finanças dos Estados

Prejuízos causados às finanças dos Estados por omissão do Congresso Nacional

Dispõe o art. 155, § 1º da CF:

“Art. 155. Compete aos Estados e o Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos

[…]

§ 1º O imposto previsto no inciso I:

[…]

III – terá a competência para a sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicílio no exterior:

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior”

Como se verifica do inciso I, do caput, do art. 155 da CF, o ITCMD passa a incidir sobre quaisquer bens ou direitos.

Vale dizer, abrange bens móveis, semoventes, direitos e ações.

Daí porque o tradicional planejamento sucessório por meio de constituição de sociedade familiar, transferindo bens imóveis para essa sociedade, após o advento da Constituição de 1988, passou a ter vantagem relativa.

Antes, era comum o casal fundar uma sociedade familiar transferindo todos os bens de raiz para essa sociedade. Em uma segunda etapa transferiam-se as cotas dessa sociedade para os herdeiros proporcionalmente ao quinhão de cada um.

Assim, já estava assegurada a sucessão com antecedência, sem ônus do encargo tributário de qualquer espécie.

Poder-se-ia, também, deixar de prosseguir na segunda etapa. Com a morte dos sócios da sociedade familiar seriam inventariadas as quotas e não os imóveis, deixando, igualmente, de pagar qualquer imposto.

Na situação atual o inventário das cotas está sujeito ao ITCMD pela alíquota de 4% (no Estado de São Paulo) incidente sobre o valor das cotas apurado de conformidade com o patrimônio líquido da sociedade, e não sobre o valor histórico dessas cotas, de maneira que nesse particular não há vantagens em termos de economia de impostos.

E se o casal, proprietário das cotas da sociedade familiar, proceder à cessão gratuita das quotas a seus herdeiros haverá incidência de ITCMD à razão de 4%.

Abordando o tema deste artigo recorde-se que o STF, por maioria de votos, declarou a inconstitucionalidade da cobrança do ITCMD nas duas situações referidas no inciso III, do § 1º, do art. 155 da CF sem prévia regulamentação por lei complementar.

Apreciando o Tema 825 da Repercussão Geral o STF, por maioria de votos, firmou a seguinte tese:

“É vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º da Constituição Federal, sem prévia intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional (RE nº 851.108, DJe 8-4-2021)”      

A Corte Suprema afastou fundamentadamente a aplicação do § 3º, do art 24 da CF que confere aos Estados a competência legislativa plena na omissão da União de editar normas gerais em matéria de competência concorrente, como é o caso da legislação tributária.

Ocorre que decorridos mais de 33 anos, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, até hoje, o Congresso Nacional deixou de editar a lei complementar exigida pelo texto constitucional, apesar de inúmeros projetos legislativos elaborados, todos eles encalhados nos escaninhos da Casa Legislativa, por absoluta falta de vontade política.

Quando há vontade política a lei complementar é aprovada em três dias, como no caso da Lei Complementar nº 192/2022 que instituiu o regime de tributação monofásica do ICMS nas operações com combustíveis.

Essa omissão vem causando uma sangria de bilhões de reais aos cofres dos Estados, interferindo na autonomia político-administrativa assegurada pelo art. 18 da CF.

Por essa razão, a Procuradoria Geral da República ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão –ADO – requerendo que o STF julgue procedente a ação para reconhecer a omissão do Congresso Nacional (ADO nº 67/2021).

Na prática a Casa Legislativa não tem dado importância à comunicação de decisão do STF reconhecendo a omissão, por ausência que qualquer sanção.

Essa postura do Legislativo tem levado o Supremo Tribunal Federal, em nome do consequencialismo jurídico, ao reconhecer a omissão editar ao mesmo tempo a norma faltante, exercendo o papel de legislador positivo.

A última decisão nesse sentido foi em relação ao censo demográfico que segundo a legislação pertinente deveria ter sido realizado em 2020 e não o foi.  Impetrada ação judicial contra essa omissão, o Ministro Marco Aurélio determinou, liminarmente, que se fizesse o censo no exercício corrente de 2021, com o sem recursos orçamentários previstos. O plenário da Corte, entretanto, alterou parcialmente essa decisão monocrática para determinar que o censo demográfico fosse realizado no exercício de 2022. O valor das despesas com esse censo determinado pelo STF contou na Lei Orçamentária Anual de –LOA – 2022.

No caso do ITCMD a eventual procedência da ADO impetrada pela Procuradoria Geral da República nada sinaliza no sentido de a Corte Suprema editar a norma faltante.

Contudo, penso que uma vez comunicado o resultado do julgamento da ADO reconhecendo a omissão sem que o Parlamento Nacional dê início à discussão de um dos projetos existentes a respeito, caberá aos Estados legislarem sobre a matéria superando o obstáculo representado pela decisão proferida no RE nº 851.108 que em sede de repercussão geral (Tema 825) afastou, fundamentadamente, a aplicação dos parágrafos do art. 24 da Constituição Federal.

Lembre-se, por oportuno, que outros impostos dispensaram a formalidade da prévia edição da lei complementar.

O IVV, enquanto em vigor, foi instituído e cobrado pelos municípios sem prévia definição de seu fato gerador como prescreve a letra a, do inciso III, do art. 146 da CF.

O mesmo aconteceu com o IPVA até hoje sem intervenção da lei complementar reclamada pelo texto constitucional.

Não é possível manietar os Estados na sua ação de buscar fontes regulares de receitas tributárias segundo a discriminação constitucional de rendas com que foram contemplados.

É verdade que no caso do ITCMD, como bem frisa o V. Acórdão, há expressa previsão constitucional de exigir a formalidade da lei complementar para aquelas hipóteses previstas no inciso III, do § 1º do art. 155 da CF.

Concluindo, penso ser possível a regulamentação direta por lei ordinária do Estados após o resultando do julgamento da ADO que se limita a pedir o reconhecimento da omissão do Congresso Nacional na regulamentação das hipóteses previstas nas letras a e b, do inciso III, do § 1º, do art. 155 da Constituição, cuja omissão é do conhecimento público.

SP, 30-3-2022.

Por Kiyoshi Harada

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