Desapropriação pelo Estado do Rio de Janeiro de Imóvel de propriedade da União

Consulente: Refinaria de Petróleos de Manguinhos S.A.

Assunto: Desapropriação pelo Estado do Rio de Janeiro de imóvel de propriedade da União e do domínio útil conferido à consulente.

Sumário: 1. Consulta. 2. Exame da Declaração de Utilidade Pública e de Interesse Social. 2.1 Da desapropriação de imóvel de propriedade da União. 2.2 Da desapropriação de bens de empresa que desenvolve atividade autorizada pelo governo federal. 2.3 Exame das hipóteses de utilidade pública e de interesse social previstos na DUP. 2.4 Ausência de previsão orçamentária. 3. Respostas aos quesitos.

1. CONSULTA

A consulente vem desenvolvendo a atividade de Refinaria de Petróleo no imóvel de propriedade da União, situado na Av. Brasil, nº 3.141, no Município do Rio de Janeiro, na qualidade de titular do domínio do referido imóvel conferido pela sua proprietária. De fato, por meio do Decreto nº 9.893, de 16-9-1946, o Governo Federal concedeu a Drault Ernani de Melo e Silva, como fundador da sociedade anônima denominada Refinaria de Petróleos do Distrito Federal S.A, o aforamento do terreno onde se localiza o estabelecimento industrial da consulente, mediante o pagamento do foro anual de CR$ 31.410.000,00 (trinta e um milhões e quatrocentos e dez mil cruzeiros), com a finalidade específica de incorporar o seu domínio útil ao patrimônio da Refinaria de Petróleos do Distrito Federal S.A, hoje, Refinaria de Petróleos de Manguinhos S.A.

Por intermédio da Autorização ANP nº 1, de 2-2-1998, publicada no DOU de 3.2.1998, a Agência Nacional do Petróleo ratificou a titularidade e os direitos da Refinaria de Petróleos de Manguinhos S.A, referentes às instalações de refino e autorizou essa mesma empresa, a ora consulente, a continuar operando as referidas instalações, de acordo com os regimes operativos atualmente previstos, respeitados os padrões ambientais e de segurança em vigor.

Acontece que o governo do Estado do Rio de Janeiro editou em outubro deste ano o Decreto nº 43.892, de 15 de outubro de 2012, declarando de utilidade pública e de interesse social para fins de desapropriação o prédio onde se localiza o estabelecimento industrial da consulente e o respectivo terreno de propriedade da União.

Para clareza transcrevemos a íntegra do referido Decreto:

“DECRETO Nº 43.892 DE 15 DE OUTUBRO DE 2012

DECLARA DE UTILIDADE PÚBLICA E DE INTERESSE SOCIAL, PARA FINS DE DESAPROPRIAÇÃO, O IMÓVEL QUE MENCIONA, SITUADO NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, em especial a conferida pelo art. 6º do Decreto-Lei Federal nº 3.365, de 21 de junho de 1941, tendo em vista o que consta dos autos do processo administrativo nº E-14/6447/2011,

DECRETA:

Art. 1º – Com fundamento no art. 5º, letras e, i, h e m do Decreto-Lei Federal nº 3.365, de 21 de junho de 1941 e no art. 2º, inciso V, da Lei Federal nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, fica declarado de utilidade pública e interesse social, para fins de desapropriação, o imóvel abaixo descrito:

“prédio situado na Avenida Brasil, nº 3.141 (domínio útil) e respectivo terreno situado na Enseada de Manguinhos, conforme descrito e caracterizado na matrícula nº 70.269-A do 6º Ofício do Registro de Imóveis do Rio de Janeiro.”

Art. 2º – Fica autorizada a alegação de urgência no processo judicial de desapropriação, para fins de imissão provisória na posse do bem a ser expropriado.

Art. 3º – Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as demais disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2012.

Sérgio Cabral”

Ante esse fato a consulente, exibindo-nos os documentos referidos na consulta, pede o nosso parecer acerca da legalidade dessa desapropriação pretendida pelo Estado, formulando os seguintes quesitos:

O Estado do Rio de Janeiro pode desapropriar o terreno da União?

O Estado do Rio de Janeiro pode desapropriar o prédio da consulente e o domínio útil da terra de que é titular, sem autorização do Presidente da República?

Pede-se fazer outras considerações pertinentes acerca da validade jurídica do ato expropriatório.

Em face das respostas dadas aos quesitos anteriores qual a medida processual adequada para impedir a desapropriação pretendida pelo Estado do Rio de Janeiro?

PARECER

2. Exame da Declaração de Utilidade Pública e de Interesse Social

Nesse tópico examinaremos a possibilidade jurídica ou não de o Estado desapropriar bens da União, bens de empresa que desenvolve atividade econômica com autorização específica do governo federal, bem como as hipóteses legais de desapropriação e a questão da previsão orçamentária para a desapropriação.

2.1 Da desapropriação de imóvel da propriedade de União

Conforme se verifica dos termos do Decreto nº 9.893, de 16-9-1946, que concedeu o aforamento do imóvel para ser incorporado ao patrimônio da consulente, o local de desapropriação constitui-se em terreno de marinha de propriedade de União (art. 20, VII da CF).

Em tese, a desapropriação de bens públicos é possível ao teor do art. 2º e § 2º do Decreto-lei nº 3.365 de 21-6-1941, estatuto básico da desapropriação.

Prescrevem os referidos preceitos:

“Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados, pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

…………………………………………………………………………………………………………………

§ 2º Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa”.

O caput do art. 2º, do Decreto-lei nº 3.365/41 inclui dentre bens suscetíveis de desapropriação “todos os bens”, expressão que autoriza expropriação de bens privados e públicos de qualquer espécie, como de resto expresso está no seu § 2º a seguir examinado.

Da leitura desse § 2º depreende-se que o poder expropriatório da União é amplo, pois pode desapropriar bens dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Os Estados só podem desapropriar bens dos Municípios.

Na vigência da Constituição de 1946 costumava-se invocar os poderes implícitos da União para justificar a subsistência da isenção de impostos federais, estaduais e municipais outorgada pelo Decreto-lei nº 2.281, de 5-10-1940, a favor das empresas de energia elétrica. A Constituição Federal de 1967, por sua vez, previa o poder da União de intervir nos Estados que adotassem medidas ou executassem planos econômicos ou financeiros, contrariando diretrizes estabelecidas em lei federal (art. 10, inciso V, c da CF/67), bem como o poder isentar impostos estaduais e municipais (art. 20, § 2º da CF/67). Essas faculdades restaram mantidas pela Ementa nº 1/69. Mas, essas disposições não foram reproduzidas pela Constituição de 1988.

Por isso, nem todos os autores concordam com a gradação estabelecida naquele § 2º por atentatória ao princípio da paridade jurídica entre as entidades políticas componentes da Federação Brasileira que resulta do exame dos arts. 1º e 18 da Constituição Federal.

Entretanto, a gradação aí estabelecida guarda harmonia com o princípio federativo da autonomia dos entes políticos regionais e locais, como adiante veremos. A repulsa dos doutrinadores à gradação legal resulta do fato de uma parte dos doutrinadores favoráveis à gradação estabelecida pela lei de regência da desapropriação, fundarem essas conclusões na superioridade jurídica da União no quadro federativo quando se referem a “entidades maiores e entidades menores, ou entes superiores e entes inferiores.” Contudo, leitura atenta dos trechos desses autores, mais adiante transcritos, permite concluir que estão se referindo à hierarquia política do regime federativo.

De fato, não existe na Federação Brasileira entes políticos juridicamente superiores ou inferiores, ou entes políticos maiores ou menores.

Cada entidade política extrai diretamente da Constituição Federal as suas respectivas competências legislativas, fato que torna inadmissível a idéia de hierarquia entre elas.

Contudo, não há como negar que o interesse nacional, representado pela União por ser mais abrangente, pois lhe cabe representar a Federação Brasileira nas relações com os Estados Estrangeiros (art. 21, I da CF), paira acima dos interesses regionais ou locais, da mesma forma que o interesse regional deve prevalecer sobre o interesse local.

Daí ser possível concluir pela existência do poder implícito da União que conduz à compatibilização da gradação estabelecida no § 2º, do art. 2º da lei de desapropriação com a ordem constitucional vigente.

O que não é possível é fundamentar aquela gradação legal na superioridade jurídica da União enquanto componente da Federação. Aquela gradação funda-se exatamente no princípio federativo da convivência harmônica dos entes que compõem a Federação Brasileira, a exemplo da imunidade recíproca de impostos para prevenir atritos entre as entidades políticas.

Dessa forma, a gradação estabelecida pelo § 2º, do art. 2º é indispensável para a convivência harmônica da União, Estados e Municípios a menos que se entenda proibida pela Constituição Federal a desapropriação de bens públicos.

De qualquer forma, o dispositivo sob análise exige autorização legislativa sem a qual a desapropriação de qualquer bem público não será possível.

Essa autorização legislativa visa afastar eventual arbítrio da Chefia do Executivo viciando o ato declaratório de interesse público.

Eurico Sodré admite a possibilidade de a autorização legislativa de que cuida a parte final do § 2º, do art. 2º da lei permitir a inversão da escala aí prevista.[1]

Sobre o assunto assim nos manifestamos:

“Não nos parece possível tal interpretação, por implicar inversão literal de seu texto, além de repugnar, no dizer de Seabra. Fagundes, a “hierarquia política do regime”.[2] Talvez pudesse defender, com base no texto constitucional, a idéia de que no confronto de interesse primário do Estado membro com o interesse meramente patrimonial da União, por exemplo, pudesse predominar o interesse público estadual. Entretanto, essa tese, de difícil sustentação no Judiciário, não poderia ter matriz no § 2º sob exame.”[3]

O certo é que a gradação legal estabelecida no dispositivo sob exame mereceu a concordância dos principais autores de Direito Administrativo consoante manifestações abaixo:

Odete Medauar a respeito da matéria assim se posicionara:

No Brasil sabe-se que a União atua tendo em vista o interesse público de caráter nacional, enquanto que os Estados membros buscam atender o interesse público de caráter regional; o Município zela por matérias de interesse estritamente local; portanto, possível se apresenta a desapropriação de bem público do Estado membro pela União, pois o interesse nacional deve ter primazia sobre o interesse público de âmbito regional; a União e os Estados–membros podem desapropriar bens públicos do município, dada a maior amplitude do interesse público de que são guardiões. Esta é a linha de solução adotada no Dec.–lei nº 3.365/41, art. 2º, § 2º, exigindo, em qualquer caso, prévia autorização legislativa ao ato expropriatório”.[4]

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, ensina que “sujeito passivo da desapropriação é o expropriado, que pode ser pessoa física ou jurídica, pública ou privada. Quando às pessoas jurídicas públicas, deve ser observada a norma do artigo 2º, §2º, do Decreto-lei nº. 3.365/41[5].

Helly Lopes Meirelles sustenta que “os bens públicos são passíveis de desapropriação pelas entidades estatais superiores desde que haja autorização legislativa para o ato expropriatório e se observe a hierarquia política entre estas entidades. Admite-se, assim, a expropriação na ordem decrescente, sendo vedada a ascendente, razão pela qual a União pode desapropriar bens de qualquer entidade estatal; os Estados-membros e Territórios podem desapropriar os de seus Municípios; os Municípios não podem desapropriar os de nenhuma entidade política.”[6]

Edimur Ferreira de Faria, também, caminha na mesma direção quando afirma serem “expropriáveis os bens móveis e imóveis, materiais e imateriais, corpóreos e incorpóreos, pertencentes ao particular, pessoa física ou jurídica, e pertencentes às entidades públicas, exceto dos de propriedade da União”, para, mais adiante, asseverar que “o §2º do art. 2º do Decreto-lei nº. 3.365/41 prescreve que a União pode desapropriar bens de domínio dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios. O mesmo dispositivo estatui que os Estados não podem desapropriar bens da União nem de outros Estados-membros, mas lhe é facultado desapropriar bens dos Municípios integrantes do seu território. O Município está, naturalmente, impedido de desapropriar bens pertencentes a outro Município.” [7]

Para Diógenes Gasparini “obedecida determinada ordem e atendida certa exigência, os bens públicos móveis e imóveis de qualquer categoria (uso comum do povo, uso especial e bens dominicais), podem ser desapropriados. Com efeito, nos termos do §2º do art. 2º da Lei Geral das Desapropriações, a União pode desapropriar bens dos Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal, e os Estados podem desapropriar bens dos respectivos Municípios. Assim, para a desapropriação de bens públicos, há de ser observada a ordem hierárquica, isto é, a entidade de hierarquia maior pode desapropriar bens e direitos das entidades de hierarquia menor. A recíproca, ou seja, a desapropriação de bens de entidades de hierarquia maior por entidade de hierarquia menor, está vedada por esta lei.” [8]

Finalmente, Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece que “bens públicos podem ser desapropriados, nas seguintes condições e forma: a União poderá desapropriar bens dos Estados, Municípios e Territórios; os Estados e Territórios poderão expropriar bens de Municípios. Já, as recíprocas não são verdadeiras. Sobremais, há necessidade de autorização legislativa do poder expropriante para que se realizem tais desapropriações”[9]

A jurisprudência do STF sob a égide da Constituição Federal de 1988 proclamou a impossibilidade de inversão da gradação prevista no § 2º, do art. 2º, conforme ementa abaixo:

“DESAPROPRIAÇÃO, POR ESTADO, DE BEM DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA FEDERAL QUE EXPLORA SERVIÇO PÚBLICO PRIVATIVO DA UNIÃO.

A União pode desapropriar bens dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios de dos territórios e os Estados, dos Municípios, sempre com a autorização legislativa específica. A lei estabeleceu uma gradação de poder entre os sujeitos ativos da desapropriação, de modo a prevalecer o ato da pessoa jurídica de mais alta categoria, segundo o interesse de que cuida: o interesse nacional, representado pela União, prevalece sobre o regional, interpretado pelo Estado, e este sobre o local, ligado ao Município, não havendo reversão ascendente; os Estados e o Distrito Federal não podem desapropriar bens da União, nem os Municípios, bens dos Estados ou da União, Decreto-lei n. 3.365/41, art 2., par.2.

Pelo mesmo princípio, em relação a bens particulares, a desapropriação pelo Estado prevalece sobre a do Município, e da União sobre a deste e daquele, em se tratando do mesmo bem.

Doutrina e jurisprudência antigas e coerentes. Precedentes do STF: RE 20.149, MS 11.075, RE 115.665, RE 111.079.

Competindo a União, e só a ela, explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os portos marítimos, fluviais e lacustres, art. 21, XII, f, da CF, esta caracterizada a natureza pública do serviço de docas.

A Companhia Docas do Rio de Janeiro, sociedade de economia mista federal, incumbida de explorar o serviço portuário em regime de exclusividade, não pode ter bem desapropriado pelo Estado.

Inexistência, no caso, de autorização legislativa.

A norma do art. 173, par.1., da Constituição aplica-se as entidades públicas que exercem atividade econômica em regime de concorrência, não tendo aplicação as sociedades de economia mista ou empresas públicas que, embora exercendo atividade econômica, gozam de exclusividade.

O dispositivo constitucional não alcança, com maior razão, sociedade de economia mista federal que explora serviço público, reservado a União.

O artigo 173, par. 1., nada tem a ver com a desapropriabilidade ou indesapropriabilidade de bens de empresas públicas ou sociedades de economia mista; seu endereço e outro; visa a assegurar a livre concorrência, de modo que as entidades públicas que exercem ou venham a exercer atividade econômica não se beneficiem de tratamento privilegiado em relação a entidades privadas que se dediquem a atividade econômica na mesma área ou em área semelhante. 10. O disposto no par.2., do mesmo art. 173, completa o disposto no par.1., ao prescrever que “as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos as do setor privado”. 11. Se o serviço de docas fosse confiado, por concessão, a uma empresa privada, seus bens não poderiam ser desapropriados por Estado sem autorização do Presidente da República, Súmula 157 e Decreto-lei n. 856/69; não seria razoável que imóvel de sociedade de economia mista federal, incumbida de executar serviço público da União, em regime de exclusividade, não merecesse tratamento legal semelhante. 12. Não se questiona se o Estado pode desapropriar bem de sociedade de economia mista federal que não esteja afeto ao serviço. Imóvel situado no caís do Rio de Janeiro se presume integrado no serviço portuário que, de resto, não é estático, e a serviço da sociedade, cuja duração e indeterminada, como o próprio serviço de que esta investida. 13. RE não conhecido. Voto vencido. (RE nº 172816/RJ, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 13-5-1994).

Concluindo, a gradação estabelecida na lei de regência da desapropriação foi recepcionada pela Constituição de 1988.

Ainda que se argumente com a inconstitucionalidade da desapropriação de bens dos Estados e dos Municípios pela União, só para argumentar, esse posicionamento em nada altera a situação de consulente, pois com maior razão seria inconstitucional a desapropriação pelo Estado de bem da União, com a inversão da hierarquia do regime político adotado pela Carta Magna.

Por fim, ainda que possível fosse a desapropriação sob exame, e não é, falta a indispensável autorização legislativa exigida por lei quando se tratar de desapropriação de bens públicos. Por isso, a desapropriação pretendida configura abuso e desvio de finalidade, como se verá mais adiante no tópico apropriado.

2.2 Da desapropriação de bens de empresa que desenvolve atividade autorizada pelo governo federal

Apesar do princípio da livre iniciativa (art. 170 da CF) assegurar o exercício de atividade econômica independentemente de prévia autorização governamental algumas delas, como o caso da consulente que se dedica ao ramo de refinamento de petróleos,[10] precisam de autorização especifica do governo.

No caso da consulente essa autorização foi concedida pela Autorização ANP nº 1 de 2-2-1998, publicada no DOU de 3-2-1998.

Sobre a desapropriação de bens de empresas autorizadas pelo governo para funcionar prescreve o § 3º, do art. 2º, do Decreto-lei nº 3.365/41:

“É vedada a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas cujo funcionamento dependa do Governo Federal e se subordine à sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por Decreto do Presidente da República”.

Esse § 3º há de ser interpretado não literalmente, mas sistematicamente tendo em vista o ordenamento jurídico global.

Nesse sentido, também,a Súmula nº 157 do C. STF que dispõe que ” é necessária prévia autorização do Presidente da República para desapropriação, pelos Estados, de empresa de energia elétrica“.

A atividade da consulente, consistente no refinamento de petróleo, insere-se no âmbito do monopólio da União, conforme art. 177, II da CF.

Daí a necessidade de a empresa privada obter autorização específica do Governo Federal para a exploração da atividade de refinação do petróleo bruto. Daí, também, a natureza pública da atividade de refinação de petróleo, tanto quanto a atividade da concessionária de energia elétrica.

Essa atividade é tão importante, senão vital para o Estado Federal, que ela é permanentemente fiscalizada pela Agência Nacional do Petróleo – ANP – órgão governamental que expede a autorização de funcionamento da atividade da espécie.

Eventual anomalia no sistema de refinamento de petróleo traz vários transtornos ao governo central porque ela poderá até ter implicações com a Segurança Nacional.

A jurisprudência do STJ tem reconhecido a relevância econômico-social da atividade de refinaria de petróleo ao remover os empecilhos à expansão ou instalação de distrito industrial e de refinaria de petróleo como se verifica nas ementas abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO. INSTALAÇÃO DE DISTRITO INDUSTRIAL. REFINARIA DE PETRÓLEO. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. PEDIDO DE SUSPENSÃO DEFERIDO. AGRAVO IMPROVIDO.

Estando o acórdão impugnado assentado, exclusivamente, em fundamentos infraconstitucionais, compete à Presidência do Superior Tribunal de Justiça processar e julgar o pedido de suspensão. O acórdão que, em ação de desapropriação, obsta o prosseguimento da instalação de distrito industrial e de refinaria de petróleo enseja grave lesão à economia pública.

Agravo regimental improvido.” (AgRg na Suspensão de Liminar e de Sentença nº 1206/MA, Rel. Min. Presidente do STJ, DJe de 12-8-2010).

PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SETENÇA. IMISSÃO NA POSSE DE ÁREA DECLARADA DE UTILIDADE PÚBLICA PARA FINS DE DESAPROPRIAÇÃO. LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA. Causa lesão à economia pública a decisão que impede a imissão do Estado do Ceará na posse de área destinada à expansão de complexo industrial-portuário, que abrigará refinaria de petróleo, privando o Estado dos investimentos decorrentes das obras e dos tributos a serem arrecadados das empresas que ali se instalarem. Agravo regimental não provido.” (AgRg na Suspensão de Liminar e de Sentença nº 1296/CE, Rel. Min. Ari Pargendles, DJe de 11-3-2011).

Neste caso sob consulta, ao contrário das hipóteses versadas nas ementas referidas em que a Justiça interveio para remover o obstáculo ao prosseguimento das obras de instalação de refinaria de petróleo, o Estado do Rio de Janeiro pretende suprimir, por via de desapropriação, o estabelecimento industrial que vem operando a atividade de refinamento de petróleo sob a fiscalização da ANP.

Assim, nos parece óbvio que não apenas a desapropriação de cotas ou direitos representativos do capital de empresas sob autorização de funcionamento concedida pelo Governo Federal necessita de autorização do Presidente da República, como também, e com maior razão, não pode prescindir dessa autorização a desapropriação do prédio onde está localizada a refinaria de petróleo, como previsto no Decreto expropriatório.

A atividade de refinação de petróleo nacional ou estrangeiro insere-se no âmbito da política energética nacional regulada pela Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997.

De conformidade com essa lei:

a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro constitui monopólio da União (art. 4º, II), assim como o seu transporte por meio de conduto (art. 4º, IV);

compete a ANP autorizar a prática das atividades de refinação, liquefação, regaseificação, carregamento, processamento, tratamento, transporte, estocagem e acondicionamento (art. 8º, V);

instituir processo com vistas à declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação e instituição de servidão administrativa, das águas necessárias à exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, construção de refinarias, de dutos e de terminais (art. 8º, VIII).

Mais não é preciso dizer. O Estado do Rio de Janeiro não pode desapropriar prédio onde se situa a Refinaria de Petróleo que funciona sob a autorização do Governo Federal localizado no terreno de marinha de propriedade da União, dado em aforamento com o fim específico de sua incorporação ao patrimônio da Refinaria de Petróleos de Manguinhos S.A, ora consulente. A natureza pública da atividade da consulente decorrente de autorização do Governo Federal coloca seus bens fora do alcance do poder expropriatório do Estado do Rio de Janeiro.

2.3 Exame das hipóteses de utilidade publica e de interesse social previstos na DUP

Conforme se depreende do art. 1º da DUP a desapropriação pretendida tem seu fundamento nas seguintes alíneas do art. 5º do Decreto nº 3.365/41:

Art. 5º, alínea e : criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência;

Art. 5º, alínea i : abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para uma melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais;

Art. 5º, alínea h: exploração ou a conservação dos serviços públicos;

Art. 5º, alínea m: construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios;

Invocou-se, também, o art. 2º, inciso V, da Lei nº 4.132/62: construção de casas populares.

A invocação de tantos fundamentos diversos, até mesmo conflitantes entre si, para desapropriação do local onde funciona a Refinaria de Petróleo revela que o governo do Estado do Rio de Janeiro não sabe exatamente o que fazer com o imóvel expropriado. Tanto é assim que invoca na mesma declaração expropriatória casos de utilidade pública e hipótese de interesse social, sujeitos aos prazos de caducidade de cinco anos e de dois anos, respectivamente.

A desapropriação pretendida não reflete a execução de um plano de governo que nem deve existir para o local objetivado no Decreto expropriatório.

Ainda que pudesse desapropriar a Refinaria de Petróleo, e não pode como já vimos, a desapropriação pretendida configuraria autêntico desvio de finalidade, pois estaria usando do poder de que se acha investido para fazer uma coisa, para fazer outra coisa diversa, que no caso, nem é possível precisar o que se pretende fazer efetivamente com a área desapropriada.

A implementação do Decreto expropriatório caracteriza o ato de improbidade administrativa definido no art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2-6-1992, quer por desvio de finalidade, quer por incorrer na prática de ato legalmente proibido: a desapropriação com transgressão dos §§ 2º e 3º, do art. 2º do Decreto-lei nº 3.365/41.

2.4 Ausência de previsão orçamentária

Exatamente, porque não há plano de ação governamental para a implantação de obras e melhoramentos previstos nas hipóteses de desapropriação invocadas no Decreto nº 43.892/2012, esse Decreto deixou de apontar a respectiva verba orçamentária, como impõe o inciso II, do § 4º, do art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 4-5-2000.

Mais do que isso, o caput do art. 16 de LRF prescreve que para a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa deverá ser acompanhado de:

estimativa do impacto orçamentário financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;

declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Nada disso foi considerado pelo Executivo Estadual, mesmo porque as obras previstas nas hipóteses de desapropriação invocadas, que seguramente ultrapassam mais de um exercício, sequer têm previsão na lei do plano plurianual, o que por si só revela transgressão do § 1º, do art. 167 da CF. Não há, também, qualquer referência na lei de diretrizes orçamentárias do Estado do Rio de Janeiro. Daí porque as verbas para fazer face às despesas com a desapropriação pretendida não tem previsão na lei orçamentária anual. E se tem, ela não está consignada no Decreto nº 43.892/2012 e nem se descobre.

Nula é a declaração expropriatória em que falta a indicação dos recursos orçamentários destinados ao atendimento da despesa pública. Essa nulidade decorre, não só da Lei de Responsabilidade Fiscal que veio à luz para impor aos administradores públicos a política de gestão fiscal responsável, como também, do princípio constitucional da garantia do prévio pagamento da justa indenização, para repor o patrimônio desfalcada pela desapropriação, uma exceção à garantia constitucional do direito de propriedade.

3 – Respostas aos quesitos

1) O Estado do Rio de Janeiro pode desapropriar o terreno da União?

R: Não. O § 2º, do art. 2º do Decreto-lei nº 3.365/41 estabeleceu a gradação no sentido de que a União pode desapropriar bens dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; Os Estados podem desapropriar bens dos Municípios. Doutrina e jurisprudência são unânimes no sentido da impossibilidade jurídica de inversão dessa gradação legal. O STF sob a égide da Constituição Federal de 1988 reafirmou essa tese ( RE nº 172816/RJ, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 13-5-1994).

2) O Estado do Rio de Janeiro pode desapropriar o prédio da consulente e o domínio útil da terra de que é titular, sem autorização do Presidente da República?

R: Não. O § 3º, do art. 2º do Decreto-lei nº 3.365/41 condiciona a desapropriação de cotas ou direitos relativos ao capital de instituição ou empresa que estejam funcionando mediante autorização do Governo Federal à prévia autorização do Presidente da República por meio de Decreto. É o caso da consulente, uma refinaria de petróleo inserida no âmbito da política energética do País e por isso vem operando sob fiscalização da Agência Nacional do Petróleo que lhe outorgou autorização para desenvolver a referida atividade. A atividade da consulente reveste-se, portanto, de natureza pública. E mais, o domínio útil do imóvel onde se localiza a consulente foi conferido pela União para incorporar ao patrimônio da Refinaria de Petróleos do Distrito Federal, antecessora da Refinaria de Petróleo de Manguinhos S/A, ora consulente.

O C. STF também editou a Súmula nº 157 dispondo que ” é necessária prévia autorização do Presidente da República para desapropriação, pelos Estados, de empresa de energia elétrica“.

Se a desapropriação de empresa concessionária necessita de autorização presidencial não há porque dispensar essa autorização em se tratando de empresa autorizada.

A jurisprudência do STJ é no sentido de vedar qualquer obstáculo à expansão ou instalação de Refinarias de Petróleo, atividade econômica relevante para o País. Com muito maior razão não deve permitir a supressão de uma refinaria de Petróleo que vem produzindo desde os idos de 1946, como é o caso da consulente.

Daí necessidade de interpretação ampla e sistemática do § 3º, do art. 2º do Decreto-lei nº 3.365/41 que conduz à necessidade de autorização do Presidente da República para desapropria bens de empresa que opera mediante autorização do Governo Federal.

3) Pede-se fazer outras considerações pertinentes acerca da validade jurídica do ato expropriatório.

R: A declaração expropriatória ou ato expropriatório fundamenta-se em nada menos que cinco hipóteses de desapropriação sendo quatro delas por utilidade pública e uma por interesse social, cujos prazos de caducidade da declaração expropriatório são de cinco anos e de dois anos, respectivamente. Esse fato, por si só, revela que o Executivo Estadual não sabe ao certo o que fazer após a desapropriação. Não há plano governamental para a área objeto de desapropriação. Embora a implementação das hipóteses de desapropriação elencadas no ato expropriatório implique execução de obras de duração continuada, não há previsão na lei do plano plurianual, conforme determina o § 1º, do art. 167 da CF, nem na lei de diretrizes orçamentárias, pelo que não há verba consignada na lei orçamentária anual para pagamento da despesa pública que se constitui em um dos requisitos da declaração expropriatória. No Decreto nº 43.892/2012 não há indicação dessa verba e nem se descobre. A Lei de Responsabilidade Fiscal que veio à luz para implantar o regime de Gestão Fiscal responsável não permite desapropriação da espécie sem prévia garantia de recursos financeiros necessários ao pagamento de despesa dela decorrente.

4) Em face das respostas dadas aos quesitos anteriores qual a medida processual adequada para impedir a desapropriação pretendida pelo Estado do Rio de Janeiro?

R: Em face das ilegalidades apontadas a consulente deve ingressar com mandado de segurança contra ato do Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro requerendo a concessão de medida liminar que suste a execução do ato expropriatório para ulterior concessão de segurança determinando a sustação definitiva da desapropriação por invalidade jurídica do Decreto nº 43.892/2012.

É o nosso parecer, s.m.j.

São Paulo, 22 de outubro de 2012.

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Kiyoshi Harada

OAB/SP 20.317

Especialista em Direito Tributário e Financeiro pela FADUSP

[1] A desapropriação. Ed. póstuma. São Paulo: Saraiva, 1955. p. 109.

[2] Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949. p. 83.

[3] Cf. nosso Desapropriação doutrina e prática. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 60-61.

[4] Direito administrativo moderno. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 390.

[5] Direito Administrativo. 17º ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 162.

[6] Direito Administrativo Brasileiro. 22º ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p.515-16

[7] Curso de Direito Administrativo Positivo . 4ª ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001. p. 461-4.

[8] Direito Administrativo. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.684

[9] Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.869

[10] Atividade abrangida pelo monopólio da União, cf. art. 177, II da CF.

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