Em poucas palavras 98 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.
Operação spoofing e revelações a conta gotas
Desde que o STF quebrou o sigilo das informações ilegalmente interceptadas pelos hackers que captaram as conversas entre os procuradores integrantes da força tarefa e com o juiz Sérgio Moro de Curitiba, notícias cada vez mais espantosas e aberrantes vêm sendo disseminados pela mídia, a conta gotas, para não deixar morrer o assunto.
Impressão que eu tenho é que há interessados nessa divulgação aos poucos, mas de forma contínua e incessante, como capítulos de novelas intermináveis.
A última informação é a de que a juíza substituta, Gabriela Hardt, por pressões do MPF, teria apressado a condenação do Lula no caso do sítio de Atibaia, copiando trechos da sentença proferida por Sergio Moro no caso do Triplex.
A divulgação desses fatos colhidos clandestinamente só tende a favorecer a defesa dos réus com processos originários da operação lava jato.
Se isso continuar, a despeito do que está no texto constitucional de que prova ilícita deve ser expurgada dos autos do processo, tenho razões para crer que pode, eventualmente, redundar na anulação de decisões judiciais prolatadas com violação dos princípios da independência e da imparcialidade do juiz na condução da instrução criminal e prolação de sentença.
Será um desastre se isso acontecer sob todos os pontos de vista: moral, econômico; financeiro, imagem do Judiciário; credibilidade da justiça etc.
Legítima defesa da honra é inconstitucional?
À sombra dessa inusitada tese da legítima defesa da honra, que encerra uma contradição em termos, vários assassinatos de mulheres têm sido perpetrados. Alguns dos autores de crimes têm sido condenados com aplicação de circunstâncias atenuantes; outros, porém, absurdamente absolvidos como no caso do ilustre Procurador de Justiça que abriu mão do foro privilegiado para ser julgado pelo tribunal de júri de Campinas. Resultado: foiabsolvido, apesar de ocrime ter sido premeditado, pois, um dia antes o réu havia mandado seus filhos pequeninos para a casada avó.
Igualmente inusitada é a ADPF de nº 779 em curso no STF, para declarar inconstitucional a tese da legítima defesa da honra. A ADPF presta-se a atacar o ato para frente e para trás a fim de declarar, por exemplo, a inconstitucionalidade da lei revogada, para atingir os efeitos produzidos enquanto em vigor.
Todavia, tenho dúvidas quanto ao cabimento dessa ação contra teses jurídicas.
Contudo, o Relator da ADPF, Min. Dias Toffoli concedeu a medida cautelar para considerar inconstitucional a referida tese. Qual a conseqüência prática da declaração de inconstitucionalidade da tese?
Programa nacional de vacinação
Não há um único dia em que a mídia deixa de repetir os mesmos ataques à suposta omissão do governo federal na aquisição de vacinas que poderiam salvar vidas que estão sendo ceifadas.
- Da maneira como são expostas essas matérias, até dá a impressão de que a omissão é intencional.
A grande verdade é que, não só Brasil, como também países do mundo inteiro foram surpreendidos por essa pandemia e nenhum deles conseguiu impedir as mortes. Em alguns países os óbitos ocorreram em proporções bem maiores do que no Brasil, levando-se o tamanho da população de cada país.
Jogar tudo nas costas do governo federal não está certo. Afinal, o federalismo conduz à autonomia e independência dos entes federados (arts. 18 e 30 da CF). A União que além de implementar vários programas de inclusão social nesta época de pandemia, tem transferido recursos vultuosos para Estados e Municípios, à custa do aumento de endividamento, está também, ao contrário dos Estados, abrindo mão da parcela de arrecadação tributária, a fim de preservar as unidades produtivas.
Quando a Constituição prescreve que a saúde é dever do Estado está se referindo a todas as entidades políticas componentes da Federação Brasileira. E mais, como escrito está no inciso III do art. 198 da CF, as ações e serviços públicos de saúde não podem prescindir da participação da comunidade.
Ciente desse fato, juízes e tribunais estão liberando entidades privadas de importarem as vacinas, independentemente de seus registros na ANVISA, desde que elas tenham sido aprovadas por Agências Reguladoras Internacionais.
Ao invés de ficar apenas atirando pedras uns nos outros é preciso que a mídia mude o foco das discussões, direcionando os pronunciamentos para o lado positivo, construtivo, harmonioso e participativo da população em geral, para que juntos possamos vencer a pandemia que, até hoje, nenhum país do planeta conseguiu dela se livrar.
Monitoramento nas universidades federais
A Controladoria-Geral da União – CGU – baixou atos proibindo os professores das Universidades Federais de manifestar posições divergentes das medidas tomadas pelo governo federal nas diferentes áreas. Na prática, isso implica cerceamento do direito à livre manifestação do pensamento.
Muito provavelmente tal medida originou-se das críticas feitas pelos professores da Universidade de Pelotas à ação do Presidente Bolsonaro, que gerou abertura de processo disciplinar que se findou com o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC – firmado pelos professores.
Expor entendimentos diferentes daqueles adotados pelo Presidente da República faz parte do exercício da cidadania a que não podem ser privados os docentes de Universidades Federais.
Esse ato proibitivo ofende o princípio constitucional de liberdade de expressão, assim como interfere na autonomia das Universidades.
Nos termos do art. 207 da CF as Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão patrimonial e financeira.
Não cabe ao órgão do governo definir o que os docentes podem e não podem fazer dentro da Universidades. Nem mesmo o Ministério da Educação poderia adotar medidas desse jaez.
Incentivos fiscais exagerados
Neste momento crítico de pandemia, antes de aumentar a carga tributária disfarçadamente por meio de propostas de reforma tributária, deve-se rever a política de incentivos fiscais que deveriam existir apenas e tão somente como instrumento de correção de desigualdades sócio-econômicas entre as várias regiões do país (art. 151 da CF).
Esses incentivos custam aos cofres da União exatos 308 bilhões anuais.
Um dos incentivos fiscais que merece revisão é o da ZFM.
O art. 40 do ADCT da Constituição de 1988 manteve esse incentivo por 25 anos. A EC nº 42/2003 prorrogou por maisde 10 anos; finalmente a EC nº 83/2014 prorrogou-o por exatos 50 anos.
O objetivo visado por esse incentivo era o de criar uma área industrial na imensa área amazônica com o fito de atrair fábricas e desenvolver o comércio e a agropecuária na região, tendo por objetivo final a integração da região Norte.
Apesar das sucessivas prorrogações, o incentivo da ZFM não conseguiu atrair as fábricas na região, nem de desenvolver o polo comercial e agropecuário. Hoje, a ZFM vem operando apenas como uma fábrica de distribuição de créditos do IPI para o restante do país.
Não faz o menor sentido manter um incentivo fiscal que não vem cumprindo seus objetivos que levaram à sua criação.
Os 308 bilhões de tributos que a União deixa de arrecadar anualmente, significa idênticos valores diluídos entre os contribuintes não favorecidos pelos incentivos fiscais que, dessa forma, acabam pagando a conta.
SP, 8-3-2021
Por Kiyoshi Harada