Em poucas palavras 15

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Kiyoshi Harada 

Jurista e Professor

 

Reforma tributária atabalhoada

Tramitam perante a Câmara dos Deputados duas propostas de Reforma Tributária: a PEC n٥ 193-A/04, cujo Relatório já foi aprovado na Comissão Especial de Reforma Tributária no apagar das luzes da sessão legislativa antecedente, e a PEC n٥ 45/19 que já mereceu parecer favorável na CCJ da Câmara Federal. Provavelmente as duas PECs serão apensadas no futuro.

E o governo está elaborando uma terceira proposta que fatia as duas primeiras, resultando igualmente em uma proposta que desfigura a Federação Brasileira e torna bastante complexo e dúbio o Sistema Tributário Nacional vigente, porque seus autores partiram da premissa de que simplificar o Sistema significa, tão somente, diminuir a quantidade de tributos, incorrendo em erro crasso de primeira grandeza.

Difícil saber qual delas é a pior. Todas elas colocam o atual Sistema Tributário Nacional de cabeça para baixo, destruindo tudo que existe de bom em termos de doutrina e jurisprudência, pacientemente construídas ao longo desses 31 anos, para começar tudo de novo, quer seja, as intermináveis discussões que o novo Sistema, com toda certeza, trará. Faz-me lembrar da histórica figura de Átila, rei dos hunos; por onde ele passava nem erva daninha nascia mais. Só de pensar no Imposto sobre Operações de Bens e Serviços – IBS -, fruto de fusão de tributos federais (impostos e contribuições sociais) com impostos estaduais e municipais, de competência legislativa da União, causa-me arrepios. Esse conceito tem por limite o céu! Qual o seu fato gerador? Ninguém sabe! É tarefa da doutrina e da jurisprudência (que pode levar 10, 20, 30 ou 50 anos) pacificar o seu conceito. O conceito de ICMS levou mais de duas décadas, e até, hoje há algumas decisões conflitantes em seu torno.

Reforma Tributária não é algo que possa ser feita por curiosos do Direito, nem pelos cientistas do Direito que vivem de experimentos jurídicos para ver o que dará certo e o que dará errado. Conviver com longos 15 anos com dois sistemas completamente diferentes, além de implicar visível aumento da carga tributária, irá burocratizar demais o cumprimento das obrigações tributárias que atualmente consomem 2.600 horas anuais de trabalho dos empresários. É preciso legislar com muito senso de responsabilidade, sob pena de impor à sociedade um custo muito caro só para satisfazer a vaidade de alguns.

Reforma Tributária há de ser conduzida por quem conhece em profundidade, não apenas o Sistema Tributário muito bem estruturado na Constituição, como também, tenha vivência prática capaz de detectar as virtudes do Sistema atual que devem ser preservadas, e os seus defeitos que devem ser eliminados, assim como, por pessoa que tenha uma visão global dos conflitos jurisprudenciais de nossos tribunais, para saber diagnosticar a causa ou causas dessas decisões tão díspares e conflitantes. Tudo isso não é trabalho de cientistas do Direito, distantes do mundo da realidade, muito menos de curiosos. Reforma não se faz com vaidades, mas, com verdades. Nenhuma preocupação de marcar passagem na história deve influir na discussão e aprovação desta ou daquela proposta de autoria deste ou daquele Deputado Federal ou de um profissional qualquer.

Da forma como está sendo conduzida a Reforma Tributária, se aprovada vai gerar aumento, não só da carga tributária, com também irá decuplicar os conflitos jurisprudenciais, redundando ao final na elevação do custo Brasil.

 

Tributação por dentro 

Todos os tributos indiretos (ICMS, ISS, IPI, Contribuições Sociais) são tributados por dentro, isto é, o valor do imposto é incluído em sua base de cálculo. Em outras palavras, o tributo incide sobre si próprio.

Para saber o montante do tributo embutido no preço das mercadorias e serviços é preciso fazer um complicado cálculo por dentro. No caso do ICMS, o cálculo por dentro demonstrará o valor do imposto que corresponde exatamente à alíquota real de 21,95% e não à alíquota nominal de 18% destacado na nota fiscal.

O STF julgou constitucional esse tipo de tributação por dentro (RE nº 212.209/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 14-2-2003). Porém, no que se refere à inclusão do valor do ICMS na base de cálculo do PIS-COFINS considerou inconstitucional, porque o imposto não corresponde a uma mercadoria a ser faturada (RREE nºs 240.785, 559.607 e 574.706, este último sob a sistemática de Repercussão Geral). Essa tese se alastrou para outros tributos a fim de excluir o ISS da base de cálculo do PIS-COFINS e excluir o valor da contribuição social da sua própria base de cálculo. De fato, assim como o ICMS não é uma mercadoria, como sustentado pelo STF, a contribuição social também não o é, devendo ser excluído da base de cálculo do tributo que tem por fato gerador o faturamento.

Na verdade, a tributação por dentro passou a ser inconstitucional a partir do advento da EC nº 33/01 que reservou essa modalidade de tributação apenas em relação ao ICMS, conforme se verifica da letra i, do inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF:

 

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transportes…

  • 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

XII – cabe à lei complementar:

  1. fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.”

 

Depreende-se dos textos retro transcritos que apenas o ICMS está excepcionado da vedação de incidência sobre si próprio, quer nas operações internas, quer nas operações procedentes do exterior. O § 1º, do art. 13 da Lei Complementar nº 87/96 que determina a incidência do imposto sobre “o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para os fins de controle” acha-se recepcionado pela citada Emenda nº 33/01.

Portanto, se o STF alterar a sua jurisprudência e coibir a tributação por dentro, com exceção do ICMS que tem matriz constitucional, contribuirá para por fim às infindáveis ações judiciais em curso e com perspectiva de sua decuplicação a médio prazo.

 

Prisão preventiva: dois pesos e duas medidas 

Interessante verificar que quando começaram as investigações contra o ex Presidente Lula levantou-se um verdadeiro clamor popular pela sua prisão. Houve passeatas nas ruas de São Paulo. Caricaturas do ex Presidente com roupa de presidiário foram divulgadas pela mídia.

Mas, a prisão preventiva não foi decretada, nem após sua condenação em primeira instância. Somente após condenação em segunda instância é que o ex Presidente passou a cumprir a pena imposta.

No caso do ex Presidente Temer houve decretação de prisão preventiva no curso da investigação policial. Foi liberado por meio de liminar concedido pelo Relator nos autos HC impetrado junto ao TRF2.       Entretanto, no julgamento do mérito, contra voto do Relator, foi restabelecida a prisão preventiva. Alegou-se atendimento ao desejo de justiça da sociedade, necessidade de dar um exemplo e outros argumentos que nada têm de jurídico.

A decisão do TRF2 foi revertida pelo STJ, cujos Ministros deram uma verdadeira aula de como deve atuar o juiz que deve se despir de conceitos ou considerações filosóficas, moralistas, justicialistas etc. devendo obediência tão somente aos textos legais. Não é função do juiz fazer justiça, nem zelar pela moralidade, mas apenas aplicar a lei vigente, sentenciaram os Ministros do STF no que estão certíssimos. Somente a lei nos traz a necessária segurança jurídica.

Os dois episódios bem ilustram o que está no título deste sucinto artigo.

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