Desmontagem gradual da tributação por dentro

O critério nebuloso de tributação por dentro, que impede de o consumidor identificar o valor do tributo incidente sobre mercadorias e serviços e que contraria o princípio da transparência tributária expresso no § 5º, do art. 150 da CF, vem sendo desmontado, gradualmente, de forma imperceptível pela jurisprudência de nossos tribunais.

Tudo começou com a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, porque sendo o ICMS um imposto não poderia ser objeto de faturamento que é o fato gerador dessas contribuições sociais (RE nº 240.285).

O argumento utilizado, como se verifica, é extrajurídico. Juridicamente teria que examinar o sistema de tributação por dentro adotado na legislação tributária em vigor nas três esferas impositivas em relação aos tributos indiretos caracterizados pela incidência do tributo sobre si próprio. Esse critério de tributação tem matriz constitucional em relação ao ICMS (letra i, do inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF). Seguiu-se a decisão na mesma linha de argumentação relativamente ao PIS/COFINS-importação (RE nº 559.607). Ao final, a consagração da tese no bojo do RE nº 574.076 julgado sob a égide de repercussão geral.

Desde o início preocupou-nos esse posicionamento da Corte Suprema em razão do efeito cascata que era facilmente perceptível ab initio.

De fato, seguiram-se as decisões judiciais pela exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/COFINS; exclusão de todos os tributos federais da base de cálculo do ISS; exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB etc.

Entretanto, a tese da exclusão da CSLL da base de cálculo do IRPJ não vincou, porque aduzida e analisada sob o enfoque de despesa operacional que, por óbvio, jamais poderia ser porque ela não configura um insumo necessário à produção da renda, mas exatamente o resultado da atividade produtora desenvolvida pela empresa, como sustentou com toda razão o ínclito Ministro Relator Joaquim Barbosa que proferiu o voto condutor da decisão majoritária. Mas, não passou despercebido aos olhos do Ministro Marco Aurélio, prolator do voto minoritário, para quem a CSLL não pode ser uma despesa para a empresa que a recolhe, e ao mesmo tempo uma receita a ser adicionada na base de cálculo do IRPJ, como prescreve a legislação aplicável.

Ora, se o ICMS não deve integrar a base de cálculo do PIS/COFINS porque não é mercadoria passível de faturamento que é o fato gerador dessas contribuições sociais, segue-se que a CSLL que é uma despesa obrigatória a cargo da empresa não deve integrar a base de cálculo de um imposto que tem como fato gerador um acréscimo patrimonial. Dizer que a CSLL representa uma parcela do lucro auferido pela empresa   nada altera. Ela continua sendo uma despesa para quem deve pagar. Aliás, todas as despesas (vestuário, alimentação, bebidas, tributos, tarifas, viagens etc.) são pagas com rendimentos auferidos pela pessoa física ou jurídica. Ao incluir uma despesa na base de cálculo do imposto sobre a renda transformou essa exação tributária em um verdadeiro imposto sobre a despesa.

Quando se utiliza noções extrajurídicas para excluir este ou aquele tributo da base de cálculo deste ou daquele tributo as contradições serão inevitáveis, porque no plano das ideias existem “n” opções diferentes e conflitantes. Somente o critério estritamente jurídico tem o condão de uniformizar hipóteses de “exclusões” oferecendo a todos a indispensável segurança jurídica no exercício da atividade produtora.

Há anos apontamos que, por coerência, deveria excluir o valor do PIS/COFINS da sua base de cálculo porque o valor do PIS/COFINS sendo um tributo não se presta ao faturamento que é o fato gerador dessas contribuições sociais. Aliás, a tributação, nesse caso, é bem pior que a tributação do ICMS pelo PIS/COFINS, por representar a tributação de tributo que está sendo tributado (PIS/COFINS recaindo sobre si próprio).

Essa linha de argumentação lógica levou tempo para ser aplicada pela Justiça. Essa tese que não é jurídica, mas adotada pelo STF, foi encontrar eco na 1ª Vara da Justiça Federal de Limeira que concedeu liminar para excluir o valor das contribuições sociais da sua própria base de cálculo (MS nº 5000 463-03.2018.4.03.6143). O mesmo aconteceu em outras Comarcas no âmbito da Justiça Federal sendo que a última decisão liminar ocorreu na 16ª Vara Federal do Distrito Federal (MS nº 10159 23-39.2018.4.01.3400).

Pelo jeito a multiplicação das lides forenses não terá fim por conta da grandeza ímpar da matéria prima representada por “n” tributos indiretos existentes entre nós. E tributos indiretos no Brasil, ao contrário do que acontece nos Países adiantados, integram os custos dos serviços e mercadorias tanto quanto as despesas com a folha, luz, água, energia elétrica e o valor da margem de lucro do comerciante.

A essa altura dos acontecimentos de duas uma: ou revê as decisões pioneiras acerca da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, com modulação de efeitos; ou continua alargando a tese das exclusões em cascatas até que por via jurisprudencial altere parcialmente o Sistema Tributário Nacional em vigor, proibindo a tributação por dentro, mantendo-a apenas em relação ao ICMS, cuja incidência sobre si próprio tem matriz constitucional, como vimos.

Já que estamos na era do ativismo judicial seria muito oportuno que essa atividade judicial atípica atuasse a favor dos contribuintes sufocados com a imposição da carga tributária mais cara do mundo, se consideradas as contraprestações de serviços públicos essenciais de péssima qualidade. Se depender apenas do legislador o aumento tributário, para sustentar esse Estado cada vez mais perdulário, não terá fim.

 

SP, 3-9-18

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