Inúmeros textos já escrevemos sobre o casuísmo da substituição da Contribuição Previdenciária Sobre a Folha de Remuneração pela Contribuição Previdenciária Sobre Receita Bruta – CPRB. Em uma das audiências públicas na Comissão de Pacto Federativo da Câmara dos Deputados chegamos a sugerir a elaboração de um texto normativo facultando a opção do contribuinte por este ou aquele regime de tributação à vista da total insegurança jurídica provocada pela inclusão periódica, sem prévio aviso, deste ou daquele setor no novo regime tributário. O que é pior, a inclusão não se dava por setor da economia, como determina o preceito constitucional, mas, por produtos, pegando a todos de surpresa.
Pois bem, sobreveio a Lei nº 13.161/15 tornando facultativa a opção pelo regime da CPRB, opção essa a ser manifestada no mês de janeiro de cada ano calendário, ou no momento da abertura da matrícula no CEI para obras de construção civil, em caráter irrevogável. Essa irrevogabilidade, evidentemente, reveste-se de natureza bilateral: o contribuinte não pode voltar atrás, nem o fisco pode deixar de respeitar a opção até o final do exercício da opção.
Ocorre que, o governo editou a MP nº 774/2017 excluindo a CPRB da opção relativamente a diversos setores da atividade econômica elencados, aleatoriamente, para tentar equilibrar as finanças públicas.
Ora, o erro do governo em promover a substituição de um tributo por outro menos oneroso para a maioria dos contribuintes, ou conceder incentivos fiscais direcionados ao sabor dos interesses do momento, sem atentar para as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal, notadamente, do art. 14, não lhe dá o direito de aniquilar o princípio da segurança jurídica que é a base de um Estado Democrático de Direito. Esse princípio, em seu sentido estrito significa obediência fiel às normas constitucionais e legais. As normas legais, por óbvio, devem estar conformadas com os princípios constitucionais, dentre os quais, o da razoabilidade, sob pena de sua invalidade. É esse princípio maior da Constituição que permite ao cidadão saber de antemão o que o poder político do Estado pode fazer e o que ele não pode fazer. Nisso se resume, em última análise, o conteúdo da segurança jurídica. É com base nesse princípio da segurança jurídica que os empresários programam a atividade econômico-financeira de suas empresas para cada ano calendário, quando não, para cada biênio ou triênio.
Já tivemos oportunidade de escrever que sem ética, que antecede ao plano do Direito, nenhum princípio constitucional surtirá efeito concreto. Direito de defesa, justiça, liberdade de expressão, cidadania etc. não sairão do plano teórico e abstrato.
Ora, não há ética no ato de editar normas que mudam as regras do jogo depois de iniciada a partida, nem há ética na aplicação de normas assim elaboradas.
A inobservância de preceitos éticos pode conduzir a interpretações de mesmos textos constitucionais com diferentes significados segundo as idiossincrasias reinantes por ocasião do julgamento de cada caso concreto. Nada mais perigoso do que o Poder Judiciário agir como legislador positivo. No momento em que deixarmos de aplicar os preceitos constitucionais revestidos do caráter de perenidade segundo a vontade objetiva espelhada, para apegar-se ao critério que envolva a exteriorização da vontade subjetiva de cada julgador não mais estaremos diante de um Estado de Direito. Teremos um governo de homens e não de leis. Ninguém mais terá segurança jurídica de nada valendo os direitos fundamentais proclamados na Constituição.
Por isso, contra esse estado de coisas foi impetrado pela FIESP/CIESP o mandado de segurança coletivo atacando a Medida Provisória nº 774/17 que altera o regime de pagamento da CPRB a partir de julho de 2017 para inúmeros setores apontados aleatoriamente, não só, ferindo o princípio da isonomia, como também, e principalmente o princípio maior da segurança jurídica. O processo que tomou o nº 5009241-28-2017.4.03.6100 está tramitando na 19ª Vara Federal.
O direito invocado emerge com lapidar clareza pela simples leitura da bem elaborada inicial. Aguardemos a apreciação da medida liminar!
* Jurista, com 32 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.