em poucas palavras 84

Em poucas palavras 84

Em poucas palavras 84 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.

Autonomia orçamentária para Receita e para órgãos de segurança pública

Na edição anterior, comentamos a decisão do STF (ADI nº 5.296, Rel. Min. Rosa Weber) que validou a EC nº 74/2013 de iniciativa do Legislativo estendendo à Defensoria Pública da União – DPU – a prerrogativa de dar início à proposta orçamentária, nos moldes do Ministério Publico e do Poder Judiciário.

Lembramos naquele texto o perigo de o precedente judiciário deflagrar o movimento de conferir a outros órgãos públicos a prerrogativa cabente apenas aos Poderes da República. A autonomia orçamentária do Ministério Público deriva da exceção introduzida no bojo da Constituição promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte, e não pelo Poder Reformador.

Os nossos receios estão se concretizando. O Congresso Nacional está em vias de colocar em discussão a extensão desse privilégio de natureza orçamentária para outros órgãos públicos, como a Receita Federal e aos setores da segurança pública.

Se isso acontecer, a administração pública federal vai ficar cada vez mais difícil no que tange ao controle das despesas públicas, contribuindo para acentuar o déficit público.

Interessante notar a contradição: de um lado querem aprovar emenda para limitar os gastos; de outro lado, querem aprovar emendas que tendem para a expansão de gastos. Essa história se repete na área tributária: de um lado querem criar um novo tributo para reforçar o Tesouro; de outro lado, concedem privilégios fiscais a automóveis de luxo, geladeiras e videogames, além de prorrogar centenas de incentivos fiscais aprovados pelo Confaz.

O Brasil está caminhando para uma República peculiar, sem paralelo no mundo. Logo, a FUNAI, o IBAMA, o IBEGE, o Instituto Butantã etc. terão orçamento próprio. Será uma Federação com diversos feudos, acirrando as disputas em torno da nomeação dos senhores feudais.

ANVISA paralisa os testes da vacina CORONAVAC e o STF intervém

A ANVISA suspendeu os testes com a vacina chinesa motivada por um incidente em um dos voluntários e a Rede de Sustentabilidade, recordista absoluta em ações de cunho coletivo, ingressou com ADPF no STF e o Ministro Relator, Ricardo Lewandowski, deu um prazo de 48 horas para que aquela instituição preste as informações  complementares àquelas já ofertadas pela Presidência da República e pela Advocacia-Geral da União, acerca dos critérios utilizados para proceder aos estudos e experimentos concernentes à vacina acima referida, bem como sobre o estágio de aprovação desta e demais vacinas contra a Covid-19.

Era o que faltava. Depois de um debate pueril acerca da obrigatoriedade ou não das vacinações ainda não disponíveis, ignorando o gravíssimo quadro de iminente perigo de alastramento da terrível doença por toda a população, agora, os testes com as vacinas encomendadas na China foram judicializados. Logo, o STF estará definindo quando, onde e como as vacinas deverão ser aplicadas apontando as tecnologias e os instrumentos a serem utilizados.

Outras ações coletivas, ADIs, foram ajuizadas pelo PDT e PTB relacionadas com o coronavírus, para prosseguir nas bisonhas discussões que rendem projeções na mídia, mas, que limitam o regular funcionamento das instituições públicas sob a responsabilidade do Executivo, detentor da infra-estrutura material e pessoal com conhecimentos técnicos especializados.

AMB ingressa dom ADI contra parágrafo único do art. 366 do CPP

Citado preceito processual penal dispõe:

“Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.”

Verifica-se do texto legal que o excesso de prazo não se caracteriza de forma automática, cabendo à autoridade que decretou a prisão avaliar a cada 90 dias a necessidade de manutenção da prisão de forma fundamentada. Não é exigir demais tendo em vista a garantia fundamental do cidadão.

Pergunta-se, onde a inconstitucionalidade da norma que   inquina de nulidade a falta de fundamentação para manutenção da prisão preventiva? A inconstitucionalidade estaria caracterizada se a norma prescrevesse em sentido contrário, isto é, que o juiz, uma vez decretada a prisão preventiva, poderá manter a prisão por tempo indeterminado, sem culpa formada.  A garantia constitucional exige que a prisão seja decretada em decisão fundamentada.

Só falta, agora, o STF, que reescreveu o texto do aludido parágrafo único, acolher a ADI declarando a inconstitucionalidade do referido preceito do CPP que veio impedir que o preso preventivamente seja esquecido na prisão, ainda que não tenha nenhuma decisão condenatória.

Interpretar um texto legal, segundo as regras da hermenêutica, é bem diferente de conferir ao texto normativo o sentido que se quer, muitas vezes, para atender ao clamor popular.

4ª Turma do STJ afasta a Súmula 102 do TJ/SP

Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.

O autor da ação pleiteou tratamento receitado pelo seu médico, tratamento este que não está contemplado no rol da ANS e que não é oferecido por nenhum profissional habilitado no plano de saúde em questão.

Porém, o TJ/SP escudado em sua Súmula nº 102 determinou que o plano de saúde arcasse com o tratamento independentemente de ele estar ou não contemplado pela ANS.

O Min. Luís Felipe Salomão, da 4ª Turma classificou o enunciado da Súmula 102 do TJ/SP como “insólito”, porque “o entendimento, além de em muitos casos ser temerário, é, em linha de princípio, incompatível com o contraditório, a ampla defesa e com a natural imparcialidade que se espera e legitima a magistratura”.

O entendimento, todavia, não é pacífico na 2ª Seção do STJ que julga os casos de direito privado. A 3ª Turma que compõe essa Seção adota tese diametralmente oposta, qual seja, a de que o procedimento indicado pelo médico, não conste no rol da ANS, não significa que não possa ser exigido pelo usuário, não servindo de fundamento para a negativa de cobertura de procedimento cujo tratamento da doença está previsto contratualmente.

Aliás, as divergências entre as Turmas que compõem as mesmas Seções são comuns no âmbito do STJ, o que aumenta a insegurança jurídica. Na 1ª Seção, a 1ª Turma e a 2ª Turma que julgam casos de direito público, têm entendimentos opostos. A mesma coisa acontece com a 5ª Turma e a 6ª Turma que compõem a 3ª Seção que julga os casos criminais.

Leia também as edições anteriores

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