Em poucas palavras 154 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.
Foro privilegiado cruzado
Como se sabe, o STF reservou o foro privilegiado apenas para o crime cometido no exercício do cargo e em razão da função ocupada, com o único escopo de proteção funcional, e não para assegurar privilégio pessoal (AP nº 937).
No entanto, no julgamento da questão de ordem na AP nº 937, Relator Ministro Edson Fachin, o Plenário da Corte, na sessão do dia 3-4-2022, decidiu que a prerrogativa de foro se aplica aos casos de mandatos cruzados, desde que não tenha havido interrupção de mandato no exercício de um e de outro cago.
Exemplificando, um Senador que cometeu crime no exercício de seu cargo poderá continuar com o foro privilegiado se for eleito Deputado Federal e entrar em exercício do novo cargo sem interrupção.
Essa decisão foi tomada, por maioria, contra votos dos Ministros Roberto Barroso e Rosa Weber para que o foro privilegiado só é reservado para o caso de crimes cometidos no exercício do cargo e durante o mandato.
De fato, no caso não há que se falar em privilégio pessoal, pois, tanto o Senador, como o Deputado Federal, apesar da diversidade de cargos, exercem a mesma função legislativa.
Resta saber se esse novo entendimento do STF terá ou não aplicação em relação ao Senador Flávio Bolsonaro que está sendo processo pelo TJRJ pela infração praticada quando exercia o cargo de Deputado Estadual.
Procurador Geral da Republica impugnou por meio de 25 ADIs as legislações estaduais do ICMS que fixam alíquotas do ICMS sobre energia elétrica e telecomunicações em percentual superior à alíquota geral
Essas legislações atentam contra o princípio da seletividade das alíquotas em função da essencialidade de bens e serviços que se acha inserido no inciso III, do § 2º, do art. 155 da Constituição.
No geral, os Estados vêm cobrando com uma alíquota média de 25%, sendo que em alguns Estados essa alíquota chega a mais de 30%, buscando arrecadar mais onde é mais fácil e mais rendoso, contrariando ostensivamente o princípio da razoabilidade.
As ações ajuizada pelo Procurador Geral da República são as seguintes: ADIs 7108 (PE), 7109 (MS), 7110 (PR), 7111 (PA), 7112 (SP), 7113 (TO), 7114 (PB), 7115 (MA), 7116 (MG), 7117 (SC), 7118 (RR), 7119 (RO), 7120 (SE), 7121 (RN), 7122 (GO), 7123 (DF), 7124 (CE), 7125 (ES), 7126 (AP), 7127 (PI), 7128 (BA), 7129 (AM), 7130 (AL), 7131 (AC) e 7132 (RS).
Possível questionamento das alíquotas uniformes para os combustíveis
Como se sabe, a Lei Complementar nº 192/2022 determinou que os Estados, por meio do Confaz, estabeleçam a incidência monofásica do ICMS nas operações com combustíveis fixando uma alíquota uniforme ad rem.
Os Estados já implementaram essa medida por meio do Convênio ICMS nº 16/2022, fixando a alíquota ad rem de R$1,0060 para o diesel S 10, o mais utilizado.
Essa alíquota uniforme determinada pela lei complementar tem amparo no inciso IV, do § 4º, do art. 155 da CF, parágrafo esse acrescido pela EC nº 33/2001.
Acontece que as atribuições da lei complementar para a edição de normas gerais em matéria de legislação tributária abarcam apenas a definição de fato gerador de impostos previstos na Constituição, a base de cálculo e os contribuintes (art. 146, III, a da CF).
A definição de alíquotas ficou reservada à ação do legislador ordinário de cada ente da Federação que mensurará o aspecto quantitativa do fato gerador de acordo com a suas necessidades financeiras.
Daí a possibilidade de eventual impugnação dessa alíquota uniforme imposta a todos os Estados, muito embora, a matéria parece não ter, à primeira vista, uma vinculação direta com a cláusula pétrea. Mas, lembro-me da ADI nº 936 em que o STF declarou a inconstitucionalidade da tributação pelo então IPMF das aplicações financeiras dos Estados, sob o fundamento de que essa tributação tende a enfraquecer a autonomia dos Estados assegurado no art. 18 da CF.
Advogados condenados a pagar indenização por perda de chance no STJ
Como se sabe, a teoria da perda de chance determina a responsabilização civil de quem, de forma intencional ou não, retira de outras pessoas a oportunidade de obter certo benefício.
Com base nessa teoria a 3ª Turma do STJ condenou três advogados de uma banca a indenizar os clientes em R$500.000,00 por terem deixado um processo tramitar à revelia, o que resultou na condenação deles ao pagamento de uma indenização de R$1 milhão (Resp nº 1.877.375, Rel. Min. Nancy Andrighi).
O caso é o seguinte: A banca de advocacia havia sido contratada para promover a defesa na ação de prestação de contas. Os advogados deixaram de habilitar nesse processo deixando, inclusive, de recorrer da primeira fase da ação de prestação de contas e de apresentar impugnação no âmbito da segunda fase e de se manifestar sobre a perícia realizada, conforme dito pela Relatora do processo.
A banca justifica que não se habilitou no processo por ignorar que a ação estava em curso, porque a contratação da defesa teria ocorrido com um ex integrante da banca de advocacia, de forma individual, sem comunicação do fato à banca. Sustentam, também, que o recurso não deveria ter sido admitido no STJ por não reunir os requisitos processuais necessários (uma da decisão citada é de um voto; em outro, o número do processo não existe; no seguinte, não há data de julgamento) e que somente tiveram conhecimento do processo após a condenação dos atuais integrantes da banca, situação esta a ser colocada nos embargos declaratórios que pretendem interpor. Declaram os advogados condenados que se persistir a indenização imposta ingressarão com ação de regresso contra o ex integrante da banca que nada comunicou aos advogados remanescentes acerca dos fatos.
O exame da admissibilidade havia sido postergado para outro momento, o que não é usual na Corte que se caracteriza pelo uso de jurisprudência defensiva.
União provisiona R$1 trilhão para pagar as condenações judiciais
Dados constantes do Balanço Geral da União revelam que a reserva contábil para pagamentos de condenações judiciais deu um salto de 30,7% entre 2000 e 2021 atingido a marca de R$1.006 trilhão.
Grande parte desse fantástico provisionamento se deve à derrota da União no julgamento do processo que ficou conhecido como tese do século versando sobre exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS-PASEP/COFINS.
Como se sabe, em demorado julgamento dos embargos declaratórios o Supremo Tribunal Federal fixou o critério para apuração do montante a ser restituído com base no valor do ICMS destacado em cada nota fiscal que, na realidade, configura um destaque para meros fins fiscais. O ICMS realmente embutido na base de cálculo dessas contribuições sociais é bem menor impondo-se um cálculo por dentro para apurar o seu exato valor, uma operação que demanda tempo e conhecimentos técnico-contábeis.
O curioso nisso tudo que todos os tributos indiretos, por estarem embutidos nos preços, quem paga são os consumidores, e não as empresas que simplesmente repassam por meio do fenômeno da repercussão econômica.
Dessa forma, nessa tese do século, os empresários pegam de volta aquilo que não pagaram, pois, a decisão do STF não atentou para o disposto no art. 166 do CTN que exige, como condição de restituição de tributo indireto, a prova de que não repassou ao consumidor o encargo tributário.
SP, 11-4-2022.
Por Kiyoshi Harada