Já tivemos “n” oportunidades de escrever que a pretendida simplificação do Sistema Tributário Nacional, como querem os reformistas leigos, não depende de alteração radical do Sistema elaborado pelo sábio legislador constituinte de 1988.
Basta apenas emendas pontuais para afastar os conflitos interpretativos pronunciados pela jurisprudência dos tribunais superiores. Sem esse cuidado elementar, as reformas pretendidas mais complicam do que simplificam.
O que realmente torna caótica a nossa legislação tributária não é a quantidade de tributos como imaginam os autores da PEC nº 45/2019 e da PEC nº 110/2019 que unificam os tributos incidentes sobre o consumo em torno de um imposto do tipo IVA, sob a denominação de Imposto sobre Bens e Serviços – IBS –um conceito indeterminado que tem por limite o céu.
O caos legislativo reside na legislação infraconstitucional, notadamente, nas normas complementares referidas no art. 100 do CTN.
A Secretaria da Receita Federal e o Comitê Gestor do SIMPLES disputam entre si a primazia de campeão na instauração do inferno fiscal que nem Dante Alighieri imaginou. São centenas de normas produzidas em escala industrial com inusitado sadismo burocrático.
A Secretaria de Receita Federal acabou de baixar a IN nº 2.033, de 24-6-2021, que dispõe sobre a obrigatoriedade do envio de informações sobre operações realizadas no mercado financeiro e de capitais, como se esse mercado já não existisse há décadas e o assunto já não estivesse suficientemente regulado para a perfeita fiscalização dessas operações.
Em 11 artigos confusos e dúbios essa Instrução, além de proclamar o óbvio, como a sanção penal na hipótese de prestar informações falsas (art. 9º), nenhuma contribuição traz para aperfeiçoar o sistema de controle e fiscalização tributária no setor do mercado financeiro e de capitais. Senão vejamos.
O art. 1º define o conteúdo da nova obrigação e o seu parágrafo único exonera os investidores estrangeiros dessa obrigação de informar, violando ostensivamente o princípio da isonomia. E condiciona essas informações à prévia autorização do contribuinte. Criou-se uma obrigação acessória de natureza potestativa. Só informa quem quer ser fiscalizado! É coisa de doido!
Aparentemente, ao que se depreende da deficiente redação do art. 2º, as pessoas obrigadas a informar são as referidas nos incisos I a IV, ou seja, não são os investidores.
O art. 3º detalha as operações objetos de informação, como ações, certificados de depósito de valores mobiliários, ouro, direitos e recibos de subscrição etc., enfim, tudo o que veio à cabeça do “legislador” da Receita Federal no momento da elaboração da Instrução Normativa.
O art. 4º estabelece o envio de informações diárias no prazo de 10 dias, a contar da data das respectivas operações.
O art. 5º esclarece que as informações a serem enviadas são as relativas às operações realizadas a partir do primeiro dia do mês subsequente ao da concessão da autorização pelo contribuinte. O parágrafo único prescreve que no primeiro envio deverá ser informado o estoque de ativos detidos pelo contribuinte no último dia do mês em que ocorreu a autorização. Já que é para complicar e decuplicar o custo das operações na Bolsa poderia ter prescrito que as informações deverão ser prestadas até zero horas do último dia do prazo, salvo nas noites nubladas quando, então, será prorrogado o prazo até o advento do céu de brigadeiro.
O art. 6º dispõe sobre os efeitos do cancelamento de autorização de informar. As entidades obrigadas a informar (as mencionadas no art. 2º) deverão manter os dados pelo prazo de cinco anos (art. 173 do CTN).
O art. 8º sujeita a entidade omissa na prestação de informações à multa do art. 57 da MP nº 2.158-35 de 24-8-2001 (capitula multas fixas e variáveis para pessoas jurídicas e para as pessoas físicas de forma diferente). Uma das técnicas de nebulosidade é a de fazer referência a dispositivos complexos sem transcrevê-los, obrigando o contribuinte a procurá-los e se debruçar sobre eles.
O art. 9º já fizemos referência a ele logo no início.
A pérola da burocracia extremada está no art. 10 que prevê a edição de normas complementares para regular a instrução normativa sob comento, como se esta não fosse integrante das “normas complementares” referidas no art. 100 do CTN. Normas complementares reguladas por outras normas complementares.
Isso é o que se denomina de implantação do terrorismo fiscal graduado. O contribuinte deverá ser surpreendido aos poucos, cada dia por meio de normas com sadismo burocrático mais acentuado.
Isso me faz lembrar da Mesa Semanal de Debates Tributários sob a direção do saudoso Professor Ruy Barbosa Nogueira, na década de setenta, no IBDT, quando um ilustre auditor da Receita deu-nos um exemplo de como deixar o contribuinte acuado e assustado. Dizia ele com naturalidade que uma das técnicas era a de efetuar uma fiscalização presencial por longos dias corridos e encerrar suas atividades e se retirar do local. Quando o contribuinte estiver respirando aliviado, retornar ao local repentinamente, e repetir o mesmo movimento reiteradas vezes até deixar o contribuinte completamente desnorteado.
Os participantes dos debates assistiam abismados as explicações do sádico auditor da Receita.
Os tempos passaram, mas, o hábito de desnortear e nocautear o contribuinte continua na raiz das diferentes técnicas utilizadas. Hoje, ao invés de reiteradas visitas surpresas, há reiteradas edições de normas complementares infernais que atormentam a vida dos contribuintes.
SP, 23-8-2021.
Por Kiyoshi Harada