Em poucas palavras 93 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.
Dignidade humana
Em nome da dignidade humana, erigida em nível da cláusula pétrea (art. 5º. X da CF), tudo é possível pleitear perante o Judiciário.
Às vezes, um simples regimento interno de uma empresa, buscando disciplinar o ambiente de trabalho, pode ter um de seus itens questionado por ofensa à dignidade humana, gerando indenização por danos morais. O mais comum é o tempo de permanência na toalhete.
Agora, fala-se em priorizar a vacinação dos deficientes para preservar sua dignidade humana, como se os demais não a tivessem.
Vejo exagero e demagogia nessas “dignidades” seletivas, porque ninguém fala da dignidade dos 40 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da miséria, que só vieram à tona com a implantação do programa emergencial de ajuda financeira, quando todos eles se cadastraram e abriram contas bancárias.
E o art. 170 da CF prescreve que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos “existência digna, conforme ditames da justiça social”.
A sociedade deveria se preocupar com a dignidade dos excluídos, ao invés de buscar a “dignidade” seletiva que dá visibilidade na mídia.
Há dias, deparei-me com uma notícia de condenação de uma senhora que foi pega em flagrante jogando fora de seu veículo um cachorro com problemas de locomoção. Comoveu a comunidade interna e internacional, muito mais do que jogar um recém-nascido na caçamba de lixo.
Talvez o clamor popular tenha origem na dignidade do cão, assim entendido a contrariedade aos direitos dos animais proclamados pela ordem internacional de que faz parte o Brasil.
Vacinação em âmbito nacional
Desde que a Covid-19 foi politizada continuam as disputas e confusões na fase de vacinação em âmbito nacional.
São disputas de vacinas e insumos para sua aplicação entre Estados; desencontros entre a metodologia do governo federal e dos Estados, notadamente, o de São Paulo; são ações judiciais impetradas contra o Ministro da Saúde por diversos partidos políticos; são pedidos de prisões de prefeitos e secretários por membros do Ministério Público; são decisões judiciais que interferem na execução do programa nacional de vacinação; agora, os Tribunais de Contas estão questionando o critério de eleição de prioridades na vacinação etc.
O governo do Estado de São Paulo notificou o Ministério da Saúde a confirmar a aquisição de 54 milhões de vacinas produzidas pelo Butantã, sob pena de venda direta aos Estados e Municípios ou até mesmo exportar. O longo silêncio do Ministério gerou muita inquietação na sociedade, até que no dia 29-1-2021 o Ministério da Saúde comprometeu-se a adquiri-las, antecipando o prazo de resposta prevista para até o dia 30 de maio de 2021.
O certo seria os Estados e Municípios comprarem essas vacinas por conta dos recursos dos SUSs transferidos pela União.
Enfim, o quadro é caótico com todos colocando a manguinha de fora na disputa do protagonismo.
Criminalização do fura-fila
O contingente de pessoas que furam a fila para se vacinarem antecipadamente, sem esperar a sua vez dentro do cronograma nacional de vacinação, vem aumento em todo o território nacional, o que revela falta de solidariedade.
Começou com políticos, autoridades investidas em cargos relacionadas com a saúde, empresários. Alguns agentes da saúde, também, estão desviando as vacinas para uso entre seus familiares. Houve caso de um vacinador que espetou a agulha no paciente sem, contudo, acionar o êmbolo da seringa, para seu uso particular, posteriormente.
Diante disso, a mídia começou a veicular notícias criminalizando a conduta desses fura-filas.
Os fura-filas, sem dúvida, faltam com o dever de solidariedade que fundamenta Federação Brasileira (art. 3º, I da CF).
Mas, pergunto, a falta dessa solidariedade é bastante para criminalizar a conduta? A inobservância do cronograma nacional de vacinação, por si só, caracteriza a conduta tipificada no art. 168 do CP? (“Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”). Parece-me que não!
O único caso de crime do fura-fila é a hipótese de desobedecer à decisão judicial que o condenou a se abster a segunda dose da vacina, por ter desrespeitado o cronograma de vacinação. Aí sim, a conduta acha-se claramente tipificada no art. 330 do CP.
Rede de Sustentabilidade pede ao STF a declaração de inconstitucionalidade do Sistema Tributário Nacional
A Rede de Sustentabilidade ingressou com a inusitada ADPF para declarar a inconstitucionalidade de todo o sistema tributário vigente, por desrespeitar a Constituição porque gera desigualdades sociais e econômicas.
A Rede é useira e vezeira em ingressar com ações insustentáveis juridicamente, tomando tempo do Judiciário e comprometendo a normalidade de ordem jurídica.
O pedido, que ignora o disposto no art. 151, inciso I da Constituição Federal, fere o princípio da razoabilidade.
O uso abusivo de ações de cunho coletivo com vista à exposição na mídia perturba o regular funcionamento da atividade jurisdicional do Estado, acarretando despesas públicas inúteis e roubando o tempo precioso da Corte Suprema.
É chegada a hora de a Constituição retirar o poder de os partidos políticos ingressarem com ações de controle de constitucionalidade, pois as duas Casas do Congresso Nacional já têm legitimidade para ações da espécie. (art. 103, II e III da CF).
Execução fiscal das empresas em recuperação judicial
A 18ª Câmara de Direito Público do TJ/SP decidiu que somente o depósito integral do crédito tributário em discussão tem o condão de suspender a execução fiscal intentada contra empresa em recuperação judicial. É o que restou decido no Processo 2273280-88.2020.8.26.0000 que versa sobre execução fiscal movida pela Prefeitura de Taboão da Serra.
Lamentavelmente, a nova lei de recuperação judicial, na contramão da expectativa de alteração do § 7º, do art. 57 da Lei nº 11.101/2005, na forma do PL nº 6.229/2005, objeto de nossos comentários (Aspectos tributários da Lei de Falência, 2ª edição, Rideel, 2019), e compilado por tantos articulistas sem nos citar, manteve o prosseguimento da execução fiscal, ressalvado apenas o parcelamento que é inócuo, por duas razões:
Primeiramente, com o parcelamento qualquer empresa fica com a execução suspensa como decorrência da suspensão de exigibilidade (art. 151, VI do CTN). Em segundo lugar, o regime de parcelamento depende de leis dos vinte sete Estados e dos mais de 5.550 Municípios. No caso sob comento, o Município de Taboão da Serra não dispõe desse regime de parcelamento tributário.
O legislador agiu contra os objetivos da lei de recuperação de propiciar a manutenção da empresa em dificuldade econômico-financeira momentânea, a fim de impedir a supressão de unidades produtivas.
Cabe à jurisprudência decidir, caso a caso, interpretando esse § 7º, do art. 57 da Lei de Falências dentro do sistema jurídico global, de sorte a não comprometer o instituto da recuperação judicial.
SP, 1-2-2021.