Espólio de Armando Del Giudice

PARECER

Consulente: Espólio de Armando Del Giudice

Assunto: Incidência de IPTU sobre os imóveis localizados na Estrada do Alvarenga s/nº, Bairro dos Alvarengas, São Bernardo do Campo, SBC, matriculados sob ns. 5.866 e 9.666, perante o 2º Cartório de Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo, inscritos sob contribuintes ns. 534.505.002.000 e 534.505.003.000.

Palavras chaves: IPTU. APP. Represa Billings. Área verde.

Sumário: 1 Dos fatos. 2 Parecer. 2.1 Da localização dos imóveis em área de Manancial.2.2 Da perda da disponibilidade econômica dos imóveis e inexigibilidade do IPTU. 2.3 Do reconhecimento pela Prefeitura de SBC da perda de disponibilidade econômica das glebas indevidamente tributadas.2.4 Distinção entre limitação administrativa da propriedade e a interdição de uso da propriedade.2.5 Do fundamento constitucional da preservação do meio ambiente. 3 Resumindo e concluindo. 4 Respostas dadas aos quesitos formulados.

1 Dos fatos

O Espólio de Armando Del Giudice, por meio de sua inventariante, Sra. Paola Carina Del Giudice, relata-nos que o Sr. Armando Del Giudice adquiriu por meio de escrituras públicas lavradas em 21/08/1992, no 24º Cartório de Notas da Capital, Lº 3.195, fls. 42 vº, os imóveis localizados na Estrada do Alvarenga s/nº, Bairro dos Alvarengas, São Bernardo do Campo, SBC, cujas áreas contíguas somam 388.000m2,conforme abaixo descritos:

  1. Terreno matriculado sob nº 5.866, perante o 2º Cartório de Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo, inscrito sob contribuinte nº 534.505.002.000, com área de terreno de 201.198,48m2.

Conforme certidão de valor venal do exercício de 2022 emitida pelo Município de São Bernardo do Campo, o valor venal do terreno em 2022 era de R$ 14.179.925,22.

  1. Terreno matriculado sob nº 9.666, perante o 2º Cartório de Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo, inscrito sob contribuinte nº 534.505.003.000, com área de terreno de 187.062,12 m2.

Conforme certidão de valor venal do exercício de 2022 emitida pelo Município de São Bernardo do Campo, o valor venal do terreno em 2022 era de R$ 13.296.431,78 e o valor da construção de 404,99 m2 é de R$ 508.149,05. Informa que essa construção foi procedida por posseiro que, inclusive, ingressou com ação de usucapião em face do Consulente.

Esclarece que os terrenos estão localizados dentro da Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings, objeto da Lei Estadual nº 13.579/09, conforme certidões de localização emitidas pelo Município de São Bernardo do Campo.

No Município os terrenos estão localizados na Macrozona de Proteção e Recuperação do Manancial – MPRM, conforme Lei municipal nº 6.184, de 21-12-2011 e alterações posteriores.

Relata que a dívida fiscal do IPTU entre os anos de 1998 até 2023 remonta ao valor de R$ 27.800.375,86, existindo, atualmente, 35 execuções fiscais em curso.

Informa o Consulente que o Município de SBC concedeu a redução do IPTU de 1998 a 2000 da ordem de 80,00% e 79,36%, respectivamente, para os imóveis inscritos sob os ns. 534.505.002.000 e 534.505.003.000.

Apresentando-nos as certidões imobiliárias das matrículas ns. 5.866 e 9.666, as certidões de localização dos imóveis emitidas pelo Município de São Bernardo do Campo (inscrições cadastral ns. 534.505.002.000 e 534.505.003.000), as Fichas de Informação Cadastral da Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo (inscrições cadastral ns. 534.505.002.000 e 534.505.003.000), as certidões de valor venal dos imóveis cadastrados no Município sob ns.534.505.002.000 e 534.505.003.000, as decisões administrativas deferindo a avaliação especial dos imóveis nos exercícios de 1998 a 2000, manifestações do Município de São Bernardo do Campo rejeitando os terrenos sob consulta como garantia em execução fiscal e Laudo de Diagnóstico Ambiental datado de maio de 2023, pede nosso parecer, formulando os quesitos ao final transcritos e respondidos.

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2.1 Da localização dos imóveis em área de Manancial

As glebas matriculadas sob ns. 5.866 e 9.666 inscritas na Prefeitura de São Bernardo do Campo sob ns. 534.505.002-000 e 534.505.003.000, respectivamente, encontram-se na área declarada de Proteção e Recuperação de Mananciais da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings – APRM-Billings -, situada na unidade de gerenciamento dos recursos hídricos do Alto Tietê, conforme disposto no art. 1º da Lei Estadual de nº 13.579, de 13 de julho de 2009.

O Plano Diretor do Município de São Bernardo do Campo, aprovado pela Lei nº 6.184, de 21 de dezembro de 2011, inclui a mesma área definida na Lei Estadual de nº 13.579/2009 na macrozona de Proteção e Recuperação do Manancial – MPRM -, conforme prescrição do seu art. 33.

De fato, dispõe o art. 29 da Lei do Plano Diretor de SBC:

“Art. 29. A Macrozona de Proteção e Recuperação do Manancial –MPRM, que coincide com os limites da Área de Proteção e Recuperação do Manancial Billings – APRM-Billings definidos pela Lei Estadual nº 13.579, de 13 de julho de 2009, deverá observar as seguintes diretrizes específicas.”

Conforme laudo técnico elaborado pela Engenheira florestal Rafaela Giusti Rossi; pelo biólogo José Augusto Borges; e pelo Ecólogo Rodrigues Appoline Valim, ilustrado com farta documentação, as duas glebas estão situadas na Macrozona de Proteção e Recuperação do Manancial – MPRM – e em zonas de extrema sensibilidade ambiental. Conforme definição da legislação de zoneamento, a ZMA compreende a porção mais preservada da APRM-Billings no Município e a ZRO se constitui uma área especial interesse para a preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais da Bacia da Billings.

Outrossim, segundo esse mesmo laudo “a quase totalidade das duas glebas é ocupada por vegetação florestal em estágio médio, com características de estágio avançado de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, de grande importância para a conservação cênica e biológica do Reservatório Billings” (ver considerações finais do laudo).

Conforme o mencionado no laudo técnico, o imóvel da matrícula nº9.666 tem 64,82% da área ocupada pela vegetação florestal e o restante da área de 32,33% corresponde à área antropizada, onde se faz presente a restrição ambiental, tanto pela questão do zoneamento ambiental restritivo (zonas de manejo sustentável e de restrição à ocupação), quanto pela questão da presença do lago/açude, conforme consta das considerações finais do laudo técnico. O imóvel da matrícula nº 5.866, por sua vez, tem 96,35% da área ocupada pela vegetação florestal, sendo que a área antropizada está na faixa de APP, resultando na restrição ambiental de 99,9%.

Dessa forma, 100% das duas áreas têm o uso da propriedade interditada, que difere de mera limitação administrativa da propriedade, como veremos mais adiante.

Há certidões expedidas pela Prefeitura de São Bernardo do Campo dando conta de que essas duas áreas estão dentro da área de proteção dos mananciais hídricos dos contribuintes da Billings, objeto de Lei Estadual nº 13.579/09. As certidões foram expedidas pela Seção de Cadastro da Divisão de Cadastro e Cartografia da Prefeitura de São Bernardo do Campo.

2.2 Da perda da disponibilidade econômica dos imóveis e inexigibilidade do IPTU

Porque situados na Área de Manancial da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings os imóveis em questão perderam a disponibilidade econômica.

As glebas não mais atendem à definição de propriedade prevista no art. 1.228 do Código Civil consistente na faculdade de o proprietário usar, gozar e dispor da coisa.

Nenhuma atividade econômica pode ser exercida nessas áreas, somente podendo desenvolver as atividades para a conservação e manutenção da flora e da fauna, que só acarretam despesas para o seu proprietário.

Conforme art. 7º do Código Florestal, Lei nº 12.651 de 25-5-2012,a “vegetação situada em área de preservação permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado”. Suprimida a vegetação, o proprietário é obrigado a promover a sua recomposição (§ 1º, do art. 7º).

Consoante escrevemos “o IPTU é um imposto de natureza real, que grava a disponibilidade econômica do imóvel, nunca o imóvel ou seu título aquisitivo” 1

Nesse sentido são inexigíveis os IPTUs lançados pela Prefeitura de São Bernardo do Campo conforme pacífica jurisprudência de nossos tribunais.

Senão vejamos:

TJSP:

“Ação declaratória de inexigibilidade de crédito tributário c.c. repetição de indébito e indenização por danos material e moral. Município de Ilha Comprida. IPTU. Alegação de restrição decorrente de proteção ambiental. Sentença de improcedência. Imóvel totalmente inserido em Área de Relevante Interesse Ecológico da Zona de Vida Silvestre – ARIE-ZVS – da APA Ilha Comprida. Proibição de qualquer tipo de atividade degradadora ou potencialmente causadora de degradação ambiental, como moradia, plantação ou supressão de vegetação. Dec. Est. 30.817/89, art. 12. Limitações administrativas que impedem o exercício dos direitos inerentes à propriedade. Esvaziamento econômico do bem.Cancelamento judicial da matrícula do imóvel. Cobrança do IPTU afastada. Repetição do indébito. Cabimento, respeitada a prescrição quinquenal. Danos material e moral não caracterizados. Parcial procedência da ação. Recurso parcialmente provido.” (apelação nº 1000368-46.2017.8.26.0244, 18ª Câmara de Direito Público, Rel. Des.Carlos Violante, J. em30/08/2019).

“O direito de propriedade confere ao seu titular as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa, conforme dispõe o art. 1.228 do CC/2002. Ora, sendo impossível a supressão de vegetação em toda a área do imóvel, e mais, qualquer ato de edificação, o conteúdo econômico do terreno esgota-se por completo, restando tão somente a possibilidade de ser vendido. Contudo, como qualquer coisa que não se pode usar para os fins a que são destinadas, nem mesmo a sua venda seria possível, pois não haveria quem se dispusesse a pagar o preço justo do lote comprado antes de impostas as restrições.” (Apelação Cível nº 1024863-72.2014.8.26.0564, da Comarca de São Bernardo do Campo, Rel. Des. Mônica Serrano, j. 11.08.2021)

“APELAÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA – IPTU – Afastamento da prescrição regulamentada pelo Decreto nº 20.910/1932 – IPTU de área de mata fechada, com vegetação nativa e sem acesso – Laudo pericial concluiu que o imóvel não possui valor de mercado – Restrições que, na hipótese, suprimem as faculdades inerentes ao direito de propriedade e, portanto, esgotam a totalidade do conteúdo econômico do bem – Impossibilidade de exigência do IPTU – Entendimento exarado pelo STJ no AgInt no AREsp 1.723.597/SP – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO.” (Apelação Cível nº 1024863-72.2014.8.26.05, Rel. Des. Mônica Serrano, J. em 22/08/2021).

“APELAÇÃO CÍVEL. Ação Anulatória de Lançamento Tributário – IPTU dos exercícios de 2008 e 2009 – Imóvel localizado em área de proteção ambiental reconhecida em perícia – ILEGALIDADE da cobrança reconhecida – Sentença Mantida Recurso Improvido.” (Apelação nº 0001268-65.2009.8.26.0587, Rel. Des., Maurício Fiorito, J. em 30/01/2014).

“Ação Declaratória IPTU – Loteamento com reserva de área de preservação permanente – Área sem finalidade, restrição máxima – Impossibilidade de cobrança do imposto – Honorários advocatícios – Montante fixado em razão do valor da causa – Possibilidade Recursos desprovidos.” (Apelação Cível 0242307-73.2009.8.26.0000, 1ª Câmara Extraordinária de Direito Público, Rel. Desa. Luciana Bresciani, J. em 22/07/2014).

“AÇÃO ANULATÓRIA –IPTU incidente sobre imóvel localizado em Área de Relevante Interesse Ambiental – APACIP de Cananeia – Zona de Vida Silvestre da Área de Proteção Ambiental (ARIE da ZVS da APA de Cananeia) – Relatório da autoridade ambiental competente que atestou a impossibilidade de realização de qualquer atividade degradadora ou potencialmente causadora de degradação ambiental, tais como edificações, supressão de vegetação e introdução de espécies exóticas – Restrições ambientais que, na hipótese, suprimem as faculdades inerentes ao direito de propriedade e, portanto, esgotam a totalidade do conteúdo econômico do bem – Impossibilidade de exigência do IPTU diante do evidente apossamento administrativo da área – Precedentes deste Tribunal – Entendimento exarado pelo STJ no AgInt no AREsp 1.723.597/SP – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO.” (TJSP, AC nº 100483-86.2019.8.26.0118, 14ª Cam. Dir. Público, Rel. Desa. Monica Serrano, J. em 18/10/2022).

“Apelação Cível – Execução fiscal – IPTU – Terreno de praia –
Área de preservação ambiental permanente e non aedificandi Descabimento da cobrança do tributo, pois o caso não é de simples restrição administrativa, pois o terreno de praia que não serve para construir, para nada serve. Apelação desprovida.” (Ap. Civ. nº 70042261115, Rel. Des. Irineu Mariani, J. em 28/9/2011).

TJRS:

“Apelação Cível. Embargos à execução fiscal. IPTU. Imóvel situado em área de preservação ambiental. Limitação ao direito de propriedade que repercute na esfera tributária. Pela Constituição Federal o âmbito do IPTU é a propriedade predial e territorial urbana (art. 156, I), ainda que o art. 32 do CTN estenda a base de incidência ao domínio útil e à posse, tidos como sua exteriorização.

De sua parte, o Código Civil não define a propriedade; todavia, enuncia os poderes do proprietário (art. 1.228). São, pois, elementos componentes da propriedade o direito: a) de ter e possuir a coisa e de usá-la (jus utendi) b) de fruir (jus fruendi) e c) de dispor seja materialmente (demolir, destruir, transformar, reconstruir, etc.) seja juridicamente (alienar, gravar, etc.) – (jus abutendi).

A lei, todavia, pode impor limitações ao direito de propriedade, no interesse público, geral ou administrativo, como a proibição de demolir edificações, por seu valor histórico ou artístico, ou de construir, em áreas de preservação ambiental ou ecológica.

A limitação ao direito de propriedade, sobre marcar até onde vai ou pode ir o arbítrio de seu titular, repercute na esfera tributária por IPTU. Na verdade soa desconchavo tributar o proprietário que nem assim é, e nem assim pode ser tido, por não dispor do imóvel em sua inteireza material e jurídica, expressão que é do domínio, por conta de limitação administrativa.Apelo desprovido. Unânime” (Apelação Cível nº 70015524218, 21ª Câmara Cível, TJ/RS, Rel. Des. Genaro José Baroni Borges, J. em 5/7/2006).

STJ:

“A jurisprudência do STJ, todavia, não há de ser lida como recusa de ponderar, na análise do fato gerador do IPTU e de outros tributos, eventual constrição absoluta de cunho ambiental, urbanístico, sanitário ou de segurança sobreposta sobre 100% do bem. Cobrança de tributo sobre imóvel intocável ope legis e, por isso, economicamente inaproveitável, flerta com confisco dissimulado. Reconhecer singularidade notória e inconteste, que afeta a base material e ética do fato gerador, não ofende as disposições cogentes do art. 111 do CTN.

O Direito Tributário deve ser amigo, e não adversário, da proteção do meio ambiente. A “justiça tributária” necessariamente abarca preocupações de sustentabilidade ecológica, abrigando tratamento diferenciado na exação de tributos, de modo a dissuadir ou premiar comportamento dos contribuintes que, adversa ou positivamente, impactem o uso sustentável dos bens ambientais tangíveis e intangíveis.

No Estado de Direito Ambiental, sob o pálio sobretudo, mas não exclusivamente, do princípio poluidor-pagador, tributos despontam, ao lado de outros instrumentos econômicos, como um dos expedientes mais poderosos, eficazes e eficientes para enfrentar a grave crise de gestão dos recursos naturais que nos atormenta. Sob tal perspectiva, cabe ao Direito Tributário – cujo campo de atuação vai, modernamente, muito além da simples arrecadação de recurso financeiros estáveis e previsíveis para o Estado – identificar e enfrentar velhas ou recentes práticas nocivas às bases da comunidade da vida planetária. A partir daí, dele se espera, quer autopurificação de medidas de incentivo a atividades antiecológicas e de perpetuação de externalidades ambientais negativas, quer desenho de mecanismos tributários inéditos, sensíveis a inquietações e demandas de sustentabilidade, capazes de estimular inovação na produção, circulação e consumo da nossa riqueza natural, assim como prevenir e reparar danos a biomas e ecossistemas. Um esforço concertado, portanto, que envolve, pelos juízes, revisitação e releitura de institutos tradicionais da disciplina e, simultaneamente, pelo legislador, alteração da legislação tributária vigente.” (Ag Int no AREsp n. 1.723.597/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, J. em 29/06/2021,).

Por fim, em recente julgamento, datado de 31/10/2022, a 15ª Câmara do Direito Público do E. TJSP afastou a cobrança do IPTU pelo Município de São Bernardo do Campo citando farta jurisprudência a respeito. Vejamos:

“APELAÇÃO CÍVEL N° 1030972-29.2019.8.26.0564

COMARCA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

APELANTE: MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

APELADOS: LAURO UMBELINO ROSA E OUTRO

JUIZ: ALEXANDRE JORGE CARNEIRO DA CUNHA FILHO

VOTO Nº 32.147

APELAÇÃO CÍVEL – IPTU – MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO – AÇÃO ANULATÓRIA DE IPTU CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO, CUJOS PEDIDOS FORAM JULGADOS PARCIALMENTE PROCEDENTES – PRETENDIDA A REFORMA DA R. SENTENÇA PELO MUNICÍPIO – (I) IMÓVEL SITUADO EM RIBANCEIRA, COM ESVAZIAMENTO DE SEU CONTEÚDO ECONÔMICO – MANUTENÇÃO DO AFASTAMENTO DA COBRANÇA DE IPTU – PRECEDENTES – (II) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA TOMANDO-SE POR BASE OS INTERESSES EM DISCUSSÃO – DIVISÃO DAS CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS E CONDENAÇÃO DOS AUTORES AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ANTE AO DECAIMENTO EM PARTE DA EXPRESSÃO ECONÔMICA DO PEDIDO NOS TERMOS DO ART. 86 DO CPC – REFORMA NESSE CAPÍTULO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Cuida-se de apelação interposta pelo Município de São Bernardo do Campo contra a r. sentença de fls. 144/147, que nos autos da intitulada “ação anulatória de dívida IPTU c/c danos materiais e morais” ajuizada em face do Município apelante, julgou parcialmente procedentes os pedidos para reconhecer inexigíveis em relação aos autores os valores de IPTU referentes ao bem descrito na inicial, enquanto esvaziado seu respectivo conteúdo econômico.

Considerando a sucumbência recíproca, e o princípio da causalidade, a r. sentença condenou o Município ao reembolso de custas e despesas processuais, bem como ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa.

Opostos embargos de declaração pelas partes a fls. 151/153 e fls. 158/160, foram parcialmente acolhidos os do Município, para reconhecer a prescrição da pretensão autoral para os débitos anteriores a novembro de 2014.

Em suas razões (fls. 166/174), o apelante pleiteia a reforma da sentença, com a manutenção da cobrança de IPTU e a exclusão da condenação a título de verba sucumbencial, sustentando, em síntese: (i) que o imóvel se encontra dentro do perímetro de zona urbana do Município e o impedimento à edificação se deve unicamente a irregularidade do lote, qual seja, sua alta declividade e significativa vegetação, de modo que legítima a cobrança de IPTU; (ii) que ainda que se trate de loteamento irregular, originário de Associação Comunitária e desmembrado apenas para fins tributários, a responsabilidade deve ser imputada aos possuidores apelados, os quais fizeram uso da área, já que teriam retirado parte de sua vegetação; (iii) que os apelados sucumbiram em maior parte do pedido, haja vista o insucesso em relação ao pleito indenizatório e a anulação de IPTU apenas em relação aos cinco anos anteriores à distribuição da anulatória, de maneira que incabível a condenação no percentual de 10% do valor da causa.

Recurso tempestivo, isento de preparo e contrarrazoado a fls. 175/181.

As partes não se opuseram ao julgamento virtual.

É o relatório.

O recurso comporta parcial provimento.

Os autores ajuizaram intitulada “ação anulatória de dívida IPTU c/c danos materiais e morais” em face do Município apelante visando a anulação de débitos tributários de IPTU, bem como a condenação do réu ao pagamento de danos materiais e morais em razão de impedimento de edificação e de venda do imóvel dos apelados por ele imposto.

A r. sentença vergastada afastou o pleito indenizatório por não vislumbrar a configuração da responsabilidade civil do Estado no caso em tela, e, por reconhecer a impossibilidade de uso econômico do bem, afastou a cobrança de IPTU sobre o bem em comento.

Pois bem.

Na hipótese dos autos, considerando as características do terreno em análise, o qual está situado em ribanceira, com alta declividade, conforme se pode notar pelas fotos acostadas a fls. 34/39, bem como pelas informações prestadas pelo Município apelante a fls. 50/51, entendo que o conteúdo econômico do direito de propriedade e a possibilidade de exercícios dos poderes inerentes a ele restaram praticamente esvaziados, o que impede a incidência de IPTU.

Importa ressaltar, ademais, que a impossibilidade de edificação no aludido terreno em decorrência de suas próprias características é incontroversa nos autos. Cumpre reconhecer que os apelados, conforme bem pontuado pelo juízo a quo, não adotaram os cuidados necessários ao adquirir lote irregular, sobre o qual não poderiam construir. Todavia, tal observação em nada modifica o fato de que o uso econômico do bem em tela está, nas atuais circunstâncias, inviabilizado, de sorte que não é cabível impor aos apelados o pagamento de tributo inerente ao direito de propriedade ou posse, cujos poderes a ele inerentes não estão conservados.

Sobre o tema, oportuno mencionar o escólio de Kiyoshi Harada: “como o fato gerador do IPTU é a disponibilidade econômica da propriedade, domínio útil ou posse, resta claro que os imóveis esvaziados em seu conteúdo econômico não podem ser tributados, sob pena de afronta aos princípios da isonomia tributária, da capacidade contributiva e da proibição de efeito confiscatório.” (O IPTU e as restrições ambientais, disponível em https://haradaadvogados.com.br/oiptu-as-restricoes-ambientais. Acesso em 30/08/2022.)

Entendo, portanto, plenamente comprovada a alegação dos autores/apelados de que o direito de propriedade, na espécie, restou esvaziado, o que, como já afirmado, impede a incidência do IPTU.

Em casos semelhantes, assim já decidiu esta Col. Câmara:

IPTU – LIMITAÇÕES À PROPRIEDADE – Município de Guarujá – Ação declaratória julgada improcedente – Zona de preservação ambiental na totalidade da área, conforme apurado pelo perito judicial – Hipótese de esvaziamento econômico do lote – Existência de severas restrições ao exercício do direito à propriedade – Cobrança do IPTU afastada – Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1010739- 98.2018.8.26.0223; Relator (a): Erbetta Filho; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Guarujá – Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 10/05/2022; Data de Registro: 10/05/2022)

IPTU – LIMITAÇÕES À PROPRIEDADE – Exercícios de 2006 a 2009 – Embargos à execução julgados procedentes – Município de Santo André – Zona de preservação ambiental e de proteção de mananciais em mais de 90% da área – Existência de severas restrições ao exercício do direito à propriedade Impossibilidade – de parcelamento – Cobrança do IPTU afastada – Recursos não providos. (TJSP; Apelação/ Remessa Necessária 0026850-93.2014.8.26.0554; Relator (a): Erbetta Filho; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Santo André – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 20/09/2018; Data de Registro: 25/09/2018)

No mesmo sentido, julgados das demais Câmaras Especializadas: Apelação nº 1000402-55.2016.8.26.0244, Rel. Des. Octavio Machado de Barros, j. 24/09/2021; Apelação nº 1003982-88.2019.8.26.0244, Rel. Des. Mônica Serrano, j. 16/07/2021; Apelação Cível 1004102-68.2018.8.26.0244; Rel. Des. Botto Muscari, j. 08/06/2021; Apelação Cível 1002301-88.2016.8.26.0244, Rel. Des. Ricardo Chimenti, j. 27/09/2019; Apelação Cível nº 0003550-67.2011.8.26.0244, Rel. Des. Beatriz Braga, 18ª Câmara de Direito Público, j. 27/08/2015.

Não destoa dessa orientação, por fim, o Col. STJ, em caso em que se discutiu a incidência de IPTU sobre imóvel em relação ao qual incidiam limitações administrativas:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. OFENSA AOS ARTIGOS 489, § 1º, VI, E, 1.022, II, AMBOS, DO CPC/2015. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INCIDÊNCIA DE IPTU SOBRE IMÓVEL PARTICULAR SITUADO INTEGRALMENTE EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO INTEGRAL. ESTAÇÃO ECOLÓGICA. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA NO CASO CONCRETO QUE IMPÕE RESTRIÇÃO DO PROPRIETÁRIO AO EXERCÍCIO DO DOMÍNIO ÚTIL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO ARTIGO 34 DO CTN. (…). (…)

2. Trata-se de embargos à execução fiscal manejados pelo contribuinte que visa desconstituir o IPTU exigido pelo Município de Belo Horizonte, sobre imóvel situado em Unidade de Conservação, designada de Estação Ecológica Cercadinho, instituída pela Lei Estadual n° 15.979/06.

3. A limitação administrativa imposta pela Lei 9.985/2000 acarreta ao particular, o esvaziamento completo dos atributos inerente à propriedade, de reivindicação, disposição, de uso e gozo do bem, retirando-lhe na hipótese o domínio útil do imóvel, de modo que o aspecto subjetivo da hipótese de incidência do IPTU, disposto no artigo 34 do CTN, não se subsume à situação descrita nestes autos, razão pela qual não se prospera a incidência do referido tributo;

(…)

5. Recurso Especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 1695340/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 24/09/2019)

Correta, portanto, a r. sentença, ao reconhecer a inexigibilidade do IPTU sobre o imóvel descrito na inicial.

[…]

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, para alterar a distribuição da verba sucumbencial fixada na sentença.

AMARO THOMÉ

Relator”

2.3 Do reconhecimento pela Prefeitura de SBC da perda de disponibilidade econômica das glebas indevidamente tributadas

Em reiteradas petições entranhadas nos autos das execuções fiscais a Municipalidade de São Bernardo do Campo confessa a inutilidade econômica das glebas em questão ao rejeitar a nomeação desses imóveis para assegurar o juízo da execução, mediante o argumento de que “o imóvel gerador da obrigação é área de manancial de difícil comercialização (petição de 15/3/2004); “imóvel é de difícil alienação (petição de 26-5-2004); recusa da penhora “por ser área de manancial de inviabilidade de comercialização (petição de 24-11-2003).

Outrossim, nos exercícios de 1998, 1999 e 2000 a própria Municipalidade de São Bernardo do Campo, reconhecendo a perda de disponibilidade dos imóveis, concedeu o desconto de 80% do IPTU em relação ao imóvel inscrito sob nº 534.505.002.000 e de 79,36% em relação ao imóvel inscrito sob nº 534.505.003.000, de conformidade com a carta enviada pelo chefe de seção de Cadastro Fiscal Imobiliário da Prefeitura de São Bernardo do Campo, datada de 16-3-2008.

Ora, em se tratando imposto de lançamento anual essas reduções do IPTU têm aplicação para os exercícios subsequentes, a menos que tenham ocorrido alterações fáticas ou jurídicas.

A legislação não mudou de lá para cá, tampouco a situação fática, pois até houve regeneração da vegetação nativa. É nesse sentido que deve ser interpretada a Súmula nº 239 do STF.

Despicienda, portanto, a renovação anual do pedido de isenção.

Na verdade, não se trata de isenção, mas da hipótese de inocorrência do fato gerador do IPTU que, repita-se, é a disponibilidade econômica do imóvel pelo proprietário, titular do domínio útil ou possuidor a qualquer título. A propriedade, o domínio útil e a posse são objetos do IPTU, e não seu fato gerador. A ocorrência ou inocorrência do fato gerador é matéria que cabe privativamente ao fisco verificar, independendo de qualquer ação do contribuinte.

2.4 Distinção entre limitação administrativa da propriedade e a interdição de uso da propriedade

As limitações administrativas da propriedade são aquelas impostas pela ordem pública genérica, fundada no poder de polícia do Estado, restringindo, com base na lei, o exercício do direito de propriedade no interesse da coletividade. São sempre medidas de caráter geral condicionando o exercício do direito ao bem-estar-social ou bem-estar geral.

São as limitações decorrentes do direito urbanístico, tais como recuo frontal obrigatório; a observância impositiva do gabarito de construção; o respeito as diferentes zonas de uso proibindo-se, por exemplo, a edificação de prédio comercial/industrial em zona de uso estritamente residencial.

Existem outras limitações, como é o caso do art. 12 do Código de Águas que determina a servidão de trânsito para passagem de agentes públicos na faixa de 10m nas margens de rios navegáveis.

O CONAMA, criado pela Lei nº 6.938/81, impõe restrição de uso das áreas em volta de lagos ou nascentes d’água em um raio de 50m etc.

Todas essas limitações são impostas a todos, sendo inindenizáveis, mesmo porque atingem apenas parte do imóvel e não interditam o uso da propriedade. A área de recuo frontal obrigatório pode ser utilizada para estacionamento de veículos, ou formação de um jardim, por exemplo.

Diferentes são as limitações que implicam interdição do uso da propriedade como nos imóveis no entorno de mananciais da Represa Billings, da Represa do Guarapiranga, ou daquelas decorrentes da implantação de “Parques Ecológicos” que atingem as propriedades abarcando áreas situadas em vários Municípios contíguos.

Nessas hipóteses há verdadeira interdição do uso da propriedade que fica desfalcada de sua função mais importante que lhe confere utilidade econômica.

É remansosa a jurisprudência de nossos tribunais acerca da indenização em caso de interdição do uso, como acontece com as duas glebas em questão:

TJSP:

“Se o impedimento de construção ou desmatamento atingir a maior parte da propriedade ou a sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso de propriedade (Ap. Civ. nº 216.461-1/SP, Rel. Des. José Cardinale, J. em 10/8/93, no mesmo sentido: Ap. Civ. nº 154.604-2/Cubatão, Rel. Des. Debatin Cardoso,J. em em 17/12/92; Ap. Civ. nº 150.395-2/Mogi das Cruzes, Rel. Des. Nelson Hamada, J. em 11/11/89; Ap. Civ. nº 225.061-2/Santos, Rel. Des. Accioli Freire, J. em 24/11/94; Ap. Civ. nº 245.321/ Cubatão, Rel. Des. Nelson Schiesari, J. em 8/8/95).

STJ:

“Criado o Parque Estadual da Serrado Mar, abrangendo toda a propriedade do recorrido, ficou este proibido de efetuar qualquer forma de exploração dos recursos naturais de sua propriedade, inclusive, de desmatar qualquer parte dela. Ao recorrido cabe a ação de desapropriação indireta, falece-lhe o direito de desmatar qualquer área da propriedade incluída no Parque Estadual” (REsp nº 27.582-SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 7/12/92. No mesmo sentido: REsp nº 7.515-SP, Rel. Min. Antônio Pádua Ribeiro, DJ de 2/8/93; REsp nº 34.006-SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 22/11/93; REsp nº 47.865-SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo,DJ de 5/9/94).

TRF1:

[…]

Neste sentido, este TRF-1ª Região assim decidiu:

“A criação de parque nacional em terras particulares consubstancia-se em verdadeira expropriação indireta que obriga a indenização do proprietário pelo justo preço. Precedentes” (AC 2002.38-020529-2/MG, DJ de 25-10-2005, p.27, 4ª Turma, Des. Federal Carlos Olavo).

Não é outro o entendimento do renomado autor Kiyoshi Harada, in: Desapropriação Doutrina e Prática, 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.190:

“Toda vez que o Poder Público decretar a medida que impeça o proprietário de usufruir da propriedade por tempo ilimitado, como no caso do Decreto nº 10.251/77 do Governo do Estado de São Paulo, que criou o Parque Estadual da Serra do Mar, dá ensejo à propositura de ação indenizatória.

Nesse caso, atualmente, é tranquilíssima a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no sentido do cabimento da indenização, porque aquela medida equivale ao apossamento administrativo:

“Se o impedimento de construção ou de desmatamento atingir a maior parte da propriedade ou a sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade”.

[…]

Pelo exposto, nego provimento à apelação do IBAMA e dou provimento parcial à apelação dos autores, fixando os honorários advocatícios em 3% sobre o valor total da indenização” (Ap. Civ. nº 2001.38.00.003364/MG, Rel. Juiz Tourinho Neto, DJ de 28-4-2006)

STF:

“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ESTAÇÃO ECOLÓGICA JURÉIA-ITATINS. DESAPROPRIAÇÃO. MATAS SUJEITAS À PRESERVAÇÃO PERMANENTE. VEGETAÇÃO DE COBERTURA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1.Desapropriação. Cobertura vegetal sujeita a limitação legal. A vedação de atividade extrativista não elimina o valor econômico das matas preservadas, nem lhes retira do patrimônio do proprietário. 2. Impossível considerar essa vegetação como elemento neutro na apuração do valor devido pelo Estado expropriante. A inexistência de qualquer indenização sobre a parcela de cobertura vegetal sujeita a preservação permanente implica violação aos postulados que asseguram os direito de propriedade e a justa indenização (CF, artigo 5º, incisos XXII e XXIV). 3. Reexame de fatos e provas técnicas em sede extraordinária. Inadmissibilidade. Retorno dos autos ao Tribunal de origem para que profira nova decisão, como entender de direito, considerando os parâmetros jurídicos ora fixados. Recurso extraordinário conhecido em parte e, nesta, provido.” (RE nº 267.817-SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 29/11/2022, p.42).

“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ESTAÇÃO ECOLOGICA – RESERVA FLORESTAL NA SERRA DO MAR – PATRIMÔNIO NACIONAL (CF, ART. 225, PAR.4.) – LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE AFETA O CONTEÚDO ECONOMICODO DIREITO DE PROPRIEDADE – DIREITO DO PROPRIETARIO A INDENIZAÇÃO – DEVER ESTATAL DE RESSARCIR OS PREJUIZOS DE ORDEM PATRIMONIAL SOFRIDOS PELO PARTICULAR – RE NÃO CONHECIDO. – Incumbe ao Poder Público o dever constitucional de proteger a flora e de adotar as necessárias medidas que visem a coibir praticas lesivas ao equilíbrio ambiental. Esse encargo, contudo, não exonera o Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis venham a ser afetados, em sua potencialidade econômica, pelas limitações impostas pela Administração Pública. – A proteção jurídica dispensada as coberturas vegetais que revestem as propriedades imobiliárias não impede que o dominus venha a promover, dentro dos limites autorizados pelo Código Florestal, o adequado e racional aproveitamento econômico das árvores nelas existentes. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais em geral, tendo presente a garantia constitucional que protege o direito de propriedade, firmou-se no sentido de proclamar a plena indenizabilidade das matas e revestimentos florestais que recobrem áreas dominiais privadas objeto de apossamento estatal ou sujeitas a restrições administrativas impostas pelo Poder Público. Precedentes. – A circunstância de o Estado dispor de competência para criar reservas florestais não lhe confere, só por si – considerando-se os princípios que tutelam, em nosso sistema normativo, o direito de propriedade -, a prerrogativa de subtrair-se ao pagamento de indenização compensatória ao particular, quando a atividade pública, decorrente do exercício de atribuições em tema de direito florestal, impedir ou afetar a valida exploração econômica do imóvel por seu proprietário. – A norma inscrita no ART.225, PAR.4., da Constituição deve ser interpretada de modo harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo ordenamento fundamental, notadamente com a cláusula que, proclamada pelo art. 5, XXII, da Carta Política, garante e assegura o direito de propriedade em todas as suas projeções, inclusive aquela concernente a compensação financeira devida pelo Poder Público ao proprietário atingido por atos imputáveis a atividade estatal. O preceito consubstanciado no ART.225, PAR. 4., da Carta da República, além de não haver convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelas florestas e pelas matas nele referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica brasileira), também não impede a utilização, pelos próprios particulares, dos recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam sujeitas ao domínio privado, desde que observadas as prescrições legais e respeitadas as condições necessárias a preservação ambiental. – A ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (CF/88, art. 5., XXII). Essa proteção outorgada pela Lei Fundamental da Republica estende-se, na abrangência normativa de sua incidência tutelar, ao reconhecimento, em favor do dominus, da garantia de compensação financeira, sempre que o Estado, mediante atividade que lhe seja juridicamente imputável, atingir o direito de propriedade em seu conteúdo econômico, ainda que o imóvel particular afetado pela ação do Poder Público esteja localizado em qualquer das áreas referidas no art. 225, PAR. 4., da Constituição. – Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração (CF, art. 225, caput)” (RE nº 134297/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 22/9/1995, p. 30597).

Como se verifica dos julgados colacionados, se a interdição de uso da propriedade por razões ambientais enseja indenização por desapropriação indireta, com muito maior razão não pode subsistir os lançamentos de IPTU sobre propriedades com uso interditado.

2.5 Do fundamento constitucional da preservação do meio ambiente

A Constituição Federal em seu art. 225 define o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, definido enquanto bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

A par da Lei nº 6.938/81 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, sobrevieram a Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e a Lei nº 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza) para atender a disposição expressa no art. 225 da CF.

Dentro dessa Política Ambiental, inúmeros Municípios vêm reduzindo ou isentando do IPTU das áreas cobertas por vegetação nativa como os Municípios, dentre outros, de Araraquara (SP); Americana (SP); Barretos (SP); Campos do Jordão (SP); Camburiú (SC); Camaru (PE); Colatina (ES); Curitiba (PR); São Paulo (SP) e São Bernardo do Campo (SP).

A Lei nº 6.594, de 28-9-2017, do Município de São Bernardo do Campo institui diversos incentivos fiscais, dentre os quais o do Imposto Sobre Propriedade Predial Urbana (art. 7º, I) e Imposto Sobre Propriedade Territorial Urbana (art. 7º, II).

A área com cobertura vegetal está isenta do IPTU conforme art. 27:

“Ao imóvel com cobertura vegetal que, segundo parecer técnico elaborado pela Secretaria de Meio Ambiente e Proteção Animal, contribua de forma significativa para o índice mínimo de áreas verdes no Município, ou seja, considerada representativa da flora regional, fica concedida a isenção do tributo referido no inciso II do art. 7º desta Lei, de acordo com o percentual obtido segundo a regra de cálculo:”

Já se demonstrou que a totalidade das áreas do Consulente sofre limitações ambientais equivalendo a verdadeira interdição do uso da propriedade.

A edificação irregular existente na propriedade do Consulente foi feita por um invasor que está pleiteando na Justiça a usucapião da área, conforme documentação que nos foi exibida.

Antes do advento dessa Lei de nº 6.594/2017 a Prefeitura de SBC já havia feito descontos do IPTU dos exercícios de 1998, 1999 e 2000, sendo certo que a mesma Prefeitura expediu certidão atestando que as áreas do Consulente estão “dentro da área de proteção dos mananciais hídricos dos contribuintes da Billings, conforme Lei nº 6.184, de 21/12/2011.

Fala-se em isenção, mas, na realidade, trata-se de reconhecimento, por parte do fisco, de situação de não incidência do IPTU, por impossibilidade de ocorrer o fato gerador da obrigação tributária, por se tratar de imóveis desprovidos da disponibilidade econômica, conforme reiteradamente confessado pela Municipalidade tributante no bojo das execuções fiscais em curso.

Esclareça-se que se a própria prefeitura de SBC reconhece que as propriedades do Consulente estão localizadas nas áreas de mananciais hídricos dos contribuintes da Billings, nenhuma providência cabe ao proprietário da área para ver reconhecida a não incidência do IPTU.

Trata-se de medida de ofício da Prefeitura de reconhecer a não incidência do IPTU sobre as áreas do Consulente abrangidas pela Lei Municipal de nº 6.184, de 21/12/2011 e pela Lei Estadual de nº 1.379/09. A verificação de ocorrência ou não do fato gerador da obrigação tributária é tarefa privativa do fisco. Como o fato gerador do IPTU é a disponibilidade econômica da propriedade imobiliária, ausente a faculdade de usar e gozar é impossível a concretização do fato gerador.

Nesse contexto está em discussão no Congresso Nacional a PEC nº 13/2019 que estabelece critérios ambientais para a cobrança do IPTU e desonera a parcela do imóvel com vegetação nativa.

Essa PEC altera o art. 156 da CF conferindo a seguinte redação:

“II – poderá ter alíquotas diferentes de acordo com:

a) a localização do imóvel;

b) o aproveitamento de águas pluviais, o reuso da água servida, o tratamento local das águas residuais, a recarga do aquífero, a utilização de telhados verdes, o grau de permeabilização do solo e a utilização de energia renovável no imóvel;

III – não incidirá sobre a parcela do imóvel em que houver vegetação nativa.”

A Proposta de Emenda utiliza corretamente a expressão “não incidirá” para deixar claro que não se trata de isenção, um benefício fiscal, mas de hipótese de inocorrência do fato gerador do IPTU, porque desfalcada a propriedade de um de seus elementos essenciais que é a faculdade de usar e gozar.

Essa proposta, outrossim, representa uma forma de positivação, em nível constitucional daquilo que a jurisprudência dos tribunais locais e regionais, do STJ e do STF vêm decidindo acerca da intributabilidade pelo IPTU de propriedade desprovida de utilidade econômica, decorrente de interdição de uso por questões ambientais.

Por outro lado, essa PEC objetiva conferir efetividade ao comando constitucional do art. 225, a fim de induzir condutas do contribuinte para a preservação do meio ambiente.

Os tributos voltados para a preservação do meio ambiente são conhecidos como tributos verdes.

Três princípios de direito ambiental informam os tributos verdes ou green taxes: o princípio da precaução; o princípio da cooperação e o princípio poluidor-pagador.

No dizer de Celso Antonio Pacheco Fiorillo “a prevenção e preservação devem ser concretizadas por meio de uma consciência ecológica, a qual deve ser desenvolvida através de uma política de educação ambiental” 2

O princípio da cooperação, por sua vez, diz respeito à ideia de que toda a sociedade deve participar do processo de proteção do meio ambiente, visto que a sua preservação beneficia toda a humanidade.

Vai ao encontro do art. 225 da CF, segundo o qual todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

O art. 2º do Código Florestal, Lei nº 12.651/2012, também dispõe que “as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.”

Por derradeiro, o princípio do poluidor-pagador busca prevenir danos ambientais ao mesmo tempo em que impõe medidas para reparação do dano causado.

No dizer de Simone Martins Sebastião: “Numa concepção ampla esse princípio visa imputar ao poluidor o custo social da poluição que ele dá causa.

[…]

Numa concepção mais limitada, que é adotada pela OCDE e pela CEE, o princípio poluidor-pagador visa encarregar o poluidor das despesas de combate contra a poluição” 3

A implantação do chamado tributo verde que vem ganhando espaço nas legislações municipais é, sem dúvida, um grande instrumento para conferir efetividade à determinação constitucional do art. 225 da CF para preservação do meio ambiente sadio, sobretudo, para as futuras gerações.

Não faz sentido que o Consulente que já arca com as despesas de preservação e manutenção da flora e da fauna para o benefício de toda sociedade, tenha que arcar, ainda, com o IPTU incidente sobre a propriedade despida de conteúdo econômico.

E aqui é oportuno recordar trecho do voto proferido pelo Ministro Herman Benjamin:

“O Direito Tributário deve ser amigo, e não adversário, da proteção do meio ambiente. A ‘justiça tributária’ necessariamente abarca preocupações de sustentabilidade ecológica, abrigando tratamento diferenciado na exação de tributos, de modo a dissuadir ou premiar comportamento dos contribuintes que, adversa ou positivamente, impactem o uso sustentável dos bens ambientais tangíveis e intangíveis “ Ag. Int no AREsp nº 1.723.597/SP, J. em 29-3-2021).

3 Resumindo e concluindo

Os dois imóveis do Consulente estão localizados na Área de Proteção e Recuperação Ambiental do Reservatório Billings (APRM-B), um dos mais importantes mananciais de abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo.

Ambos os imóveis sofrem interdição de uso da propriedade por força das legislações ambientais das três esferas políticas (Código Florestal, Lei nº 12.651/2012; Lei Estadual de nº 13.579/2009; e Lei Municipal de SBC de nº 6.184/2011).

Propriedade desfalcada de seu elemento essencial, qual seja, a faculdade de usar e de gozar (art. 1.228 do CC) não pode ensejar o lançamento do IPTU que tem por fato gerador a disponibilidade econômica da propriedade, do domínio útil e da posse.

4 Respostas aos quesitos formulados:

  1. Qual a localização das áreas do Consulente?

R: Segundo o laudo técnico as duas áreas (matrículas 9.666 e 5.866, do 2º Cartório de Registros de Imóveis de SBC) estão inseridas na Área de Proteção e Recuperação Ambiental do Reservatório Billings. Este fato é certificado pelas certidões expedidas pelo órgão municipal competente da Prefeitura de SBC.

  1. Os imóveis do Consulente são passíveis de utilização econômica?

R: Os imóveis do Consulente por força das legislações ambientais das três esferas políticas (da União, do Estado de São Paulo e do Município de SBC) não podem ser utilizados para a exploração de qualquer atividade econômica, caracterizando-se como imóveis desprovidos de disponibilidade econômica, cujo valor de mercado é ZERO. Esse fato está confessado reiteradas vezes pela Prefeitura tributante.

3 Os lançamentos de IPTU feitos pela Prefeitura de SBC são válidos?

R: Os lançamentos efetuados pela Prefeitura de SBC são nulos de pleno direito. O fato gerador do IPTU não é a propriedade, mas a sua disponibilidade econômica. A propriedade, assim como o domínio útil e a posse são objetos do IPTU e não seu fato gerador.

Esses lançamentos desobedecem a própria Lei de nº 6.594, de 28 de setembro de 2017 editada pela Municipalidade de SBC, cujo art. 27 c.c art. 7º isenta os imóveis com cobertura vegetal, não bastasse a maciça jurisprudência de todos os tribunais do País no sentido da intributabilidade de imóveis sob interdição de uso decorrente de legislação ambiental. Esclareça-se que não é caso de isenção, terminologia equivocadamente utilizada pelo legislador municipal, mas hipótese de não incidência, como consta corretamente da PEC 13/2019.

A verificação da inocorrência do fato gerador é matéria que se insere na atribuição privativa do fisco, não se exigindo qualquer ação do contribuinte.

  1. Qual a providência cabível para o caso, se os lançamentos feitos pela Prefeitura de SBC são indevidos e ilegais?

R: Cabe ao Consulente ajuizar a ação ordinária contra a Municipalidade de SBC pleiteando o reconhecimento da nulidade desses lançamentos, requerendo a concessão de tutela de urgência para sobrestar os atos de execução dos créditos tributários indevidamente constituídos, bem como para inibir os lançamentos do IPTU de 2024 e dos exercícios subseqüentes na pendência dessa ação ordinária.

É o nosso parecer, smj.

São Paulo, 11 de agosto de 2023.

Kiyoshi Harada Marcelo Kiyoshi Harada

OAB/SP 20.317 OAB/SP 211.349

1Cf. nosso Direito Tributário Municipal, 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.95

2 Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p.112

3 Tributo Ambiental. Extrafiscalidade e função promocional do direito, 5ª ed. Curitiba: Juruá, 2010, p.214.

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