Em poucas palavras 87 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.
Crime contra ordem tributária e instauração simultânea de ações penal e civil
Interessante acórdão foi proferido pela 11ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao denegar o Habeas Corpus para suspender um inquérito policial contra os sócios de uma empresa suspeitos de sonegação fiscal, porque a cobrança do tributo está suspensa na esfera civil.
De acordo com o Relator do HC, o crime tributário se consuma com o lançamento definitivo do tributo, o que ocorreu em 2016, no caso dos autos. E acrescentou: “Além disso, via de regra, o resultado da ação civil não vincula a decisão final do processo penal, diante da independência entre as esferas cível, criminal e administrativa” (Processo 2197618-21.2020.8.26.0000).
Há, na verdade, um pequeno equívoco na premissa levantada pelo ínclito julgador. O crime tributário não se consuma com o lançamento definitivo do tributo. O crime definido na Lei 8.137/90 exige resultado naturalístico, diferindo da antiga Lei de sonegação fiscal, Lei nº 4.729/65 que era um crime de mera conduta.
De fato dispõe o art. 1Ø da lei nº 8.137:
“Constitui crime contra ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: …”
Portanto, o elemento nuclear ou material do crime é a supressão ou redução do tributo. Sem o resultado material, o crime deixa de existir.
O andamento simultâneo de processo penal e de processo civil para desconstituição do crédito tributário, em tese, conduz ao perigo de decisões conflitantes. Se a ação civil for julgada procedente e a ação penal, também, teríamos a condenação penal de uma pessoa que não suprimiu nem reduziu o tributo. Isso considerando, obviamente, que a ação civil adentrou no exame do mérito.
Reeleição das Mesas do Senado e da Câmara
Dispõe o art. 57, § 4º da CF:
“§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.
O Regimento Interno das duas Casas só veda a reeleição para o mesmo cargo na eleição subsequente da mesma sessão legislativa.
Maioria dos doutrinadores posicionou-se contra a reeleição na mesma ou na outra legislatura, porque em ambas as hipóteses haverá eleição subsequente.
A questão foi judicializada e no STF já há cinco votos favoráveis reeleição em respeito à autonomia e independências das Casas Legislativas de dispor sobre a matéria. Só que nem o Regimento Interno das Casas Legislativas permitem a reeleição para o mesmo cargo na mesma sessão legislativa, como no caso do deputado Rodrigo Maia.
Logo, a prevalecer a reeleição para a Câmara Federal o STF, em nome da autonomia dos poderes, estaria inovando não apenas o texto constitucional, como também, o próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Seria muito bom que a Corte Suprema reconhecesse a autonomia do Poder Legislativo em todas as situações, e não apenas neste caso sob comento. E mais, autonomia e independência pressupõe regramento prévio. Nenhum Poder tem o direito de fazer o que bem entender sem se aterá às regras preestabelecidas.
Imprensa sob mordaça?
Os apresentadores do Jornal Nacional da TV Globo, William Bonner e Renata Vasconcellos foram intimados pela Polícia Civil do Rio para depor por crime de desobediência à ordem judicial por divulgar fatos relacionados a “rachadinhas” no gabinete do então deputado Flavio Bolsonaro, apesar da proibição judicial.
Segundo os noticiários a TV Globo teria sido impedida em setembro de publicar reportagens que mostrassem documentos sigilosos sobre Flavio Bolsonaro, por decisão da juíza da 33ª Vara Criminal do Rio que deferiu o pedido feito pelo Senador por intermédio de seus advogados.
Certo ou errado, enquanto em vigor a ordem judicial o seu descumprimento implica crime de desobediência capitulado no art. 330 do Código Penal.
Entretanto, não se pode perder de vista que em relação a outros personagens tornou-se comum a divulgação de fatos e documentos durante a fase de investigação policial sob sigilo, tudo em nome da liberdade de imprensa. Quem não quiser de expor à mídia, deve se policiar para não cometer condutas tipificadas na lei penal. Nesse sentido a imprensa investigativa atua como salutar fator de prevenção à pratica de delitos.
Reforma tributária e simplificação
Os autores das reformas tributárias, PEC 110/20 e PEC 45/20, sob a bandeira da simplificação, que atrai os incautos, estão reunindo em torno de um único imposto chamado IBS, os tributos federais, estaduais e municipais que mais complicam do que resolvem. Simplificar não é reduzir o número de tributos que, por si só, nada complica. Basta um único tributo do tipo COFNS não cumulativa para desnortear qualquer contribuinte.
Pois bem, os proponentes dessas reformas, por desconhecerem a realidade brasileira, metem uma alíquota uniforme de 25% sobre o novo imposto e proíbem os incentivos fiscais do art. 151 da CF para a redução de desigualdades socioeconômicas entre as várias regiões do País. É claro que isso irá provocar a quebradeira de vários estados e municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Os reformistas sequer sabem por que da diversidade de tributos. Aqui vai a resposta: É para direcionar e diluir a carga tributária global para os diferentes segmentos da sociedade, cada qual exercendo uma atividade diferente e arcando com os tributos que lhe cabe. Imposto geral, a cargo de todos, basta o imposto de renda. Não faz sentido um advogado, um médico, um juiz de direito, um militar, um aposentado ou pensionista etc. ter que pagar o IPI, o ITR, o IOF, o PIS, a COFINS e o ICMS. No caso de servidores públicos ou empregados, nem o ISS pagam. Os valores desses tributos suprimidos irão incorporar no valor total do IBS. Essa é a única razão pela qual não concordamos com o chamado Imposto Único Federal, previsto no substitutivo apresentado pelo Dep. Luciano Bivar no bojo da PEC 45/20, que conduzirá necessariamente a uma alíquota bastante elevada em comparação a antiga CPMF.