Desapropriação. Valorização decorrente da expectativa de obra pública

Um dos maiores problemas enfrentados pelas administrações públicas em geral é aquele concernente à excessiva valorização dos imóveis do entorno do melhoramento público a ser implantado concomitantemente com a desapropriação precedida de imissão provisória na posse. Às vezes, provoca especulação imobiliária de tal ordem que pode até inviabilizar as desapropriações programadas.Quando se tratar de melhoramento público de grande envergadura, que leva anos para ser totalmente implantado, os imóveis das cercanias que servirão de elementos de pesquisa para apuração do justo preço se elevam de tal forma que acabam incorporando no preço da indenização essa mais valia, que decorre da obra pública ou da expectativa de sua iminente implantação. Consoante escrevemos a “mais valia não deve acfrescer a indenização nem deve compensar a indenizaççao no caso de desapropriação parcial.”[1]

Como é sabido, a edição da Declaração de Utilidade Pública – DUP -provoca dois efeitos opostos: os imóveis atingidos pela DUP perdem o valor de mercado; e os imóveis do entorno se valorizam, notadamente, com o início do ajuizamento das primeiras ações de desapropriação.

De fato, com a publicação da DUP as benfeitorias úteis serão indenizadas somente se forem precedidas de autorização do expropriante (§ 1º, do art. 26 do Decreto-Lei nº 3.365/41). E essa autorização é sempre negada, pois a primeira providência do órgão competente da Prefeitura para expedição da licença de construção se resume na verificação de existência ou não da declaração de utilidade pública para o local pretendido. Ainda que caducada a DUP ao cabo de cinco anos ela poderá ser renovada após o decurso de um ano (art. 10 do Decreto-lei nº 3.365/41). Durante todo o período abrangido pela DUP o imóvel atingido perde o valor comercial. E o proprietário perde a plena disponibilidade econômica da propriedade. Às vezes, basta existir apenas uma lei prevendo um determinado melhoramento público, para impedir qualquer tipo de edificação no local atingido, obrigando o proprietário do imóvel a recorrer à via judiciária para o exercício do seu direito constitucionalmente assegurado.

Em contrapartida, imóveis situados no entorno valorizam-se com a simples edição da DUP prevendo a execução de determinado melhoramento público.

Existem as chamadas valorizações: (a) radial que ocorre ao redor da obra pública (escola, posto de saúde, creche, estação de Metrô etc); (b) longitudinal, que ocorre ao longo da obra ( ruas, avenidas e estradas); (c) nos pontos extremos da obra, como acontece com a construção do Elevado Costa e Silva em São Paulo que facilita a interligação Leste-Oeste.

Essa valorização decorrente de obra pública não pode ser levada em conta na fixação do valor da justa indenização que, ao teor do art. 26 da lei básica de desapropriação, deve ser contemporâneo da avaliação.

Só que a avaliação após a execução da obra pública, o que acontece nas desapropriações com caráter de urgência, isto é, naquelas em que há imissão provisória na posse, os imóveis circunvizinhos, que servirão de base para a pesquisa de valores, já sofreram influências positivas do melhoramento público que está sendo implantado, incorporando essa mais valia no preço da indenização. No que se refere aos imóveis do entorno sempre será possível ao poder público expropriante cobrar dos respectivos proprietários a contribuição de melhoria, com fundamento no art. 145, III da CF, o que não acontecerá com os imóveis atingidos pela desapropriação.

Tanto o § 1º, do art. 15 do Decreto – lei nº 3.365/41, que permite a imissão provisória mediante o depósito do valor cadastral do imóvel, quanto o art. 26 que versa sobre o momento da apuração de indenização devem de ser interpretados à luz do preceito constitucional da justa e prévia indenização de que trato o art. 5º, XXIV da CF. Esse preceito constitucional, que vem desde a constituição de 1891,[2] deve ser interpretado, por sua vez, de conformidade com a realidade judiciária atual em que o pagamento de indenização fixada pode levar mais de 20 anos, a contar do desapossamento do bem expropriado por conta, não só, da morosidade do Judiciário, como também, em decorrência das moratórias constitucionais de dívidas representadas por precatórios.

Por isso, apesar da proclamada constitucionalidade do § 1º, do art. 15 da lei de desapropriação, [3] assim como do Decreto – lei nº 1075/75, que permite a imissão provisória mediante o deposito do valor correspondente à metade do valor provisório arbitrado, nenhum juízo ou tribunal local vem concedendo a imissão provisória sem o depósito do chamado valor prévio, apurado em laudo provisório que resulta da vistoria que antecede a imissão provisória.

No contexto atual, não cabe dissociar a expressão “prévio pagamento da justa indenização” para afirmar que o princípio da previedade está relacionado com a perda provisória da posse, ao passo que a justa indenização está ligada à imissão definitiva, valendo a sentença como título hábil à transcrição imobiliária, nos termos do art. 29 do Decreto – lei nº 3.365/41.

Ora, para o expropriado que se vê despojado da posse do imóvel tanto faz perdê-la a título provisório, ou a título definitivo, pois a desapropriação é irreversível, limitando-se a contestação à discussão do justo preço.

Portanto, no momento em que o expropriado perde a posse do imóvel há de haver pagamento prévio da justa indenização, apurada segundo as NORMAS da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT – que assegura um valor, tanto quanto possível, próximo ao de mercado.

A avaliação definitiva, que se faz mediante observância do contraditório, não poderá introduzir fatores novos, limitando-se à correção de eventuais equívocos apontados pelos assistentes técnicos e corrigir monetariamente o valor apurado. Tanto é assim que as NORMAS 2013, para Avaliação de Imóveis na Capital de São Paulo, elaborada pela Comissão de Peritos nomeada pela Portaria nº 01/2012 da CAJUFA, em seu item 4.9.1 determina a elaboração do Laudo Prévio e no item 4.9.2 manda elaborar, se necessário, o Laudo Definitivo em caráter de complementação, porém, prescrevendo como “data-base a mesma do Laudo Prévio.” Essas NORMAS têm matriz na Norma NBR 14.653 da Associação Brasileira ou Normas Técnicas – ABNT – de aplicação no âmbito nacional.

Importante observar, também, o disposto no inciso I, do § 2º, do art. 8º do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/01 de aplicação em nível nacional no sentido de que o valor real da indenização “refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2º do art. 5º desta Lei.”

Ainda que se negue validade à primeira parte do preceito, alusivo ao valor venal do imóvel para fins de lançamento do IPTU, não há menor dúvida quanto a pertinência e acerto da segunda parte do dispositivo.Acrescente-se, outrossim, que o valor venal do imóvel poderá ser utilizado pelo perito para aferição da valorização extraordinária dos imóveis do contorno em função da obra pública executada ou em execução, pois não é praxe do poder público municipal incorporar na base de cálculo do imposto a mais valia decorrente da obra pública, a qual deverá ser objeto de cobrança da contribuição de melhoria.

Outro não tem sido a jurisprudência atual de nossos tribunais que não admite a incorporação de valorização decorrente da implantação da obra púbica ( Resp n 986470 RN, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 30-6-2008).

Igualmente, o STJ admite a mitigação da regra do art. 26 da lei de desapropriação quando sustenta que há casos “em que o longo prazo entre o início da expropriação e a confecção do laudo pericial sugere a mitigação dessa regra” (AgRg nº Resp nº 1.186.689-GO, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 4-2-2011).

Na prática, deparamos casos de melhoramentos de porte em que só a notícia de sua implantação já provoca a alta desmesurada dos imóveis periféricos que servirão de pesquisas de “mercado,” para apuração do valor unitário do m2 da área desapropriada em cada processo. No caso, a menos que a desapropriação tenha sido precedida de constituição de uma Comissão de Peritos para apuração do valor unitário dos imóveis atingidos pelo melhoramento, esse valor unitários irá aumentando à medida que forem sendo ajuizadas as ações expropriatórias, aumentando as expectativas de conclusão de obra pública de grande porte.

A título ilustrativo lembramos que, recentemente, bastou a Câmara Municipal de São Paulo iniciar a discussão da transformação das áreas abrangidas pelo conhecido Minhocão em um Parque Público, que sequer envolve desapropriações, foi o suficiente para valorizar em 15% ou 20% os imóveis situados ao longo da Avenida São João. Trata-se de mais uma ideia importada de outros países pelos entendidos em urbanística que insistem na implosão do Minhocão sem oferecer alternativas viáveis para o tráfego de veículos entre as zonas oeste e leste da cidade.

Concluindo, a data-base para aferir o prévio pagamento da justa indenização deve ser considerada em cada caso concreto, mediante mitigação da regra geral considerando-se que o conceito de justo preço é ambivalente, aplicando-se tanto para o expropriado, como para o expropriante.

SP, 20-10-14.

* Jurista, com 28 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Site: www.haradaadvogados.com.br

E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.br



[1] Cf. nosso Desapropriação doutrina e prática. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 138.

[2] As Constituições de 1891 e de 1937 faziam referência apenas à indenização prévia. Todas as demais incorporaram o sinônimo prévia e justa ou justa e prévia.

[3] Na vigência da Constituição de 1988 o STF editou a súmula nº 652 segundo a qual “não contraria a Constituição o art. 15, § 1º do DL 3.365/41 (Lei de Desapropriação por Utilidade Pública).

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