O lar é o lugar mais sagrado para um ser humano. É onde ele busca guarida para os seus sentimentos, onde ele deixa florescer toda a sua alegria, onde ele afoga toda a sua mágoa. Tão sagrado também é o local de trabalho.
Nada causa tanto incômodo, aborrecimento, contrariedade do que, quando regressando ao lar ou chegando ao seu local de trabalho, a pessoa deparar com condôminos inadimplentes, nocivos ou anti-sociais.
Como dizia meu mestre de direito civil, Prof. Sílvio Rodrigues , o condomínio edilício é um campo fértil para o surgimento de problemas. Alguns, em tom jacoso diziam, não se trata de condomínio, mas, de condômino.
O legislador, na nova lei civil, ao trazer inovações em matéria de condomínio, a par de ser paternalista, não teve coragem suficiente para abordar concisamente situações graves para a convivência harmoniosa, deixando cláusulas abertas para as devidas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais. Eu diria, sem sombra de dúvida, que o legislador “ lavou as mãos”.
As inovações trazidas em relação ao condomínio, não permitem, como querem alguns, a exclusão do condômino nocivo. Nos casos de condômino de reiterado comportamento anti-social a lei civil autoriza a cobrança de multa no valor de dez vezes o valor da cota condominial independente da deliberação da assembléia, isto é, o síndico pode aplicá-la, independente da deliberação assemblear. Dispõe o parágrafo único do art. 1337 do Código Civil:
“O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.”
Em primeiro lugar, surge o problema de se definir o que é o anti-social. Entendemos que anti-social para o condomínio é aquele condômino que coloca em risco a segurança da edificação e a segurança e saúde dos moradores, que mantém casa de prostituição, atentado violento ao pudor; leva vida sexual escandalosa; exerce atividade profissional incompatível com o imóvel residencial; que é traficante ou viciado em drogas, há desavenças no lar a incomodar sobremaneira o condomínio, mantém repúblicas de estudantes etc. As atividades nocivas são inúmeras, porém, aqui não se enquadra, como querem alguns, de que o não pagamento reiterado da cota condominial, é um comportamento anti-social, sob o argumento de que a convenção é um contrato e os envolvidos que não o cumprirem estarão tendo um comportamento anti-sociedade condominial.
Em segundo lugar, devemos conceituar o termo reiterado utilizado no Ar.1337, Parágrafo Único do Código Civil. Para nós, desde que o condômino nocivo apresente mais de uma vez o comportamento anti-social ele estará sujeito à penalidade acima prevista.
O síndico poderá aplicar a multa de dez vezes o valor da cota condominial nesse particular. Mas, na prática, com certeza, ele, até para preservar-se, convocará, prudentemente, uma assembléia para esse fim. Porém, a pena pecuniária é apenas um paliativo para o problema, pois, o condômino nocivo, depois de pagar a multa, poderá reincidir no erro. Muito oportuna aqui a lição do brilhante e saudoso Biasi Ruggiero que nos ensina:
“O suplício imposto aos moradores pelo mau uso, sobretudo quando convivem com vizinhos nocivos, escandalosos, imorais, barulhentos, desrespeitosos e loucos, vai continuar, se esse vizinho for rico. Em todos os países que cultivam respeito ao ser humano, sobrepujando-o ao da santíssima propriedade, o morador de conduta nociva é desalojado, seja ele proprietário ou não. O projeto foi sensível ao problema, mas adotou solução elitista: o condômino, ou possuidor, que, por causa do seu reiterado comportamento anti-social, tornar insuportável a moradia dos demais possuidores ou a convivência com eles poderá a ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo de suas contribuições. Então, aquela ‘insuportável convivência’, ditada pelo reiterado comportamento anti-social, passará a ser suportável, com o pagamento do décuplo das contribuições condominiais. Assim a suportabilidade ou insuportabilidade será uma questão de preço. A multa tornará suportável o que era insuportável.”
Em que pese a gravidade do problema, as inovações trazidas referentes a condomínios não autorizam a exclusão do condômino e o fato de constar no dispositivo anteriormente citado, até ulterior deliberação da assembléia, não quer dizer que essa possa expulsar o condômino nocivo. O que ela pode é decidir levar a questão a juízo.
Penso, entretanto, ser possível buscar outros mecanismos existentes na própria lei civil para fundamentar a exclusão do incômodo condômino.
No capítulo referente aos direitos de vizinhança, dispõe a lei civil:
“Art.1.227.O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e a saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.”
Ora, o cabimento da ação para despejar o condômino anti-social encontra-se no próprio texto constitucional que dispõe:
Art. 5º…
“XXXV- a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.”
É claro, que o condomínio para obter êxito nessa ação deverá comprovar incontestavelmente toda a matéria fática: comprovar todo o incômodo causado pelo condômino nocivo, capaz de comprometer a saúde, a segurança, o sossego, o bem-estar da comunidade condominial, bem como todas as tentativas de solução do problema por ele causado, inclusive com a extrema providência legal em matéria condominial que é a aplicação da multa de dez vezes o valor da cota condominial. Comprovar que fez de tudo para que cessasse o comportamento anti-social e que não obteve êxito.
Apenas para exemplificar. Imagine-se um pessoa viciada em drogas em um prédio residencial onde várias vezes foi pego oferecendo drogas às crianças e aos adolescentes do prédio. Tomaram-se todas as medidas cabíveis, inclusive com a aplicação da multa acima referida, mas, depois de pagar a referida multa, seu comportamento anti-social persiste. Não há outra alternativa senão socorrer-se da via judicial para se livrar desse condômino.
Ainda, dispõe a lei civil:
“Art. 21.A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”
Este dispositivo está inserto no capítulo referente aos direitos de personalidade, assim definidos pelo Prof. Goffredo Telles Jr. como, “ direitos subjetivos da pessoa defender o que lhe é próprio, ou seja, a vida, a integridade, a liberdade, a sociabilidade,a reputação ou honra, a imagem, a privacidade, a autoria etc.”. Tais direitos subjetivos asseguram um comportamento negativo de outrem, viabilizando ao prejudicado buscar o Judiciário para proteger tais bens inatos .
Pode ainda, o condomínio na competente ação para exclusão do condômino valer-se do disposto no Código de Processo Civil, para requerer a tutela jurisdicional antecipada. Vejamos:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e :
I- haja fundado receio de dano irreparável, ou
II-fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.
§2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
§3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as noras previstas nos arts. 588,461, §§ 4º e 5º e 461-ª
§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.
§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
§ 7º Se o autor , à título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.
Como se vê, duas importantes comprovações se fazem necessárias: a prova inequívoca da veracidade dos fatos alegados e o periculum in mora, isto é, um fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação se não houver uma imediata tutela jurisdicional.
A prova inequívoca deve ser inconteste. No caso, deve o condomínio comprovar todas as medidas cabíveis que adotou para coibir o comportamento anti-social e a sua reiteração. Ademais, deve comprovar o dano irreparável que o não afastamento do incômodo condômino pode ocasionar. Esclareça-se aqui que, uma vez afastado de sua unidade condominial ele, é claro, não perde o direito de propriedade, podendo vender o imóvel ou alugá-lo. Ele perde o direito de moradia.
O Poder Judiciário deve ter a coragem de decidir tais questões favoravelmente aos condôminos prejudicados e não dar guarida a um anti-social que incomoda a comunidade. Não pode prevalecer aqui a regra ‘ os incomodados que se retirem’, mas, a regra de que o anti-social, o causador do incômodo deve ser retirado para não incomodar toda uma da comunidade .
SP, 24-11-14.
* Advogada em São Paulo. Sócia fundadora da Harada Advogados Associados. Juíza arbitral pela Câmara do Mercosul. Autora da obra Coletânea de artigos de direito civil, Rideel, 2011. Ex Inspetora Fiscal da Prefeitura de São Paulo. e-mail: felicia@haradaadvogados.com.br