Kiyoshi Harada
Jurista e Professor
Prolixa Reforma da Previdência
O governo desarticulado está perdendo a batalha para emplacar a PEC nº 6/19 tal como apresentado para poupar trilhões. A cada oposição do Congresso Nacional, o governo vem cedendo nos pontos mais criticados, diminuindo esses trilhões. Já se fala em proposta alternativa elaborada pelo Centrão. Ainda que seja mantida a discussão da proposta do governo há sinais indicadores de que haverá modificação na aposentadoria dos trabalhadores rurais, no PBC aos idosos sendo provável, também, a não extensão da reforma nos âmbitos estaduais e municipais. A cada desgaste do governo mais difícil fica a aprovação da Reforma.
O que o autor ou autores dessa audaciosa e prolixa proposta de Reforma, que extrapola os limites da Previdência Social, deixou ou deixaram de examinar é a causa do déficit previdenciário que alcançou a cifra de R$195,2 bilhões no exercício de 2018. Se não se tapar ou diminuir o tamanho do ralo existente no tanque, aumentar o volume de águas para enchê-lo será apenas um paliativo. Os ralos da Previdência, muitos deles, são visíveis até para leigos.
Sem implantar um orçamento autônomo e independente, desvinculado do orçamento da seguridade social, a Previdência Social, com ou sem reforma, continuará deficitária, por conta dos desvios sistemáticos de seus recursos que muitas vezes sequer ingressam em seus cofres.
Exemplo de caos na legislação tributária
Alegando necessidade de simplificar o Sistema Tributário Nacional três propostas de reforma estão em gestação, duas delas já em discussão na Câmara Federal.
Todas elas colocam o atual Sistema Tributário de cabeça para baixo, destruindo tudo aquilo que a doutrina e a jurisprudência construíram ao longo de mais de três décadas. Os teóricos da reforma partem celeremente para um rumo incerto, cujo destino só pode ser o abismo.
A complexidade não está na Constituição, mas na legislação ordinária e nos instrumentos normativos de menor hierarquia (portarias, pareceres, instruções normativas, atos declaratórios interpretativos, circulares, ordens de serviço etc.).
Um exemplo de complexidade da legislação ordinária está na Lei nº 13.670/18 que altera a Lei nº 12.546/11 que instituiu o regime de substituição da contribuição social sobre a folha pela contribuição social sobre a receita bruta – CPRB.
Onde a Constituição prescreveu a substituição gradual de um regime para outro por setores da atividade, a legislação ordinária o fez por produtos, provocando alterações periódicas dos produtos incluídos no regime alternativo. Dentre esses produtos foram incluídas as comercializações com peles de animais sem pelo. Ao que saibamos só temos os jacarés, os lagartos, os batráquios e alguns animais peçonhentos, cujas peles não são passíveis de comercialização, como a pele de uma lesma, ou de uma minhoca, por exemplo.
Essa Lei enumera nada menos que 243 códigos de atividades incluídas no regime da CPRB. Só que é preciso um cuidado especial na leitura desses códigos, possivelmente, com auxílio de uma lupa de última geração, porque esses códigos contêm 14 exceções que, por sua vez, sofrem novas exceções, isto é, não são alcançadas por regras excepcionais.
Esses códigos referidos em vários incisos do art. 8º ocupam uma página inteira do texto legal. É um verdadeiro horror! Difícil saber o que mais encarece: se é o valor do tributo a pagar, ou a tarefa de descobrir os produtos submetidos ao regime alternativo de tributação. Exceção da exceção significa aplicação da regra geral. E exceção da exceção da exceção significa retorno à regra geral seguida de volta para o regime excepcional. Durma com um barulho desses!
Os teóricos da reforma tributária deveriam atentar para esse fato ao invés de agitar a bandeira da simplicidade e partir celeremente para o inevitável e previsível desastre, impondo a todos um custo inestimável.
Pautas do STF
Todos sabem da quantidade enorme de processos que vão parar no STF, sem contar os processos originários. É muito trabalho para apenas onze Ministros. Quanto maior os números de normas constitucionais incorporadas por meio de Emendas aprovadas açodadamente, maior será o congestionamento da Corte Suprema.
Diante desse quadro cabe ao STF eleger prioridades no julgamento de questões submetidas à sua apreciação.
A primeira prioridade é a de pautar os RREE com repercussão geral reconhecida que estão paralisando a atuação de juízes e tribunais regionais e locais.
A segunda prioridade é a de julgar os recursos extraordinários pendentes de longa data, não abrangidos pela repercussão geral, mas, cuja omissão vem provocando insegurança jurídica generalizada a refletir na produtividade econômica, em se tratando de questões tributárias.
Contudo, ao que se verifica no exame de casos sob julgamento há uma predileção da Corte em privilegiar temas polêmicos que dão visibilidade na mídia, como homofobia, transfobia, xenofobia etc.. Esses temas, apesar de dizer respeito a uma minoria da população, o que não significa necessariamente irrelevância do tema, vêm ocupando um bom espaço no apertado tempo disponível da Corte Suprema, consumindo horas de cansativos debates que avançam além dos limites do razoável.
Voto de qualidade no CARF
A Câmara dos Deputados aprovou o PL nº 16064/16 abolindo o voto de qualidade prescrevendo que em caso de empate prevalecerá a tese a favor do contribuinte.
Praticamente deu uma guinada de 180%, pois o voto de desempate a ser dado por Presidente da Turma, que representa a Fazenda Pública, na prática, equivale a proclamar a prevalência da tese que favorece o fisco.
Para superar esse impasse, que decorre da representação paritária do CARF, os Senhores Deputados encontraram uma solução: aplicar o princípio inspirado no Direito Penal, in dubio pro reo ou in dubio contra fiscum.
Assim, “no caso de empate nas deliberações das turmas da CSRF, das câmaras, das suas turmas ou das turmas especiais aplica-se a interpretação mais favorável ao contribuinte, podendo a Procuradoria da Fazenda Nacional ingressar com ação judicial na hipótese de decisão administrativa”.
Criou-se a inusitada figura de ação judicial a ser intentada pela União contra decisão proferida por seu órgão administrativo sempre que lhe for contrária. Rompeu-se o princípio da vinculação da administração a seus próprios atos, desqualificou-se o CARF como órgão julgador na instância administrativa, sinalizando uma autodestruição do poder legalmente exercido pela administração.
Sob o manto do princípio da inafastabilidade da jurisdição, inserido no capítulo dos direitos e garantias individuas para proteger o cidadão contra o poder político do Estado, o projeto legislativo em questão generaliza a tese da revisão judicial que estava no Parecer nº 1.087/04 da PGFN que limitava a ação judicial apenas contra as decisões do CARF que lesarem o patrimônio público. Viola o princípio da coisa julgada administrativa que tem força vinculante para a administração e afronta em bloco os princípios que regem a administração (art. 37 da CF). Certamente, essa matéria levará muito tempo para ser pacificado nos tribunais.
Uma forma criativa de solucionar o impasse, sem implicar protelação da decisão final, é a de extinguir o recurso especial para a CSRF. Da decisão do CARF caberia recurso diretamente ao Tribunal Regional ou ao Tribunal local. Questões de natureza tributária seriam conhecidas diretamente pelos tribunais por via recursal, sem passar pela primeira instância judicial. Na estrutura atual, somadas as instâncias administrativa e judicial, leva-se quase vinte anos para solucionar uma questão decorrente da impugnação do lançamento tributário que constitui o crédito tributário. Algo deve ser feito!
Corte de verbas nas Universidades Federais
O contingenciamento de verbas no Ministério da Educação causou e vem causando um clima de descontentamento em geral que acabou em manifestações de rua no último dia 26 de maio.
Para saber quem está com a razão, se o governo ou as Universidades basta ler o texto do art. 207 da CF:
“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-cietífica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Todas as universidades do País estão sob a proteção do art. 207 da Carta Magna. Não cabe ao governo federal imiscuir-se na gestão financeira das universidades que devem obediência apenas à Lei Orçamentária Anual e à Lei de Responsabilidade Fiscal.
SP, 3-6-19.