Em poucas palavras 147 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.
Condenado por twitar contra branca. Existe racismo reverso?
Desde que Risério publicou artigo na Folha versando sobre o racismo de negros contra brancos, o tema ganhou espaço na mídia.
A juíza Fabiana Calil Canfour de Almeida, da 1ª Vara Cível do Foro Central de Americana, condenou uma mulher negra a pagar uma indenização por danos morais de R$ 5 mil por postar que não foi contratada em uma boutique devido à cor da sua pele. O processo foi movido pela dona da boutique que leva o seu nome.
A mulher teria feito o seguinte comentário no Twitter: “acabei de ver uma publicação de uma loja daqui de Americana. dos patrões com os funcionários e agora entendi pq mesmo mandando vários currículos nunca consegui trabalhar lá kkkkkkk só brancos”. Ao ser perguntada sobre qual loja ela se referia, a mulher acabou postando o nome da boutique logo abaixo. Daí a condenação. É a negra tentando discriminar a branca!
Justiça on line
A pandemia obrigou a Justiça a realizar os atos processuais por meios virtuais. Os julgamentos são feitos por meio de videoconferência, assim como as sustentações orais das partes.
Episódios pitorescos e, às vezes, constrangedores tem ocorrido na prática desses atos processuais por descuido de seus participantes que se esquecem de desligar o microfone quando não estiverem com a palavra.
Assim tivemos episódios de um Ministro do STJ comentar com seu colega a respeito da Ministra da Corte que estava votando. O comentário ofensivo dizia: “essa velha eu não aguento mais”. Em ouro caso uma promotora de justiça depois de interromper reiteradas vezes a fala dos advogados chamou-os de “bostas”.
Outros episódios gravados demonstram o desleixo dos profissionais: advogado fazendo sustentação oral deitado em uma rede; desembargador proferindo voto de cuecas; outro deixando escapar um ruído debaixo do assento; outro ainda ajeitando a tela da biblioteca que despencou quando se preparava para ingressar na sessão de julgamento etc. Depois desse episódio passei a prestar atenção nas lives gravadas em suntuosas bibliotecas onde aparecem livros enormes e coloridos como que desenhados por um profissional da pintura.
STF livra a Petrobras da condenação trabalhista de R$ 47 bilhões
No dia 14-2-2022 a Primeira Turma do STF formou maioria para prover recurso da Petrobras na maior ação trabalhista que causaria um impacto da ordem de R$ 47 bilhões.
No recurso extraordinário originário do Tribunal Superior do Trabalho, onde a estatal havia perdido a demanda por 13 votos contra 12 no plenário daquela Corte, discutia-se ocálculo da remuneração acertado em um acordo coletivo de 2007, chamado de Remuneração Mínima por Nível e Regime (RMNR), e que vinha sendo aplicado pela empresa. No entender do TST o acordo não teria suprimido ou reduzido os direitos trabalhistas.
Entretanto, no entender do Ministro Alexandre de Moraes o acordo coletivo foi precedido de “franca negociação” com os sindicatos no estabelecimento da RMNR. Assim dava provimento ao recurso para restabelecer a sentença de primeiro grau encampada pelo Tribunal Regional local.
Esse voto foi acompanhado pelo Ministro Dias Tóffoli, igualmente, acompanhado pela Ministra Rosa Weber, formando-se a maioria na 1ª Turma. O Ministro Roberto Barroso declarou-se suspeito (RE 1.251.927).
A estatal sempre tem muita sorte nos julgamentos perante a Alta Corte de Justiça do País, inclusive, em questões tributárias.
Epidemia de emendas
A Câmara dos Deputados aprovou a PEC originária do Senado Federal que isenta as igrejas e templos do pagamento de IPTU relativo a imóveis alugados.
Os dois turnos de votações ocorreram no inusitado intervalo de apenas 40 minutos. É a bancada dos evangelhos que tomou uma boa parte do espaço no Congresso Nacional. Segue, agora, para sua promulgação.
Trata-se de uma medida desnecessária que apenas banaliza as emendas, pois o STF de há muito já havia definido o alcance e conteúdos da imunidade dos templos de qualquer culto para abrigar a imunidade de imóveis alugados pelas igrejas, desde que o produto de sua arrecadação seja revertido para a finalidade do culto.
Enquanto emendas da espécie são promulgadas a toque de caixa, as propostas de emendas efetivamente necessárias para trazer segurança jurídica continuam dormitando nos escaninhos do Congresso Nacional durante décadas.
O mesmo acontece no campo das reformas necessárias que não saem do papel, enquanto as inúteis e até mesmo perniciosas são celeremente aprovadas pela Casa Legislativa.
Inconstitucionalidade da modulação de efeitos em matéria tributária
Tornou-se rotineira no STF a modulação de efeitos em matéria tributária para que o entendimento firmado acerca da inconstitucionalidade do tributo seja aplicado apenas a partir da declaração de inconstitucionalidade, ressalvados os casos de ações ajuizadas anteriormente à data do julgamento.
Ora, a decretação de inconstitucionalidade tem natureza meramente declaratória, isto é, gera efeito ex tunc. Um tributo não se torna inconstitucional em determinado momento, mas, sempre desde o início.
Esse efeito prospectivo viola o princípio da isonomia, separando os contribuintes com direito à repetição e aqueles que não farão jus à repetição: quem pagou pago fica sendo, quem não pagou não precisa mais pagar.
Incentiva, de um lado, a judicialização por parte dos contribuintes e, de outro lado, a instituição de tributos sem observância dos princípios constitucionais tributários, para arrecadar os tributos viciados enquanto não pronunciada a sua inconstitucionalidade, valendo-se a morosidade do Judiciário.
SP, 21-2-2022.
Por Kiyoshi Harada