A lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003 contempla no subitem 11.01 o serviço de guarda e estacionamento de veículos terrestres automotores, aeronaves e embarcações.
É importante salientar, de início, que o ISS não incide sobre a locação de espaço físico para o estacionamento de veículo, mas, sobre a prestação do serviço de guarda e estacionamento do veículo, o que o que pressupõe a entrega das chaves ao prestador de serviços, que fica na posição de depositário do veículo, seja ele terrestre, aéreo ou marítimo. Deve, pois, haver vigilância sobre o veículo estacionado, o que difere de estacionamento em um autocine, para assistir a um espetáculo cinematográfico.
Exatamente a condição de depositário do veículo estacionado o prestador de serviço previsto no subitem 11.01 da lista não se confunde com o estacionamento em vias públicas, mediante pagamento de tarifa na modalidade conhecida como “zona azul”.
Há julgados entendendo que no caso há serviço público prestado pelo Município e, por conseguinte, a sua responsabilidade na hipótese de roubo ou furto do veículo estacionado. Há equívoco nesse entendimento.
O preço percebido pelo Município pelo estacionamento de veículo em via pública nada tem a ver com a prestação de serviço. A tarifa cobrada pelo poder público constitui receita originária do Município pela exploração de bens de seu patrimônio, tal como ocorre que a cobrança pela utilização de calçadas para instalação de bancas de jornal e revistas, a utilização de vias públicas para colocação de andaimes, para instalação de feiras-livres etc., consoante escrevemos.[1]
A exploração econômica do bem público de uso comum do povo mediante paga passou a ter previsão legal no art. 103 do novo Código Civil que prescreveu:
“Art.103 – O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem”.
Esse dispositivo legal, ao mesmo tempo em que dirime a confusão entre taxa ou tarifa ou simplesmente preço, afasta a cogitação da prestação de serviço de estacionamento a acarretar a responsabilidade do poder público pelo furto ou roubo do veículo estacionado em via pública, bem de uso comum do povo, mediante paga.
A prevalecer essa ideia de responsabilidade do poder público municipal, no caso de veículo estacionado na zona azul, segue-se que na hipótese de furto ou roubo de jornais e revistas ocorridos nas bancas instaladas nas calçadas, mediante pagamento do respectivo preço, o poder público deverá ser igualmente responsabilizado.
E ninguém sustenta essa tese, pois é sabido que o dono da banca de jornal ocupa a calçada pública mediante autorização de uso a título precário, pagando o preço unilateralmente estipulado pelo poder público.
No caso, quando muito, poder-se-ia cogitar de responsabilidade do Estado por omissão dos órgãos de segurança pública, estranha à esfera de competência municipal.
Mas, é importante esclarecer que não estamos falando da responsabilidade do poder público por omissão no desempenho de sua atividade no âmbito da segurança pública, que abrange o policiamento preventivo, matéria que se insere na seara da responsabilidade objetiva do Estado a exigir o exame aprofundado de cada caso concreto.
Não há prestação de serviço privado pelo Município no ato de autorizar o uso da via pública por meio de zona azul, muito menos a prestação de serviço público que enseja a instituição da taxa de serviços. Mas, isso não afasta a possibilidade de manutenção pelo poder público de um estacionamento mediante paga em um bem de uso especial, localizado em pontos estratégicos da cidade, até mesmo para suprir a deficiência do setor privado.
SP, 5-7-2021.
Por Kiyoshi Harada
[1] Direito financeiro e tributário. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2021, p.49.