Ás vezes matérias aparentemente tranquilas, sem grandes dúvidas ou incertezas, na prática, acabam se transformando em um verdadeiro “quebra cabeça”. Não raras vezes novos posicionamentos jurisprudenciais acabam por gerar perplexidade. É o caso da prescrição da ação para a Fazenda cobrar o crédito tributário que, até hoje, não está pacificado por conta da inaplicação de preceitos previstos no Código Tributário Nacional de observância impositiva em todo o território nacional.
Pois bem, o Código Tributário Nacional não abriga a figura da suspensão da prescrição, mas, apenas a figura da interrupção da prescrição que se dá pelo protesto judicial, na forma do inciso II, do parágrafo único do art. 174.
Entretanto, esse inciso legal jamais foi utilizado pelas Fazendas Públicas que continuam cobrando créditos tributários constituídos há mais de cinco anos sem que tivessem proposto a ação judicial no quinquídio legal e logrado o despacho inaugural dentro desse prazo.
É que a confusão da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, que se dá nas hipóteses mencionadas no art. 151 do CTN, dentre as quais a impugnação e o recurso administrativo, com a suspensão da prescrição, na verdade, inexistente no Sistema do Código, vem sendo aceita pela jurisprudência como sucedâneo da interrupção de prescrição pelo protesto judicial não utilizado pelo fisco. O abandono desse instrumento processual talvez decorra da dificuldade de o fisco justificar a necessidade de prazo superior a cinco longos anos para ultimar o processo administrativo tributário.
É verdade que essa confusão tem base no termo inicial da fluência do prazo prescricional: no final do processo administrativo tributário. Enquanto não terminar o processo administrativo a prescrição fica suspensa. Essa tese sujeito o contribuinte à vontade unilateral da Fazenda, conferindo efeito jurídico a um ato meramente potestativo da outra parte.
Ora, isso além de não ter amparo no CTN viola seus dispositivos expressos.
O crédito tributário tem-se por definitivamente constituído com a notificação do lançamento feita ao contribuinte, quando se torna insuscetível de modificação, salvo por meio de impugnação do sujeito passivo ou recurso de oficio e iniciativa oficial nos caso do art. 149 do CTN. É o que prescreve o art. 145 desse Código.
Com a notificação do sujeito passivo cessa o procedimento administrativo do lançamento tributário, ato privativo da autoridade administrativa competente, ao teor do art. 142 do CTN. Essa autoridade administrativa somente pode ser um servidor efetivo integrante da carreira específica (auditor fiscal, inspetor fiscal, agente fiscal de rendas etc.).
Se assim é não se vê como possa a decisão administrativa proferida em última instância administrativa, normalmente, um órgão colegiado integrado por representantes dos contribuintes, que nem servidores públicos são, possa “constituir definitivamente” o crédito tributário. É claro que o crédito tributário quando impugnado já estava definitivamente constituído. Não se impugna o “crédito provisório”, que não existe, da mesma forma que ninguém se defende de uma denúncia criminal provisória que não existe no mundo jurídico.
Por isso, a Súmula vinculante do STF há de ser entendido no sentido de “antes do termino do processo administrativo tributário” em não “antes do lançamento definitivo do tributo.” Do contrário, feita a notificação do lançamento o contribuinte devedor já poderá ser processado por crime contra a ordem tributária, conduzindo eventualmente à uma situação de prejudicialidade da ação penal, na hipótese de Fazenda entender, ao final, que não houve supressão parcial ou total do tributo. Se no regime da antiga Lei de nº 4.729/65 o crime era de mera conduta, no regime da Lei atual de nº 8.137/90 o crime é de resultado, exigindo-se para sua caracterização a efetiva supressão parcial ou total do tributo devido.
Se, a contar da notificação do lançamento a Fazenda não lograr obter o despacho inicial na ação de execução fiscal o crédito tributário estará irremediavelmente extinto pela prescrição.
Como sustenta Prof. Ruy Barbosa Nogueira com lapidar clareza a revisão do lançamento decorrente da impugnação do sujeito passivo “tem que estar concluída dentro do prazo de prescrição que, precisamente para possibilitar o trabalho procedimental de reexame, suspende a exigibilidade por tempo considerado pela vontade objetiva na lei, não só como suficiente para terminá-lo (cinco anos), mas ainda com a flexibilidade da sua interrupção judicial, se necessária para ser terminado esse trabalho.” [1]
Na prática, é corriqueira a cobrança de créditos prescritos por conta da confusão entre suspensão da exigibilidade do crédito tributário com a suspensão da prescrição, dispensando-se a formalidade do protesto judicial caso a Fazenda não conclua o processo administrativo tributário no quinquídio legal, que já é longo.
E mais, é frequente o redirecionamento da execução contra o sócio ao ser constatada a inexistência de bens de sociedade contando-se, nesse caso, o termo inicial da prescrição a partir da data em que for constatada a inexistência de bens da sociedade.
É outro absurdo. A Fazenda deve propor a ação contra todos os devedores solidários que constam na CDA, sob pena de estar fluindo a prazo prescricional contra aquele não incluído no polo passivo da ação judicial.
O absurdo é maior ainda quando o fisco resolve direcionar a execução contra o sócio que sequer consta da CDA, caracterizando-se uma execução sem titulo executivo.
O sócio para ser sujeito passivo da execução fiscal deve constar da CDA e para nela figurar é preciso que o auto de infração que deu causa à inscrição na dívida ativa decline as razões da responsabilidade solidária ou pessoal do sócio, nos termos dos arts. 134 e 135 do CTN, pois o nosso sistema jurídico não admite a figura da responsabilidade objetiva, salvo contra atos de agentes públicos e de concessionários de serviços públicos.
Tudo indica que em matéria de execução fiscal o princípio do devido processo legal não tem aplicação. Hoje, até a teoria do diálogo das fontes é invocada para leiloar os bens apenhados ou levantar o dinheiro bloqueado eletronicamente, alijando-se, tanto o efeito suspensivo dos embargos à execução, como o princípio do duplo grau de jurisdição, interentes à execução regida por lei especial.
[1] Censo de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 298.