Em poucas palavras 120

Em poucas palavras 120

Em poucas palavras 120 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.

A trapalhada reforma do IR

Nunca um projeto legislativo foi marcado por tantas confusões como este de nº 2.337/21 que reformula a legislação do Imposto de Renda.

O que era para apenas corrigir a tabela progressiva do IRPJ transformou-se em monstruoso projeto com 68 artigos contendo nada menos que 44 normas revogadas somente identificáveis com o auxílio de uma lupa. Difícil saber o que foi retirado e o que foi acrescido, não permitindo a visão panorâmica da legislação do IR.

Os interesses corporativistas dos servidores da Receita Federal tornaram o projeto bastante caótico plantando a semente da destruição do regime do lucro presumido que gerava ZERO de contencioso. Era preciso acabar com essa calmaria que não serve para valorizar a atuação dos agentes da Receita.

Daí a legislação caótica proposta que irá forçar a migração das empresas para o regime do lucro real, aonde os instrumentos normativos de menor hierarquia (Pareceres Normativos, Instruções Normativas, Portarias, Atos Declaratórios Interpretativos, Soluções de Consultas etc.) poderão espalhar o terror tributário.

Depois da retirada dos incentivos fiscais com prazo certo; da abolição dos benefícios do vale-refeição; da revogação da isenção do IR dos dividendos distribuídos pelas empresas do SIMPLES, o Relator está propondo o aumento da compensação financeira (art. 20, § 1º da CF) incidente sobre a exploração de recursos minerários, atingindo as mineradoras do país que estavam se recuperando dos efeitos da pandemia.

Esse atabalhoado projeto que veio à luz no pior momento econômico é uma usina de inconstitucionalidades e de problemas que espalha a insegurança jurídica na legislação do Imposto de Renda. É o avanço do retrocesso. Só faltou prescrever o retorno das declarações do IR em papel.

Presidente Bolsonaro na mira do TSE e do STF

Como decorrência dos ataques ao sistema de eleição por meio de urnas eletrônicas proferidos pelo Presidente Jair Bolsonaro, o Presidente do TSE, Min. Luís Barroso, na abertura da sessão judiciária no segundo semestre de 2021, propôs a abertura de inquérito administrativo contra o Presidente para investigar eventuais abusos de poder político e econômico praticados tendo sido aprovada a proposta por unanimidade dos Ministros da Corte Eleitoral.

As conclusões do inquérito poderão ensejar a propositura de ação por improbidade administrativa contra o Presidente que poderá, por sua vez, redundar em perda do mandato e suspensão de seus direitos políticos por 8 anos.  Contudo, não é provável que isso venha a ocorrer, pois a punição dependerá de trânsito em julgado da decisão condenatória. A Lei de Ficha Limpa, igualmente, depende de condenação em segunda instância para tornar inelegível o acusado.

Pelas mesmas razões o Presidente do TSE propôs a apresentação de notícia-crime ao Ministro Alexandre de Moraes que preside o inquérito para apuração das fakes news. A proposta foi aprovada por unanimidade e feito o seu encaminhamento ao STF.

O Ministro Alexandre de Moraes já mandou instaurar investigação contra o Presidente Bolsonaro para apurar possíveis 11 crimes a ele atribuídos. Com isso a tensão entre os dois Poderes vai se agravando.

CARF analisa 45 propostas de Súmula

Das 45 propostas de Súmulas a serem analisadas pelo Plenário do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) onze delas versam sobre precedentes favoráveis ao fisco como decorrência de voto de qualidade em reiteradas decisões nos colegiados.

Ora, se houve empate em várias ocasiões sobre a mesma matéria e que foi decidido por voto de qualidade a favor do fisco não é o caso de sumular, pois esses empates estão a demonstrar que a matéria não está nada pacificada.

Pelas normas em vigor (art. 28 da Lei nº 13.988/2020) em caso de empate prevalecerá a tese que for favorável ao contribuinte. Passou-se de um extremo a outro.

Contudo, esse dispositivo que suprimiu o voto de qualidade foi objeto de ADIs nºs 6.399, 6.403 e 6.415. O Ministro Marco Aurélio, relator do processo entendeu que a lei questionada padece de abuso do poder de emenda, pela prática de “contrabando legislativo” popularmente conhecida por Jaboti.

Entretanto, o Ministro Marco Aurélio afastou o vício material porque no seu entender a lei impugnada não criou o voto de qualidade em benefício do contribuinte; apenas definiu que, se não há maioria no colegiado do CARF, não se tem confirmado o lançamento do tributo.

Diante desse quadro jurisprudencial ainda indefinido entendo prematuro sumular precedente decidido por voto de qualidade.

Dispensa de certidão negativa na homologação da recuperação judicial

Como se sabe, na vigência da Lei nº 11.101/2005 em sua versão original que exigia a certidão negativa de tributos como condição para a homologação da recuperação judicial a jurisprudência do STJ manifestou o entendimento de que tal providência não era obrigatória (RESP nº 1.802.034).

Com o advento da Lei nº 14.112/2020 era de se esperar que aquela exigência fosse revogada. Mas, não. Ela foi mantida e em seu lugar preconizou o parcelamento especial do débito tributário, sempre dependente da vontade do legislador de cada esfera política.

Faltou sensibilidade jurídica ao legislador que manteve a sanção política contra o devedor de tributo, passando por cima da elevada função político-social da empresa, geradora de empregos e de tributos.

Entretanto, baseado no precedente do STJ, a juíza Clarice Ana Lanzarini, da Vara Comercial da Comarca de Brusque (SC), concedeu recuperação judicial à empresa Vínculo Basic, dispensando a apresentação de Certidão Negativa de Débitos Tributários.

Sustentou a ilustre magistrada que “além da exigência contrariar o processo de soerguimento da empresa, as fazendas públicas não se encontram impedidas de buscar tais créditos de forma independente”.

Realmente, se o processo de recuperação não suspende as execuções fiscais, o correto é permitir que a empresa devedora discuta perante o Judiciário a validade ou não dos créditos tributários no bojo do executivo fiscal, e não obrigar a empresa a quitar tais créditos abrindo mão de contraditório e ampla defesa, aderindo ao regime de parcelamento que implica desistência de qualquer impugnação do crédito tributário.

Hierarquia dos tratados e convenções internacionais

Como decorrência da globalização, os tratados e convenções internacionais passam a ter grande importância no direito tributário interno, tendo em vista a sua posição hierárquica. Segundo o art. 5º, § 2º, da CF os direitos e garantias fundamentais decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que faça parte o Brasil têm status de norma constitucional.

Os direitos e garantias decorrentes de tratados têm a mesmíssima hierarquia de norma constitucional, portanto, igualmente protegidos por cláusula pétrea.

 Trata-se de preceito constitucional de natureza aberta a não permitir vislumbrar, de pronto, quais seriam esses direitos e garantias fundamentais. É certo, porém, que esse § 2º do art. 5º da CF amplia o bloco de constitucionalidade à medida que forem sendo aprovados os tratados internacionais pela forma prevista na Constituição Federal.

Todavia, por longos anos vigorou a jurisprudência que equiparava os tratados e convenções internacionais à lei ordinária geral. São conhecidos todos os julgados em torno da aplicação do Dec.-lei nº 911/1969[1] prevalecendo sobre o Pacto de São José da Costa Rica, que proíbe a prisão por dívidas.

Em 2004, talvez em função da jurisprudência da Corte Suprema, sobreveio a EC nº 45/2004 introduzindo o § 3º ao art. 5º da CF para prescrever que tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos aprovados, em dois turnos, por três quintos dos votos nas duas Casas do Congresso Nacional, são equiparados às emendas constitucionais. Essa emenda já provocou mudança na jurisprudência da Corte Suprema. Antes dela, entretanto, o STF, em matéria tributária, tendo em vista o disposto no art. 98 do CTN, já vinha se pronunciando pela prevalência das normas decorrentes de tratados aprovados pelo Brasil sobre as normas da legislação interna.[2]

Na verdade, essa Emenda representa um tiro no pé, pois contraria frontalmente o disposto no parágrafo antecedente que, com lapidar clareza, equipara as normas de tratados internacionais às normas da Constituição Federal.

Por Kiyoshi Harada

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[1]      RE nº 200.385/RS, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 6-2-1998, p. 38.

[2]      RE nº 114.063/SP, rel. Min. Aldir Passarinho, DJ de 31-5-1991, p. 7239; ADIN nº 1.600/DF, rel. Min. Sydney Sanches, rel. para acórdão Min. Nelson Jobim, DJ de 20-6-2003, Ata nº 19/2003.

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