Divórcio e FGTS

A 2ª Secção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o FGTS deve ser partilhado na separação do casal. O valor a ser considerado há que ser o recolhido durante a união. Este julgamento ocorreu em uma separação em que um dos cônjuges pede a divisão igualitária do imóvel adquirido com recursos do FGTS de ambos, embora tivessem contribuído em proporções diversas. Entendeu o STJ que os valores recebidos mensalmente no período do casamento integram o patrimônio comum do casal. E, vai mais além, que o cônjuge teria direito a meação dos recursos do FGTS não levantados, devendo a Caixa Econômica fazer a devida reserva. O regime era o da comunhão parcial de bens.

No regime da comunhão parcial, se comunicam, isto é, pertencem a ambos os cônjuges, os bens adquiridos na constância do casamento.  Não se comunicam: a) os anteriores ao casamento e os recebidos por doação em sucessão e os sub-rogados em seu lugar; b) os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; c) os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; d) os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; e) as obrigações contraídas antes do casamento; f) as  obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal. Esclareça-se neste passo, que na união estável aplica-se, como regra, a comunhão parcial de bens.

A partilha de imóvel adquirido pelo FGTS já tem uma jurisprudência pacífica nos tribunais instância inferior, no sentido de que o imóvel adquirido com recursos do FGTS passa a integrar o patrimônio comum devendo ser partilhado por ocasião da separação do casal.

Na doutrina, a situação é semelhante. Alguns autores como Maria Helena Diniz, para quem a incomunicabilidade se refere ao direito à percepção do FGTS e, uma vez sacados, os recursos passam a integrar o patrimônio comum. Outros sustentam que as verbas trabalhistas são incomunicáveis, porém, advertem que essa exclusão abrange somente o que se conserva em espécie. As aquisições patrimoniais passam a integrar o patrimônio comum. Não vemos divergências em relação ao posicionamento anterior.

O julgamento da 2ª seção trazida pela mídia vem inovar com uma particularidade. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul havia determinado a partilha proporcional do FGTS utilizado na compra, afastando a doação recebida pela mulher por seu genitor.

O que se tem notícia, pois, o processo segue em segredo de justiça, é que a relatora Ministra Isabel Gallotti se posicionou no sentido da divisão de valores sacados por ambos os cônjuges de forma proporcional aos depósitos feitos no período, investidos em aplicações financeiras ou na compra de quaisquer bens. Esclareceu que o saldo remanescente em conta vinculada do FGTS não integra o patrimônio comum.

Em voto-vista, o Ministro Luiz Felipe Salomão acompanhou a Ministra Gallotti em seu posicionamento da divisão proporcional do FGTS, mas, divergiu quanto ao saldo remanescente na conta vinculada que, para ele, também, deveria ser objeto de partilha cabendo a Caixa Econômica Federal fazer a devida reserva da meação para ser recebida quando do levantamento do FGTS. Seu entendimento foi acompanhado pela maioria dos ministros da Seção.

Não pode subsistir tal julgamento.

Primeiramente, a divisão proporcional do imóvel de acordo com os recursos do FGTS de cada um dos cônjuges não procede. E, como fica o cônjuge, geralmente, o cônjuge que trabalha para o sustento da família e não é titular de FGTS? Como fica aquela mulher que fica em casa com os afazeres domésticos e cuidando dos filhos para que o seu parceiro possa trabalhar com a devida tranqüilidade? Exatamente, em homenagem a ente familiar, a família bem estruturada, ao princípio que a família deve somar e não dividir, ao princípio de estimular a família a somar esforços para adquirir bens para seu conforto, tal decisão deve ser reformada.

Em segundo lugar, absurdo dos maiores! O STJ entrou numa seara que sequer foi ventilada nos autos do divórcio litigioso e despertou uma celeuma que poderá causar inúmeros litígios entre os cônjuges. A Ministra Gallotti deixou claro que o saldo existente na conta vinculada não integra patrimônio comum, na esteira da maioria dos doutrinadores, não se comunica o direito à percepção dos recursos do FGTS. Porém, o Ministro Salomão, ao fundamentar a sua decisão, esclarece que se comunicam tais recursos alterando a legislação específica quando diz que cabe a Caixa Econômica fazer a devida reserva da meação. No mínimo incoerente, no imóvel objeto de partilha manda fazer a partilha proporcional dos recursos utilizados de cada um dos cônjuges e quanto ao saldo remanescente diz que é patrimônio comum.

Se fosse possível fazer a devida reserva da meação, e não o é, pois, a lei específica prevê todos os casos de levantamento e não dispõe sobre reserva.  Se isto fosse possível, com muito mais razão, poderia um credor do trabalhador, após, o devido processo legal solicitar a reserva do seu crédito.

Se a moda pega…

 

 

*Advogada em São Paulo. Sócia fundadora da Harada Advogados Associados. Juíza arbitral pela Câmara do Mercosul. Autora da obra Coletânea de artigos de direito civil, Rideel, 2011.  Ex Inspetora Fiscal da Prefeitura de São Paulo. E-mail: felicia@haradaadvogados.com.br

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