Em poucas palavras 126

Em poucas palavras 126

Em poucas palavras 126 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.

Divergências políticas entre o governo federal e o governo estadual prejudicam o programa nacional de vacinação

Desde o início da pandemia instaurou-se um clima de divergência na campanha de vacinação entre o governo estadual de João Dória, e o governo federal, por razões puramente políticas.

A situação se agravou com a decisão do STF assegurando a autonomia aos estados e municípios para adotarem as medidas de isolamento social. O discurso “fique em casa” repetido pelo governador incomodou muito o Presidente Bolsonaro, bastante preocupado com a deterioração da economia.

O governo estadual sempre fez questão de ser o primeiro a aplicar a primeira dose da vacina; o primeiro a aplicar a 2ª dose; e o primeiro a aplicar a 3ª dose, para ganhar visibilidade na mídia.

Nunca obedeceu ao calendário nacional de vacinação, como se o Estado fosse autossuficiente em vacinas.

Como resultado, várias cidades do Estado estão sem vacinas para aplicar a segunda dose, porque foram aplicadas todas elas na conclusão da primeira etapa, antecipando-se ao calendário nacional.

Agora o governo de São Paulo ameaça ir à Justiça para obter do Ministério da Saúde 1 milhão de doses que o Ministério nega estar de débito.

Enquanto o Estado de São Paulo depender das vacinas importadas e distribuídas pela União deve-se sujeitar, por óbvio, ao calendário nacional de vacinação sob pena de gerar um caos.

Aplicação da teoria da imprevisão em relação à empréstimos em moeda estrangeira em razão da variação cambial

Como se sabe, o que enseja a aplicação da teoria da imprevisão é a superveniência de um fato inesperável e imprevisível que torna o contrato excessivamente oneroso para uma das partes.

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça vai julgar, em sede de embargos de divergência, se a teoria da imprevisão é aplicável para o caso da variação cambial brasileira de 1999, em relação a empréstimos em moeda estrangeira.

No caso julgado, o fato apontado é a desvalorização do Real quando o Banco Central passou a operar em regime de câmbio flutuante, em janeiro de 1999. A medida afetou empresas que tinha empréstimo em dólar, pois suas dívidas cresceram muito rapidamente.

No processo sob discussão há opiniões divergentes de pareceristas. O Ministro aposentado do STJ, Sidney Benetti é favorável à aplicação da teoria da imprevisão. O jurista Arnoldo Wald consignou parecer em sentido contrário. Para ele a variação cambial não é um evento imprevisível e excepcional. Além disso, não gera “extrema vantagem” à instituição financeira. E mais, segundo o seu entendimento, a alteração na cotação da moeda é risco inerente ao negócio, assumido pelo devedor ao contratá-lo.

O Relator o EREsp nº 1.447.624 é o Ministro Mauro Campbell.

Direito dos cães sob julgamento no STF

O Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 640, no dia 10-9-2021, proposta pelo Partido Republicano da Ordem Social (Pros) em relação à interpretação que vem sendo conferida aos artigos 25, parágrafos 1º e 2º, e 32 da Lei 9.605/1998, bem como aos artigos 101, 102 e 103 do Decreto 6.514/2008, por parte de órgãos judiciais e administrativos, de modo a possibilitar o abate de animais apreendidos em situação de maus-tratos.

A autora da ADPF sustenta que a prática vigente, ao invés de proteger os animais apreendidos em situação de maus-tratos, permite a crueldade, desrespeitando a integridade e a vida dos animais. Ingressaram como amicus curiae a Rede de Mobilização pela Causa Animal, a associação civil Princípio Animal e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

O relator da ADPF nº 640, ministro Gilmar Mendes, já havia concedido medida cautelar para determinar a suspensão de todas as decisões administrativas ou judiciais, em âmbito nacional, que autorizem o sacrifício de animais apreendidos em situação de maus-tratos.

 Em seu voto na sessão virtual, Gilmar Mendes sustentou que a Constituição, em seu artigo 225, parágrafo 1º, VII, expressamente impõe a proteção à fauna proibindo condutas que coloquem em risco sua função ecológica, que provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade.

A Declaração Universal dos Direitos dos Animais considera todo animal como sujeito de direitos e que nenhum pode ser submetido a maus-tratos. Mas, por conveniência da humanidade, os gados podem ser abatidos sob diversas formas e ter o seu corpo esquartejado e retalhado para o consumo. Na França, conhecida pela produção de “patê de ganso”, os gansos são pendurados pelo pescoço e alimentados continuamente através de um cone, para provocar o inchaço do fígado. Quando o fígado estiver suficientemente crescido a ave é abatida para a produção do conhecido patê. Não se vê qualquer manifestação da sociedade nacional ou internacional contra essa prática bárbara.

PEC de Precatórios da União

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, na sessão do dia 16-9-2021, por 32 votos conta 26 votos, a admissibilidade da chamada PEC que institui a moratória dos Precatórios.

Pela proposta em discussão, até o ano de 2029, os precatórios com valor acima de 60 mil salários mínimos, ou R$ 66 milhões, poderão ser quitados com entrada de 15% e nove parcelas anuais.

É lamentável que o governo federal, pela vez primeira, nesta confusa e tumultuada gestão financeira conduzida pelo Ministro Paulo Guedes tenha lançado mão do calote de precatórios da ordem de R$89 bilhões previstos para o exercício de 2022. Bastaria tão somente deixar de ser inadimplente, de um lado, para evitar condenações judiciais, e de outro lado, cessar os costumeiros desvios de recursos financeiros por meio de atos corruptivos, às vezes, disfarçados em Emendas do Relator (RP9).

A União, até agora, era o único ente federativo que vinham dando exato cumprimento às decisões da justiça.

Elaborar uma PEC para descumprir sentença judicial transitada em julgado é o mesmo que esvaziar a função jurisdicional do Estado em sua fase mais importante destinada a conferir efetividade à decisão definitiva a favor do precatorista.

A PEC sob exame viola em bloco os direitos e garantias fundamentais representados por direitos adquiridos, ato jurídico perfeito e coisa julgada, além de atentar contra o princípio da universalidade da jurisdição.

Precatórios. Calote do calote

Como se sabe a EC nº 30/2000, que decretou a moratória dos precatórios promovendo parcelamento para pagamento no prazo de dez anos, dispôs que as parcelas não pagas ensejam sequestro de rendas da entidade política devedora.  O texto é de uma clareza lapidar não ensejando qualquer tipo de interpretação em sentido contrário.

Pois bem, o Ministro Edson Fachin, Relator do RE nº 597.092, proferiu voto deferindo o seqüestro de rendas do Estado do Rio de Janeiro.

Entretanto, o Ministro Gilmar Mendes, alegando que a questão dos precatórios ganhou uma importância muito grande na atual situação fiscal do país, referindo-se ao tratamento a ser dado pelo Congresso Nacional aos precatórios da União no montante de R$89 bilhões, pediu vista do processo interrompendo o julgamento.

Com a devida vênia, não tem nada a ver uma situação com a outra. O fato de a União estar buscando uma forma de dar calote no precatório de 2022 não justifica calotear o pagamento de parcelas decorrentes do anterior calote constitucional. O Ministro Gilmar Mendes quer ir além do texto constitucional que instituiu o calote constitucional.

SP, 20-9-2021

Por Kiyoshi Harada

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