direito tributário

Funções das normas gerais no direito tributário

Artigo de dr. Kiyoshi Harada “Funções das normas gerais no direito tributário”

Dispõe o art. 146 da CF:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

        I –  dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

        II –  regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

        III –  estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

            a)  definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

            b)  obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

            c)  adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

            d)  definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

    Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:

I –  será opcional para o contribuinte;

II –  poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;

III –  o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;

IV –  a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.

São, portanto, três funções básicas da lei complementar.

O inciso I destina-se a prevenir conflitos de competência tributária entre os entes federados.

O inciso II tem por finalidade regular a imunidade tributária para sua aplicação uniforme em todo o território nacional. O art. 14 do CTN cumpre essa missão.

O inciso III, por sua vez, objetiva a edição de normas gerais para uniformização da legislação tributária em âmbito nacional, definindo o fato gerador, a base de cálculo e os contribuintes de impostos previstos na Constituição.

São, portanto, normas veiculadas por lei complementar que se situam acima da lei ordinária. A lei complementar aqui versada não se confunde com aquela lei complementar que atua no âmbito privativo da União, que tem o mesmo status de lei ordinária. Tampouco se confunde com a lei complementar apenas do ponto de vista formal, veiculando matéria que não se insere no campo abrangido pela reserva de lei complementar.

Mas, a aplicação dos incisos I a III, do art. 146 da CF deve ser feita mediante exame de cada caso concreto, evitando-se o prejuízo à aplicação de princípios constitucionais, notadamente, daqueles protegidos em nível de cláusula pétrea (§ 4º, do art. 60 da CF), onde sobressai a forma federativa do Estado e a separação dos Poderes que são os princípios basilares que estruturam o Estado Federal Brasileiro.

O exame da jurisprudência do STF não permite vislumbrar um critério jurídico seguro na instituição de impostos privativos de cada ente político (arts. 153, 155 e 156 da CF) no que tange a previa definição do fato gerador por lei complementar, como exigido na letra a, do inciso III, do art. 146 da CF.

São conhecidas as decisões do STF quanto à declaração de inconstitucionalidade das leis estaduais que instituíram o adicional do imposto de renda proveniente de aplicação de capital, por conta da ausência de lei complementar definindo o respectivo fato gerador que, no nosso entender já estava definido no art. 43 do CTN interpretado em sua extensão menor para excluir os rendimentos do trabalho e proventos de qualquer natureza, limitando-se apenas aos rendimentos do capital.

Contudo, em relação ao IPVA até hoje sem definição de seu fato gerador em lei complementar, todos os Estados da Federação instituíram a sua cobrança, sem que nenhum questionamento tivesse sido feito pelo STF que se limitou a dirimir conflitos de competência tributária entre os Estados. Curiosamente foi fixado o entendimento de que o IPVA pertence ao Estado em que se acha domiciliado o proprietário do veículo, e não no Estado de registro do veículo, como se depreende do art. 120 do CBT (RE nº 1.016.605/RG-MG). Na prática, ficou bem difícil o recolhimento desse imposto estadual fora do local onde se acha registrado o veículo, pois o acesso aos dados do veículo para pagamento do imposto se faz pelo RENAVAM.

Todavia, recentemente a mesma Corte Suprema decretou a inconstitucionalidade do ITCMD cobrado sobre os bens situados no exterior, sem a prévia regulamentação por lei complementar do disposto no inciso III, do art. 155 da CF, a pretexto de prevenir conflitos de competência tributária.

Ora, é função do STF dirimir conflitos de competência tributária, se quando isso ocorrer.

Está claro, pois, que o STF deu prevalência à regra constitucional do inciso III, do art. 155 da CF contra o princípio constitucional da discriminação de renda tributária (art. 155, I da CF) e contra o princípio federativo (art. 18 da CF) que assegura ao Estado a independência político-administrativa, obviamente, por meio de sua independência financeira. Igualmente, passou por cima do princípio inserto no § 3º, do art. 24 que assegura, na hipótese de legislação concorrente, a competência legislativa plena aos Estados quando ausente normas gerais da União.

Afinal, mais de três décadas se passaram sem que a União editasse a lei complementar referido no citado inciso III, do art. 155 da CF que não expressa um princípio constitucional, mas mera norma dispositiva.

Não é possível o entendimento de que mediante prevalência de regra constitucional sobre princípios constitucionais condene o Estado a não exercitar a sua competência legislativa para instituir em sua plenitude o imposto que lhe coube na partilha do poder tributário levada a efeito pelo legislador constituinte original em obediência ao princípio do federalismo fiscal.

SP, 29-3-2021.

Por Kiyoshi Harada

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