habitacionais.

Outros acórdãos mais ou menos na mesma linha: RE nº 103.878, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 25-5-87; RE nº 78.299, Rel. Min. Rodrigues Alckimin, RTJ 72/479; MS nº 19.961, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, RJT 74/314. Decisões no mesmo sentido podem ser conferidas nos julgados insertos na RTJ 72/435 e RTJ 86/236.

            A desapropriação das áreas que se valorizam extraordinariamente com a execução da obra pública para posterior revenda foi enfrentada pelo STF no RE nº 82.300-SP versando sobre as desapropriações de imóveis nos entornos das Estações de Santana e Jabaquara do Metrô na Cidade de São Paulo.

            Tratava-se de mandado de segurança impetrado para ver declarados inconstitucionais o art. 5º da Lei nº 7.259, de 8-3-1973 e o art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 7.670, de 24-11-1971, que autorizaram a EMURB proceder a desapropriação para fins de revenda, bem como questionando a constitucionalidade do art. 4º do Decreto lei nº 3.365/41 que fundamentava a desapropriação para revenda.

            Os artigos guerreados autorizavam a EMURB proceder a desapropriação de imóveis para fins de revenda visando obtenção de recursos financeiros necessários ao custeio das obras programadas. Havia uma particularidade na lei impugnada: assegurava preferência de aquisição para o expropriado por ocasião da revenda da unidade constituída no local da desapropriação.

            O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tangenciou a tese exposta na inicial e deixou de apreciar os argumentos da impetração (inconstitucionalidade do art. 4º do Decreto Lei nº 3.365/41 e dos dispositivos das leis apontadas na inicial) para fundamentar a desapropriação por utilidade pública na letra i, do art. 5º do Decreto lei nº 3.365/41: “abertura, conservação e melhoramento de vias e logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais”.

            Com tais fundamentos, o Tribunal de Justiça de São Paulo denegou a segurança ensejando a interposição do Recurso Extraordinário mencionado.

            O Relator, Ministro Rodrigues Alckimin, não vislumbrou na espécie a desapropriação para revenda, mas execução do plano de urbanização com fundamento na letra i, do art. 5º do Decreto-lei nº 3.365/41, pelo que não conheceu do recurso. Deixou de examinar o mérito da impetração.

            Entretanto, o Ministro Cunha Peixoto em seu percuciente voto, distinguindo desapropriação por utilidade pública regida pelo Decreto-lei nº 3.365/41 e a desapropriação por interesse social regida pela Lei nº 4.132/62 em que a revenda se impõe (manutenção de posseiros e construção de casa popular) abriu a divergência considerando inconstitucional a desapropriação pretendida pelo Município de São Paulo, concedendo a segurança pleiteada. Em seu erudito voto, cita a decisão da Suprema Corte Argentina que deu ganho de causa aos particulares, que se opuseram ao plano da municipalidade de Buenos Aires que pretendia abrir a Avenida de Mayo, desapropriando uma faixa superior à largura da Avenida projetada, para ulterior revenda com a finalidade de compensar as despesas feitas pelo Poder Público.

            Seguiram-se votos dos Ministros Leitão de Abreu, Xavier de Albuquerque, Bilac Pinto, Thompson Flores e Soarez Munõz que acompanharam o voto do Relator. Os Ministros Moreira Alves, Cordeiro Guerra, Antonio Neder e Djaci Falcão acompanharam o voto do Ministro Cunha Peixoto.

            Em apertada votação de seis votos a cinco foi decidido pelo não conhecimento do recurso.

            Importante consignar que os votos majoritários não examinaram o mérito da impetração, qual seja, a inconstitucionalidade da desapropriação para fins de revenda, tanto é que o recurso não foi conhecido.

            Conforme assinalado em nossa obra, é de capital importância distinguir desapropriação para revenda e desapropriação que implica venda posterior[2].

            A primeira hipótese é a prevista na parte final do art. 4º do Decreto-lei nº 3.365/41, em que o poder público age como agente explorador de imóvel perseguindo o lucro, expropriando de alguns proprietários para revenda, a fim de custear a execução do melhoramento que interessa à comunidade como um todo. Patente a violação do princípio da igualdade de todos perante a lei (art. 5º da CF).

            Na segunda hipótese, a venda pode decorrer de remanescente inaproveitável incorporado pela decisão judicial; de  excesso de área necessária por erro de medição;  de desapropriação por utilidade pública prevista na letra i, do art. 5º do DL nº 3.365/41 visando ao loteamento de terrenos para melhor utilização econômica, higiênica ou estética; de casos de desapropriação por interesse social reguladas pela Lei nº 4.132/62 que implicam necessariamente alienação posterior, tanto é que o seu art. 4º prescreve que “os bens desapropriados serão objetos de venda ou locação, a quem estiver em condições de dar-lhes a destinação social prevista”; de desapropriação urbanística do inciso III, do § 4º, do art. 182 da CF que também envolve alienação ulterior da propriedade desapropriada a quem se dispuser a conferir função social à propriedade urbana expropriada; de desapropriação de latifúndio improdutivo para fins de reforma agrária. Em todas essas hipóteses não se vislumbra intuito especulativo. A alienação se faz necessária exatamente para dar exato cumprimento ao interesse público motivador do ato expropriatório. A hipótese prevista no art. 4º do Decreto-lei nº 3.365/41 confere ao Poder Público a faculdade de promover especulação imobiliária com os imóveis desapropriados. Não tem fundamento no interesse público motivador do ato expropriatório, mas no interesse privado do Poder Público de auferir lucro com a exploração imobiliária, violando em bloco os dispositivos constitucionais concernentes à desapropriação e à ordem econômica.

São, pois, de manifesta inconstitucionalidade o art. 4º e o § 1º, do art. 5º do Decreto-lei nº 3.365/41, porque a Carta Política vigente garante o direito de propriedade (art. 5º, XXII da CF) com a ressalva de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante pagamento prévio da justa indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV da CF). Simplesmente incogitável a inserção da desapropriação para revenda no conceito de utilidade pública, tendo em vista que a exploração de atividade econômica cabe primacialmente à iniciativa privada (art. 170 da CF), sendo interditada a exploração pelo Estado da atividade econômica, com as ressalvas apenas das hipóteses do art. 173 da CF.

Vícios formais do Decreto nº 95/2021que declarou de utilidade pública os lotes da Consulente

            A primeira ilegalidade do Decreto expropriatório reside, como antes demonstrado, na falta de indicação do inciso legal autorizador da desapropriação. A desapropriação deve ser precedida de ato administrativo declarando de interesse público o bem objetivado, conhecido como ato expropriatório ou declaração expropriatória emanada da Chefia do Poder Executivo, exteriorizando a vontade da Administração de exercer o poder de desapropriar.

            Por isso, é unânime a doutrina no sentido de apontar como um dos requisitos essenciais do ato expropriatório o inciso do art.  5º do Decreto-lei nº 3.365/41 em que se funda a desapropriação pretendida. Esse art. 5º, é importante que se lembre, enumera de forma taxativa as hipóteses de desapropriação por utilidade pública. Em nenhuma de suas alíneas (alíneas a ap) faz qualquer referência a desapropriação para revenda do imóvel desapropriado. Não basta constar nos “considerandos” a indicação do art. 5º, “i” do Decreto-Lei nº 3.365/41 para suprir a formalidade exigida.

            E mais, apesar de em um dos “considerandos” que precedeu a edição do ato expropriatório referir-se à Lei de nº 1.031/2021 que autoriza a desapropriação dos lotes abrangidos no art. 1º do Decreto nº 95/2021, constata-se do exame dessa Lei que não há qualquer referência à finalidade de Implantação do Distrito Industrial a que alude o caput do art. 5º do Decreto expropriatório. Isso equivale a dizer que o Decreto nº 95/2021 não tem apoio na Lei de Melhoramento Público na qual deve fundar-se o ato expropriatório. A figura do Decreto autônomo não é reconhecida no ordenamento jurídico, ressalvadas apenas as duas hipóteses das letras a e b do inciso VI, do art. 84 da CF.

            Daí a nulidade do Decreto nº 95/2021 por ausência de elemento essencial e por não ter amparo na competente Lei de Melhoramento que tenha aprovado a implantação de Distrito Industrial no Município.

Outrossim, a desapropriação por utilidade pública ou por interesse social que excepciona do direito de propriedade previsto no inciso XXII do art. 5º da CF só pode se dar mediante o pagamento prévio da justa indenização em dinheiro, conforme inciso XXIV do art. 5º da CF:

XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta constituição.” 

            Daí a imprescindibilidade que na Declaração de Utilidade Pública conste, além da descrição da área desapropriada e a finalidade da desapropriação com indicação do inciso legal respectivo, a expressa indicação da verba consignada no Orçamento Anual em curso para a garantia do justo preço a ser pago previamente.

            Ora, o DUP sob exame, em seu art. 7º, limita-se a prescrever que “as despesas com execução deste Decreto correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário”.

            O Decreto não aponta, nem se descobre onde estariam os R$ 600.000,00 resultado de avaliação administrativa dos lotes expropriados e referidos no § 2º, do art. 1º do Decreto.

A Lei nº 1.031, de 20-4-2021, referida no Decreto de Desapropriação, sequer menciona a destinação a ser conferida às áreas a serem desapropriadas e limita-se a autorizar o Executivo a proceder à abertura de crédito adicional especial no montante de R$ 600.000,00, tendo como fonte o superávit financeiro do exercício. Pergunta-se, que superávit financeiro?

            Uma mera previsão in abstrato da obtenção futura de recursos após encerrado o exercício de 2021. Realmente, o art. 40, § 1º, inciso I da Lei nº 4.320/1964, aplicável em âmbito nacional, prevê a possibilidade de abertura de crédito adicional especial com o superávit financeiro do exercício anterior, e não com o superávit financeiro do exercício em curso, o que somente poderia verificar-se no final do exercício, em 31-12-2021, isto é, depois de consumada a desapropriação, invertendo-se a cronologia dos fatos.

            Padece, pois, de vício formal por omissão de requisito essencial assegurador do cumprimento do preceito constitucional do justo preço.

            Outrossim, a “avaliação” levada a efeito de forma unilateral em que não se observou a nenhum dos métodos de avaliação conhecidos no meio pericial não se presta à imissão provisória pretendida no art. 8º do DUP.

            O STJ, em incidente de uniformização, decidiu que “A imissão provisória em imóvel desapropriado somente é possível mediante prévio depósito de valor apurado em avaliação judicial provisória” (REsp nº 19.647-SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 1-8-1994).

            Assim, o art. 15 e § 1º do Decreto-lei nº 3.365/41, que permite a imissão provisória mediante depósito da quantia arbitrada pelo juiz ou mediante depósito do valor cadastral do imóvel, deve merecer interpretação conforme com o texto constitucional do pagamento prévio da justa indenização, sem estar limitada à questão da transferência do domínio, pois para o expropriado tanto faz perder a posse a título provisório ou a título definitivo, devido ao caráter irreversível da desapropriação. Com a imissão provisória o expropriado perde definitivamente a disponibilidade do imóvel desapropriado, surgindo a justa e prévia indenização como consequência dessa perda definitiva rotulada de “provisória”.

            Dessa forma, cabe ao juiz nomear perito judicial para apresentar o laudo provisório consignando o justo valor dos lotes expropriados, deferindo-se a imissão provisória apenas após a complementação do depósito da diferença.

Desvio de finalidade

            O Decreto nº 95/2021 é ainda nulo de pleno direito por desvio de finalidade, caracterizador do ato de improbidade administrativa, conforme art. 11, I da Lei nº 8.429/92:

Art. 11.Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, enotadamente:

I– praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

            A pena para a transgressão desse preceito legal é a perda da função pública e suspensão de direitos políticos de três a cinco anos (art. 12, III da Lei nº 8.429/92).

            É pacifico na doutrina do direito administrativo que o desvio de finalidade é detectado pelo exame da motivação do ato praticado pelo agente público.

            Demonstraremos, cabalmente, esse desvio de finalidade pelo exame da motivação como segue:

a) Pelo art. 1º do Decreto 95/2021 os lotes 1.656 e 1.657 da gleba 19 de propriedade da Consulente foram de utilidade pública para fins de desapropriação objetivando a IMPLANTAÇÃO DE DISTRITO INDUSTRIAL.

b) Ocorre que o Município já possui a zona industrial cravada à margem da Estrada de Rodagem PR-576 que liga Santa Isabel do Avaí a Santa Cruz do Monte Castelo, dotada de toda infraestrutura (rede de energia elétrica, rede telefônica, rodovias para escoamento de produção), conforme consta do croqui representado pelo Anexo II da Lei nº 808/2016 que alterou o Plano Diretor da Cidade, assinalado em cor cinza. O Município nunca implantou o parque industrial no local.

c) Não bastasse isso, o Município de Santa Isabel do Ivaí possui distrito industrial em pleno funcionamento, com instalação de indústrias de porte, conforme croquis representados por Anexos II e X do Plano Diretor da Cidade, assinalado em COR AZUL.

d) Os lotes ns. 1.667 e 1668, situados na ZONA INDUSTRIAL, de propriedade do Vereador Odair Frederico, apesar de contíguos ao Parque Industrial já implantado, não foram atingidos pelo ato expropriatório firmado pelo Sr. Prefeito.

e) Igualmente, os lotes ns. 1658 e 1659, de propriedade do Vereador Cícero Caroni e sua família, contíguos aos lotes ns 1667 e 1668 de propriedade do Vereador Odair Frederico, confrontantes com o parque industrial, referidos na letra “d”, igualmente não foram desapropriados.

f) O Decreto expropriatório veio recair exatamente sobre os lotes ns. 1656 e 1657 de propriedade da Consulente, que são lotes situados FORA DA ZONA INDUSTRAL, distantes do Distrito Industrial em operação e que se acham localizados no eixo central da Cidade e que têm vocação para área exclusivamente comercial e residencial. Afinal, observando o Anexo X do Plano Diretor que contempla o mapa de zoneamento da Cidade, verificamos que o lote nº 1657 está contido na Zona de Comércio Central – ZCC ou ZC1, devendo ser utilizado preferencialmente para comércio e residência, conforme se depreende do Volume III (Diretrizes e Proposições, Legislação Básica, Plano de Ação e Investimento) do Plano Diretor Municipal de Santa Isabel do Ivaí., cujos trechos seguem abaixo transcritos

3.1.2.2 Uso do Solo

…..

O uso comercial foi dividido em uma Zona de Comércio Central – ZC1 e uma Zona de Comércio Setorial – ZC2. A ZC1 é constituída pelo comércio e serviços de características centrais e pelas atividades de animação, sendo delimitada pelo conjunto de lotes de ambos os lados da Avenida Gustavo Brigagão e pelo quadrilátero compreendido pelos lotes lindeiros externamente às ruas Barão do Rio Branco e José Bonifácio desde a Avenida Nilo Peçanha até a Rua Arthur Bernardes. A ZC2, situada ao longo do alinhamento do lado sudoeste da Avenida Nilo Peçanha (eixo rodoviário PR-182/PR-218/PR-576), visa a abrigar preferencialmente atividades de comércio atacadista e de comércio e serviços setoriais, em especial aqueles ligados ou de apoio ao setor agropecuário e ao transporte rodoviário, além de pequenas indústrias não incômodas nem nocivas ou perigosas. A ZC1 abrange 17,4ha e a ZC2 perfaz 7,5ha, somando um total de 24,9ha para o uso comercial na Cidade, representando 6,2% dos 402,0ha da área urbana total do Município. Considera-se Zona Especial – ZE aquela destinada à manutenção de padrões urbanísticos específicos, constituída por áreas onde ocorrem atividades, funções ou usos urbanos de caráter excepcional, tais como Paço Municipal, Cemitério Municipal, Terminal Rodoviário ou Câmara Municipal, a qual soma 14,4ha, correspondendo a 3,6% da área urbana total de 402,0ha. Quanto ao uso industrial, o mesmo será permitido na área situada de ambos os lados da Avenida Duque de Caxias, junto à divisa sudoeste do quadro urbano, a qual será denominada Zona Industrial Um – ZI1, perfazendo um total de 8,0ha, que equivale a 2,0% da área urbana total. Nessa Zona os usos de comércio e serviços serão permissíveis, principalmente o comércio por atacado, os armazéns e os serviços de apoio ao setor industrial, sendo proibido o uso residencial. Além dessa área, está prevista uma superfície de 31,4ha para o uso industrial na Macrozona Urbana de Expansão, com o que o mesmo passará a abranger um total de 39,4ha na cidade, correspondendo a 9,8% do total, que se julga suficiente para abrigar esse uso no horizonte de 10 anos do presente Plano Diretor. O uso residencial será permitido em três zonas na Cidade: na ZC1 é previsto com ocupação unifamiliar, bifamiliar ou multifamiliar de média densidade; na Zona Residencial Um – ZR1 envolve duas localizações, sendo ambas com uso predominantemente residencial e ocupação unifamiliar e bifamiliar de baixa densidade; e na Zona Especial de Interesse Social – ZEIS, destinada a abrigar programas de regulamentação fundiária e complementação de infraestrutura em áreas com carências sociais, bem como a receber novos conjuntos habitacionais de interesse social, a qual também será de uso predominantemente residencial, mas com ocupação unifamiliar, bifamiliar e multifamiliar de baixa-média densidade. O uso residencial será permissível na ZC2, com ocupação unifamiliar e bifamiliar de baixa densidade, e proibido na zona industrial.”(grifamos)

No item 4 desse mesmo documento, denominado Minutas de Lei Urbanísticas e de Posturas, consta a Lei n. C/2011 que assim prescreve em seu art. 7º:

“Art. 7°. Para efeito desta Lei, a área do Município fica subdividida nas seguintes zonas: I – ZONA DE COMÉRCIO CENTRAL – ZC1, destinada predominantemente ao uso de comércio e serviços centrais e vicinais, às atividades de animação, com ocupação residencial multifamiliar de média densidade, permissível a ocupação residencial unifamiliar e bifamiliar de baixa densidade;

II – ZONA DE COMÉRCIO SETORIAL – ZC2, destinada predominantemente aos usos de comércio e serviços setoriais, voltados principalmente ao transporte rodoviário, e ao uso industrial, permissível o uso residencial com ocupação unifamiliar e bifamiliar de baixa densidade;

. III – ZONA ESPECIAL – ZE… .

IV – ZONA INDUSTRIAL – ZI1, destinada a abrigar indústrias, em caráter exclusivo;

V – ZONA RESIDENCIAL UM – ZR1 …

VI – ZONA DE EXPANSÃO – ZEX, destinada a indicar à população e aos investidores privados o sentido preferencial de crescimento da Cidade no futuro;”

            Os fatos narrados sequencialmente e documentalmente comprovados demonstram claramente a violação de regras elementares da lógica e do bom senso, afrontando o princípio da razoabilidade que se coloca como um limite à ação do próprio legislador.

            Não fez sentido algum, a pretexto de expandir o parque industrial, deixar de desapropriar quatro lotes contíguos, todos localizados no perímetro abrangido pela ZONA INDUSTRIAL, para alcançar dois lotes situados fora dessa zona industrial.

            Entre o Distrito Industrial já implantado e o novo parque industrial pretendido pela Prefeitura ficariam quatro lotes intercalados, com área aproximada de 8 alqueires. Os lotes ns 1667 e 1668, contíguos ao parque industrial implantado, de propriedade do Vereador Odair Frederico, estão sendo parcelados, e comercializados os lotes resultantes desse parcelamento.

            Trata-se, na verdade, de desapropriação dirigida, que nada tem a ver com a implantação de Distrito Industrial formalmente consignado no Decreto expropriatório. A real finalidade é a de apossar-se dos lotes da Consulente por não ter logrado êxito na tentativa de uma aquisição. Tudo indica ser uma “desapropriação” montada pelo Chefe do Executivo.

            É inconcebível e impensável cogitar-se de uma expansão do parque industrial do Município deixando de desapropriar lotes contíguos situados na ZONA INDUSTRIAL para atingir outros lotes localizados FORA DA ZONA INDUSTRIAL, vocacionados para atividades comerciais e habitacionais.

Por isso, a Prefeitura não se preocupou em apresentar os Estudos de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) necessários para obra dessa magnitude, nem os Estudos de Impacto de Vizinhança (EIV) que seriam necessários para a implantação real do Distrito Industrial, que na verdade, deveria ser mero prolongamento do que já existe.

Fica, pois, cabalmente demonstrado o desvio de finalidade que acarreta a nulidade do decreto expropriatório.

Quesitos e respostas

1. Pelo exame do Decreto nº 95/2021 e à luz da documentação oferecida, a desapropriação dos lotes da Consulente é legal? Atende aos preceitos constitucionais e legais?

R. O Decreto expropriatório de nº 95/2021 está eivado de vícios de inconstitucionalidade material e formal ao pretender desapropriar áreas mais do que necessárias à implantação do Distrito Industrial, para incluir áreas destinadas à revenda, locação e permuta para promover especulação imobiliária.

Viola o princípio constitucional que garante o direito de propriedade (art. 5º, XXII da CF), promovendo desapropriação sem enquadramento no art. 5º do Decreto-lei nº 3.365/41. A desapropriação, como exceção à regra da garantia da propriedade privada, há de observar as hipóteses constitucionais de desapropriação e promovidas de acordo com a legislação ordinária válida.

Afronta o princípio da livre iniciativa previsto no art. 170 da CF e viola o art. 173 da CF ao pretender exercer atividade econômica fora das balizas previstas nesse dispositivo.

Afronta o próprio art. 4º do Decreto-lei, por sinal, não recepcionado pela Constituição de 1946 e das que se seguiram até a Constituição de 1988, ao deixar de separar a área destina à revenda daquela necessária à implantação do Distrito Industrial.Com muito maior razão não foi recepcionado pela ordem constitucional então vigente o § 1º, do art. 5º do Decreto-lei nº 3.365/41, acrescido pela Lei nº 6.602/1978, conforme demonstrado no corpo deste parecer.

O Decreto nº 95/2021 padece, ainda, do vício de desvio de finalidade, por pretender desapropriar lotes situados FORA DA ZONA INDUSTRIAL distantes do atual Parque Industrial implantado, deixando de desapropriar lotes CONTÍGUOS ao Parque Industrial situados na ZONA INDUSTRIAL, como demonstrado no corpo do parecer. Viola regras elementares da lógica e do bom senso ofendendo, às escâncaras, o princípio da razoabilidade que representa um limite à ação do próprio legislador.

2. Considerando que a desapropriação deve obedecer ao princípio constitucional da justa e prévia indenização em dinheiro, pergunta-se: o Decreto expropriatório precisa comprovar a existência de recurso financeiros para desapropriar?

R: De fato, o inciso XXIV do art. 5º da CF exige o pagamento prévio da justa indenização em dinheiro. Como corolário desse preceito constitucional, o Decreto expropriatório precisa apontar, expressa e concretamente, a dotação orçamentária existente no valor preconizado no ato expropriatório (R$ 600.000,00).

            No entanto, o Decreto é completamente omisso a esse respeito.

            A Lei nº 1.031, de 20-4-2021, que autoriza desapropriar os lotes da Consulente sequer menciona a destinação a ser conferida às áreas a serem desapropriadas e limita-se a autorizar o Executivo a proceder à abertura de crédito adicional especial no montante de R$ 600.000,00, tendo como fonte o superávit financeiro do exercício.

            Uma mera previsão in abstrato da obtenção futura de recursos após encerrado o exercício de 2021. Realmente, o art. 40, § 1º, inciso I da Lei nº 4.320/1964, aplicável em âmbito nacional, prevê a possibilidade de abertura de crédito adicional especial com o superávit financeiro do exercício anterior, e não com o superávit financeiro do exercício em curso, o que somente poderia verificar-se no final do exercício, em 31-12-2021.

            E essa delegação legislativa afronta ao princípio da legalidade das despesas, ao abrir mão de matéria sob reserva de lei, consoante previsão do art. 167, V da CF:

Art. 167. São vedados:

[…]

V- a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes”.

            O Decreto sob exame não satisfaz os requisitos constitucionais e legais por falta de previsão de recursos financeiros no Orçamento Anual de 2021.

3. Se a desapropriação for ilegal e inconstitucional qual ou quais as medidas cabíveis para resguardar os direitos da Consulente?

R: Poderá ser impetrado mandado de segurança contra ato do Sr. Prefeito para ver reconhecida a inconstitucionalidade e nulidade do ato expropriatório exteriorizado no Decreto nº 95/2021.

            Para resguardar a avaliação das benfeitorias e da plantação de mandiocas não levada em conta no laudo avaliatório unilateral do Executivo Municipal, poderá ser requerida a ação para vistoriar e antecipar as provas procedendo-se a avaliação das benfeitorias e da plantação que restarão prejudicadas com a imissão provisória.

            É o nosso parecer, smj.

São Paulo, 19 de maio de 2021.


[1] Na verdade, há um equívoco na doutrina ao fundamentar a contribuição de melhoria na teoria do enriquecimento ilícito. A valorização do imóvel decorrente de execução de obra pública não envolve qualquer ato ilícito praticado pelo proprietário de imóvel. O real fundamento da contribuição de melhoria repousa no princípio da isonomia (art. 5º da CF) que faz com que aquele que sofreu a valorização decorrente da obra pública executada com os recursos da sociedade em geral arque com o tributo que se reverterá a favor da sociedade como um todo.

[2] Cf. nosso Desapropriação Doutrina e Prática, 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 92-93.

Relacionados