Dispõe a Constituição Federal em seu art. 156, I:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I – propriedade predial e territorial urbana;
Pergunta-se, existe conceito de propriedade abrigado na Constituição?
A questão é de suma relevância jurídica, pois, se entender que sim, o âmbito de incidência do IPTU ficaria restrito à propriedade tal qual definida no art. 1.228 do Código Civil por aplicação do art. 110 do CTN:
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
No caso da “renda”, doutrina e jurisprudência firmaram posição no sentido da existência de um conceito constitucional, traduzido por um acréscimo patrimonial, pelo que, o art. 43 do CTN foi recepcionado pela Constituição vigente.
Dessa forma, só é passível de tributação pelo imposto sobre a renda algo que vem acrescer o vulto do patrimônio preexistente, de sorte a excluir do seu campo de incidência todas as verbas de natureza indenizatória (juros de mora, férias não gozadas etc.)
No caso do IPTU as opiniões se dividem, prevalecendo, contudo, a tese da inexistência de um conceito constitucional de “propriedade”, sob pena de deixar de fora da tributação o domínio útil e a posse.
Se existente esse conceito na Constituição seria inconstitucional o art. 32 do CTN, que inclui o domínio útil e a posse de bem imóvel no fato gerador do IPTU, bem como o art. 34 daquele mesmo diploma legal, que arrola como contribuintes desse imposto o titular de domínio útil e o possuidor a qualquer título.
Penso que a palavra “propriedade” empregada na Constituição não é em seu sentido jurídico como definida no Código Civil, mas, em seu sentido vulgar, comum, tal qual conhecida na linguagem popular.
Nesse sentido, a propriedade é sinônimo de fazendas, terras, lotes etc.
Como assinalamos em nossa obra, a Constituição Federal em várias de suas passagens refere-se à propriedade em seu sentido comum ao assegurar o direito de propriedade (art. 5º, XXII), ao prescrever a função social da propriedade (art. 5º, XXIII), ao vedar a penhora de pequena propriedade rural (art. 5º XXVI) etc. [1].
Nessas hipóteses, ninguém argumenta que o possuidor do imóvel não está assegurado constitucionalmente em seu direito, ou que a observância da função social da propriedade não se aplica ao compromissário comprador do imóvel, nem que a pequena porção de terra possa ser penhorada.
Mesmo os autores que defendem a tese de que Constituição empregou a palavra “proprietário” em seu sentido rigorosamente jurídico permitem a tributação do domínio útil e da posse, validando a disposição do CTN nesse sentido, como é o caso de Hugo de Brito Machado [2].
Com a devida vênia, se o conceito espelha rigorosamente um sentido jurídico parece-nos um contrassenso admitir-se a tributação do domínio útil e da posse que não se confundem com a propriedade, porque a posse e o domínio útil são apenas elementos da propriedade. A posse sobrevive sem a existência da propriedade que pode ser adquirida por meio do usucapião.
SP, 1-6-2023.
[1] IPTU doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2012, p. 95
[2] Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2003, p.359
* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.594, de 4-5-2023.