Como se sabe, a Constituição de 1988 cindiu o Imposto Sobre Transmissão de Bens imóveis e de Diretos a ele Relativos, inserindo na competência municipal a transmissão inter vivos e a título oneroso, de um lado, e de outro lado, inserindo na esfera de competência dos Estados a transmissão causa mortis de bens imóveis e de direitos a ele relativos, bem como acrescendo a tributação da doação de bens de qualquer natureza, sejam bens imóveis ou móveis, corpóreos ou incorpóreos, ou semoventes.
Dessa forma, surgiu uma controvérsia antes inexistente, sempre que se tratar de doação com encargo. Qual o imposto incidente no caso? ITCMD ou ITBI? Por ora, não há julgados a respeito. Analisemos a matéria.
A doação é um contrato bilateral caracterizado por liberalidade condicionada ou não de uma das partes – o doador – que transfere com a concordância de outra – o donatário – bens ou vantagens de seu patrimônio.
Na hipótese de doação pura ou incondicionada nenhuma dúvida pode restar quanto à incidência do ITCMD qualquer que seja o objeto da doação: dinheiro, título, imóvel, direito de crédito, veículo etc.
Dúvida surge quando se tratar de doação com encargo. Algumas leis estaduais, como a do Estado de São Paulo inclui expressamente na esfera de tributação pelo ITCMD a doação com encargo (§ 3º, do art. 2º da Lei nº 10.705/00). Esse fato, evidentemente, por si só, não afasta a controvérsia. Tanto é que existem inúmeras leis municipais autorizando o Executivo a doar terrenos com encargo para construção de conjuntos habitacionais ou de creches, mediante dispensa da cobrança do ITBI. A sua dispensa expressa está a significar que a operação referida – doação com encargo – submete-se à tributação pelo ITBI, do contrário a sua dispensa seria desnecessária. Uma das regras da hermenêutica é a de que na lei não existem dispositivos ou palavras inúteis.
Não há, ainda, posicionamento definitivo da doutrina sobre esse assunto. Mauro Luís Rocha Lopes sustenta que na doação com encargo incide apenas o ITBI se o ônus atinente ao encargo for proporcional ao valor do bem transmitido, hipótese em que o contrato de doação assume a característica onerosa.[1]
No nosso entendimento na doação com encargo incide apenas o ITCMD. Não nos impressiona o exemplo da doação do terreno com o encargo de construir creches ou unidades habitacionais, porque o donatário adquire a propriedade do terreno de forma gratuita. Conforme escrevemos, “na doação com encargo haverá apenas incidência do ITCMD, porque o caráter de liberalidade permanece ainda que de forma restritiva”.[2]
Contudo, somente a jurisprudência poderá dirimir de forma definitiva essa questão controvertida.
SP, 6-4-15.
* Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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