Já tivemos a oportunidade de escrever um texto versando sobre epidemias de emendas constitucionais.
Até hoje foram promulgadas 106 emendas, sendo 6 delas de revisão constitucional.
Essas emendas de natureza casuística são frutos de lobbys de vários grupos ou de várias categorias econômicas ou profissionais que acabam constitucionalizando questões cabentes ao legislador infraconstitucional. Isso traz uma consequência gravíssima na atuação do STF, guardião da Constituição, congestionando a pauta da Corte, protelando e retardando o julgamento de questões relevantes para o desenvolvimento das atividades econômicas, muitas vezes, dependentes de uma definição clara a respeito da confusa legislação tributária das três esferas de governo que não se harmoniza com os princípios constitucionais tributários.
Existem em tramitação no Congresso Nacional 1.500 propostas de emendas constitucionais. Neste artigo examinemos a título ilustrativo uma dessas propostas que não se reveste de constitucional, além de desnecessária e inútil. Trata-se da PEC nº 424/18 de autoria do nobre Deputado André Amaral (Pros-PB) que permite que advogados, regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, ingressem na Justiça de Paz para celebrar casamentos.
A própria justificativa da proposta de emenda já está a demonstrar sua desnecessidade e inutilidade:
“Se um leigo pode celebrar casamentos ou até mesmo fazer conciliações, porque o advogado, conhecedor em profundidade da lei, não poderia?”
É o caso de perguntar, onde está a vedação de o advogado integrar a justiça de paz?
Prescreve o art. 98 da Constituição com solar clareza:
“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
…
II – justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto com mandato de 4 anos e competência para na forma da lei celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições contraditórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.”
Nos termos da Constituição a justiça de paz é “composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto.”
Considerando que o advogado é um cidadão ele já está contemplado pelo preceito constitucional em vigor como sendo aquele apto a concorrer às eleições para integrar a justiça da paz, independentemente da promulgação da PEC 424/18 sob comento. Na eventualidade de existir em algum estado da Federação lei em sentido contrário, vedando a participação de advogados na composição da justiça de paz, será um problema a ser resolvido pelo Supremo Tribunal Federal, órgão incumbido de zelar pela guarda da Constituição.
São emendas da espécie que acabam banalizando a Constituição cidadã de 1988, fazendo com que a maioria de seus dispositivos versem sobre matérias de legislação ordinária, inviabilizando a atuação regular da Corte Suprema composta de apenas onze Ministros.
Se as emendas constitucionais aditivas, supressivas, modificativas ou corretivas continuarem no ritmo atual logo iremos precisar de um Código de Direito Constitucional para sistematizar os preceitos díspares e heterogêneos.
SP, 22-10-18.