É sabido que vivemos de longa data uma sociedade absolutamente injusta, onde poucos vivem como nababos, com todos os benefícios e privilégios absurdos outorgados injustificadamente pelo Estado, aliás, auto-outorgados, de um lado, e uma imensa maioria que vive abaixo da linha de miséria, sem perspectivas de ascensão econômica. Milhares deles vivem, comendo nas mãos dos detentores do poder político do Estado, por meio de políticas públicas de inclusão social que lhes dão visibilidade e, ao mesmo tempo, disfarça as verdadeiras intenções.
O individualismo e o egoísmo dos detentores do poder explicam a manutenção e a expansão dessas políticas públicas que fazem crescer os currais eleitorais. A nova República nada mudou em relação à velha República. Somente houve substituição da expressão “curral eleitoral” pela expressão “política de inclusão social”, cujos beneficiários tornaram-se reféns dos detentores do poder político.
Verifica-se que pessoas com independência econômica começam a ter ideias “erradas” e perigosas para a manutenção do status quo. Daí a continuação de uma política pública que não permite à imensa maioria da população ter acesso ao ensino fundamental de qualidade que permita desenvolver as suas habilidades e galgar os demais degraus do ensino. Formar portadores de canudos, cujos detentores são vazios de conhecimentos básicos, é o mesmo que dar-lhes de comer nas mãos, ao invés de dar-lhes empregos que lhes assegure uma vida livre e independente, sem ajuda de monitores.
Aludida minoria, incrustada no seio do Estado é a responsável pela indústria da burocracia que confunde e atrapalha quem deseja produzir. É ela quem criou e vem mantendo a cultura da burocracia extremada que impede o desenvolvimento de qualquer atividade produtiva, por mais simples que seja, sem antes ter que cumprir inúmeros procedimentos elaborados com o requintado sadismo burocrático que atrasa, emperra e confunde quem quer produzir riquezas que sustentam esse Estado paquidérmico que não mais cabe dentro do PIB.
Nenhuma reforma que se pretenda, por mais importante que ela seja para o país, como a Reforma da Previdência, não consegue prescindir de minúcias burocráticas que impedem a sua operacionalização sem grandes discussões.
Por outro lado, a Reforma Tributária pretendida pelo Legislativo, distante do desejo do Executivo, faz pior. São duas as PECs, a de nº 110/2019, de autoria do ex Deputado Luis Carlos Haluy, e a de nº 45/2019, de autoria do Deputado Baleia Rossi.
A primeira delas, apesar de ter o seu relatório aprovado na Comissão Especial da Câmara, ficou em stand by por conta da não reeleição de seu Relator, tendo sido retomada a sua discussão perante o Senado Federal. A PEC nº 45/2019, por sua vez, está sendo discutida açodadamente e já passou pelo crivo da CCJ, estando prestes a ser aprovada na Comissão Especial, sem qualquer participação do Executivo, como se estivéssemos em um sistema parlamentar de governo.
O conteúdo da PEC nº 45/2019 é próprio de um Estado de forma monárquica. Quatro tributos federais (PIS, COFINS, IPI e IOF) e um imposto estadual (ICMS) e um imposto municipal (ISS) são fundidos para formar o Imposto sobre Operação de Bens e Serviços – IBS – de competência legislativa da União, porém, gerido, fiscalizado e arrecadado por meio de um Comitê Gestor, formado pelas três entidades políticas, e que terá o poder normativo, além de deter a representação judicial e extrajudicial em matéria relacionada com o IBS.
Ora, se isso não for colocar lenha na fogueira da confusão não sei o que é. Nunca se viu um triunvirato dar certo em lugar algum do mundo. E esse IBS contém uma particularidade preocupante: a alíquota do imposto é uniforme em todo território nacional, contudo, os Estados e os Municípios podem alterar as suas alíquotas. E mais, será um imposto não cumulativo de incidência plurifásica cobrado por fora.
Para encontrar um meio de tornar exequível essa proeza utópica fixou-se um prazo de 10 anos de transição do atual sistema para o novo sistema Tributário. Até lá os dois sistemas serão operados simultaneamente. Onde o novo sistema fracassar, o atual sistema irá suprir as necessidades financeiras do Estado.
É muito tempo para esses experimentos tributários, sendo visível aos olhos de qualquer especialista da matéria que tal proeza irá encontrar entraves intransponíveis logo no primeiro mês de vigência do novo sistema. Para que submeter os contribuintes a 10 anos de agruras? Como é possível impor uma tributação uniforme de 25% ignorando os desníveis regionais desse imenso Brasil que se situa como o 5º maior país do mundo? Como fazer que todos os segmentos da sociedade (comerciantes, industriais, profissionais liberais, agricultores, trabalhadores braçais) paguem o IPI, o ICMS, o ISS e as contribuições sociais? Como é possível o Comitê Gestor, composto de três entidades políticas, representar em juízo em matéria de IBS? Será preciso uma reunião prévia entre representantes das três Procuradorias Fiscais para a elaboração de cada petição judicial? Salta aos olhos que a União será, na prática, a representante de fato em todos os procedimentos judiciais, porque o próprio imposto – IBS – já é uma forma de descaracterizar a federação brasileira. De entidades políticas juridicamente parificadas passaremos para uma Federação verticalizada que tende a confundir-se com a forma monárquica do Estado.
Pergunta-se: por que não implementar de vez a monarquia constitucional com o sistema parlamentar de governo, ao invés de ficar mantendo a aparência de forma federativa do Estado e o sistema de governo de coalizão que não está dando certo?
O parlamento é soberano para manter ou alterar, parcial ou totalmente qualquer projeto legislativo proveniente do Poder Executivo. Todavia, o Executivo não tem poderes para modificar no todo ou em parte um projeto de iniciativa do Poder Legislativo.
Daí porque um projeto de ampla reforma tributária, como este sob exame, deve partir do Executivo que fiscaliza, arrecada e estima o montante da receita em cada exercício. É o único Poder que conhece as virtudes e os defeitos do Sistema Tributário Nacional ao longo desses 33 anos de vigência, para apontar as virtudes a serem preservadas e os defeitos a serem eliminados.
Portanto, indispensável que a proposta de Reforma Tributária nasça de estudos conjuntos feitos pelos técnicos da Receita Federal do Brasil, das Secretarias de Fazendas do Estado e das Secretarias de Finanças dos principais municípios, e não a partir desse ou daquele Deputado com o auxílio de um ou outro economista, sem vivencia prática do dia a dia e sem visão crítica da jurisprudência de nossos tribunais superiores nesses últimos seis lustros.
E mais, tendo em vista a peculiar característica da Federação Brasileira é indispensável o assessoramente jurídico-constitucional na elaboração da proposta de Reforma Tributária para que seja mantida a Federação Brasileira, mediante adequada distribuição do poder tributário por espaços regionais e sub-regionais.
Por fim, essa proposta, em última análise, demonstra manifestação pura do individualismo e do egoísmo de seu autor, com desprezo ao coletivismo que resulta do exercício do senso ético-legislativo.
É absolutamente incogitável a implantação de uma reforma tributária radical, sem a imprescindível participação e colaboração do Poder Executivo que vive e convive diariamente com o Sistema Tributário em vigor, para prover a necessidade financeira do Estado.
Nenhuma preocupação de marcar passagem na história justifica o escamoteamento do Poder Executivo, detentor do poder de governar em um Estado Federal com sistema presidencialista.
É hora de despir-se do individualismo, do egoísmo e abrir os olhos para a realidade, a fim de construir um Sistema Tributário Nacional por meio de um trabalho conjunto.
Do contrário, em que pese a boa intenção de seu autor ou autores, acabará, em nome da simplificação, por se criar um sistema Tributário complexo, confuso e de altíssimo custo operacional, travando o pretendido desenvolvimento econômico.
SP, 20-12-2021.
Por Kiyoshi Harada