Todos têm o direito, entre outros, a paz, ao sossego e a saúde dentro do próprio lar em homenagem ao princípio constitucional da dignidade humana. ( Art. 5º, III da Constituição Federal )
Ninguém é obrigado a suportar ruídos de seus vizinhos quando se recolhe ao lar para o merecido descanso depois de um dia de labuta. O descanso repõe as energias despendidas.
Mas, o ruído deve ser de tal monta que possa ser caracterizado como uso anormal da propriedade a merecer a proteção prevista no Art.1277 e seguintes do Código Civil, que autoriza o proprietário prejudicado a tomar providências para cessar as interferências que atentam contra a sua saúde e seu sossego.
Art. 1227. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências à segurança, ao sossego e a saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Essa responsabilidade é objetiva, independe de culpa ou dolo. Daí não se poder argumentar que a pessoa que causa ruídos é criança, pessoa portadora de doenças que a desequilibram, ou animais.
Ainda dispõe o art.10 da lei 4.591/64:
Art.10. É defeso a qualquer condômino:
…
III- destinar a unidade a utilização diversa de finalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos;
Provavelmente, a Convenção, bem como o Regulamento do condomínio devem ter previstos tais situações.
Nas palavras de Washington de Barros Monteiro:
A propriedade deve ser usada tal maneira que torne possível à coexistência social. Se assim não se procedesse, se os proprietários pudessem invocar uns contra os outros seu direito absoluto e ilimitado, não poderiam praticar qualquer direito, pois as propriedades se aniquilariam no entrechoque de suas várias faculdades. (MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, 18º, Ed. São Paulo, Saraiva, 1979, v.3, p.137)
Com muita propriedade a lição de Antonio Carvalho Martins:
O excesso de ruído é nefasto. As suas consequencias psíquicas e psicológicas são conhecidas: causa fadiga nervosa e perturbação das reações musculares, pode dar origem a impulsos bruscos e violência e ocasionar problemas de personalidade; pode, ainda, causar efeitos temporários ou a longo prazo na audição, nos aparelhos respiratório, cardiovascular e na fisiologia digestiva. (…). (MARTINS, Antonio Carvalho, A Política do Ambiente da comunidade Econômica Européia, Coimbra, 1990, PP.155 e SS, apud Perturbações Sonoras nas Edificações Urbanas, São Paulo, Revistas dos Tribunais, 2ª Ed., 2002)
No mesmo sentido, San Tiago Dantas:
Daí resulta serem incontáveis os atos do homem, que embora praticados no interior de um imóvel, vão ter os seus efeitos propagados até os imóveis adjacentes. Ruídos que se produzem num prédio e que se ouvem nos mais próximos, vapores e fumaças que se exalam e que impregnam a atmosfera circunstante, (…) tudo decorre da união material que a natureza estabelece entre os prédios, e que introduz uma certa comunhão entre os vários proprietários, de tal maneira lhes são reversíveis os seus próprios atos. Ora, a repercussão que pode ter dentro de um prédio o ato que um estranho pratica dentro do seu constitui inequivocamente aquela “ingerência alheia” que o direito de propriedade autoriza a repelir”. (DANTAS, San Tiago, O Conflito de vizinhança e sua composição, Rio de Janeiro, 1939, p.19)
Porém, a solução final para a cessação dos ruídos é promover uma ação judicial. Mas, antes de ingressar com a ação, sempre procurar resolver o problema amigavelmente. Nada conseguindo, notificar o proprietário infrator, inclusive com prazo para realização de obras se necessárias e viáveis para ao depois ingressar em juízo.
SP, 26-1-15.
* Advogada em São Paulo especializada em Direito de Família. Sócia fundadora da Harada Advogados Associados. Juíza arbitral pela Câmara do Mercosul. Autora da obra Coletânea de artigos de direito civil, Rideel, 2011. Ex Inspetora Fiscal da Prefeitura de São Paulo. e-mail: felicia@haradaadvogados.com.br