Kiyoshi Harada
Jurista e Professor. Presidente do IBEDAFT
Rodízio par/impar, um tiro no pé
A nova regra de rodízio na base do par/impar configura ato de improbidade administrativa na modalidade de desvio de finalidade, pois o objetivo visado pelo Prefeito nada tem a ver com o ordenamento do tráfego de veículos na cidade.
É medida ilegal e inconstitucional que interdita pela metade o direito de uso da propriedade automotor, sem direito a qualquer tipo de indenização. Ao adquirir o automóvel e proceder ao seu licenciamento mediante o pagamento do IPVA, o proprietário adquire o direito de uso dessa propriedade, de conformidade com as regras do Código Brasileiro de Transito, que não permite a interdição arbitrária do direito de uso do veículo.
Outrossim, a interdição de uso do automóvel direciona a população motorizada para o sistema de transporte público (ônibus e metrô), pois quem tiver que sair para o trabalho em atividades consideradas essenciais, bem como aqueles que precisam de rendas para o sustento de sua família não ficarão enclausurados em suas residências.
Dessa forma, a medida arbitrária do Prefeito acaba aumentando consideravelmente o risco de contaminação em função da aglomeração de pessoas nos terminais de ônibus e metrô, bem como no interior desses meios de transportes coletivos.
Esse rodízio na base do par/impar é um verdadeiro tiro no pé.
Mais tributos na contramão da conjuntura
O Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei que cria tributação dos dividendos e lucros distribuídos, implicando uma bitributação cujas alíquotas somadas perfazem 30%, o mais caro imposto da espécie no mundo. Está, ainda, discussão do IGF, um imposto regressivo que recai sobre o patrimônio anteriormente tributado. Discuta-se, também, a recriação da CPMF.
N esfera estadual a Assembleia Legislativa de São Paulo está votando o Projeto de Lei que institui a tributação progressiva do ITCMD cujas alíquotas variam de 4% até 15%.
Ora, no pós pandemia os contribuintes estarão com capacidade tributária reduzida, a merecer redução da carga tributária, além de incentivos fiscais nos setores mais atingidos pela pandemia.
Aumentar tributos durante a pandemia e logo após a sua superação não é uma medida razoável, pois os agentes econômicos precisam recompor gradualmente a sua força produtiva. Em qualquer país do mundo, quando a economia entra em crise há imediata redução de tributos.
Para fazer face às despesas extraordinárias em razão da pandemia existem outros mecanismos, dentre os quais a redução de despesas de pessoal que alcança o absurdo percentual de 50% a 60% da receita corrente líquida. Deve o Estado, ainda, enxugar os órgãos e instituições e limitar os gastos com cartões corporativos, palco permanente de vultosas despesas nebulosas. Mas, isso nunca acontecerá. A tendência e aumentar o tamanho do Estado. Neste grave momento de crise está sendo discutida a criação do TRF6.
Impõe-se um breque na reforma tributária radical
Agora não é momento de discutir reforma tributária radical como as previstas na PEC 45/19 e PEC 110/19. Apesar de limitar-se a reforma no âmbito dos tributos sobre o consumo as duas propostas mutilam o sistema tributário nacional, jogando mais de três décadas de experiência, de doutrina e jurisprudência, partindo para dezenas de conceitos novos de difícil definição, a começar pelo conceito do novo imposto, o IBS. De nada adiante a lei complementar elencar dezenas de hipóteses de incidência do IBS, e outras tantas de não incidência. Como a interpretação deve ser feita de cima para baixo caberá ao STF, ao cabo de 20 ou 30 anos encontrar o conceito definitivo do que seja “operação com bens e serviços”. Isso aconteceu com o conceito de “operação relativa à circulação de mercadorias”.
O momento não é próprio para causar problemas novos de interpretação de normas tributárias vagas e imprecisas. Nem no pós pandemia, quando todas as energias dos contribuintes devem estar canalizadas para a recuperação de sua produtividade e assim repor aos poucos a sua capacidade contributiva.
Existem meios de simplificar o sistema tributário nacional, sem introduzir tantas complicações como fazem as duas propostas em discussão. Complicar tudo em nome da simplicidade era o que faltava!
Falta de planejamento da ação governamental
Fala-se muito em reformas estruturais, mas o governo é incapaz de apresentar um plano de ação governamental a médio e longo prazos. Ninguém tem uma ideia clara para onde caminha o nosso Estado paquidérmico
No passado tínhamos o Plano de Metas do governo Juscelino Kubicheck. No regime militar tivemos inúmeros Planos Nacionais de Desenvolvimento Econômico. No Estado de São Paulo o governador Carvalho Pinto havia implantado o Plano Trienal. A Constituição de 1988 introduziu o Plano Pluri Anual de Investimentos – PPA – teoricamente um orçamento plurianual destinado a dar embasamento para a formulação da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO – que, por sua vez, orienta a elaboração da proposta orçamentária anual – LOA. Só que esses documentos não têm nada de planos estratégicos devidamente estudados e planejados. São apenas amontoados de números e siglas que nada traduzem, com vistas à mera satisfação de formalidades constitucionais.
Urge a recriação do Ministério do Planejamento dotando-o com técnicos e profissionais capacitados para elaborar um plano de investimento em longo prazo e ao mesmo tempo planejar a redução gradual do tamanho do Estado que não mais cabe dentro do PIB.
Medida Provisória nº 966/20
A Medida Provisória nº 966/20 livra os agentes públicos da responsabilidade civil e administrativa por suas ações e omissões no enfretamento emergencial de saúde pública como decorrência da Covi-19, bem como, por ações e omissões no combate aos efeitos econômicos e sociais resultantes dessa Covid-19, salvo nas hipóteses de dolo e de erro grosseiro.
Essa medida excepcional desqualifica os atos ilícitos e atos de improbidade que eventualmente possam ser praticados nesse período de pandemia. Ressalva dessa exclusão de ilicitude os casos de dolo e de erro grosseiro. O erro grosseiro é definido nos art. 2º sendo que o art. 3º enumera os requisitos para aferição desse erro grosseiro. Impede a apuração das infrações por instâncias próprias.
Essa ressalva é totalmente dispensável porque o art. 28 da LINDB já responsabiliza pessoalmente o agente que agir com dolo ou erro grosseiro.
Uma medida desse jaz, no momento em que as normas constitucionais de natureza financeira, bem como as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal estão flexibilizadas, representa um estímulo à ação de maus gestores públicos. Os desvios de verbas sempre existiram em plena vigência de normas rígidas de controle e fiscalização que com a vigência do Orçamento de Guerra ficaram atenuadas.
Por tais razões, a MP nº 966/20 padece do vício de inconstitucionalidade.
Covid-19 monopoliza os recursos médicos-hospitalares
A pandemia canalizou todos os recursos médicos-hospitalares para dar combate à Covi-19, deixando de atender a população atingida por outras doenças, principalmente, o câncer.
Desde que iniciou a pandemia 50.000 pessoas deixaram de ter o diagnóstico de câncer, outras tantas tiveram suas consultas e cirurgias adiada sine die.
Em médio prazo teremos, sem dúvida, o maior índice de mortalidade provocado pelo câncer que atinge uma parcela ponderável da população brasileira, principalmente, as pessoas do sexo feminino que são vítimas do câncer das mamas.
Algo está errado nessa política pública na área da saúde.
SP, 18-5-2020.