fiscalismo

Preocupante o crescente fiscalismo do CARF

É muito preocupante o crescente fiscalismo exacerbado do CARF, órgão de cúpula para julgamento de processos administrativos tributários no âmbito da União.

Como é do conhecimento de todos, o art. 25, § 9º do Decreto nº 70.235/72, que rege o processo administrativo tributário no âmbito da União, estabelecia que em caso de empate nas votações proferidas pelas Câmaras e Turmas terá lugar o voto de qualidade a ser proferido pelo Presidente da Câmara ou da Turma:

“§ 9º Os cargos de Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das Câmaras, das suas turmas especiais serão ocupados por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que, em caso de empate, terão o voto de qualidade, e os cargos de Vice-Presidente, por representantes dos contribuintes.”

O Presidente da Câmara ou da Turma é sempre um representante da Fazenda, ao passo que o Vice-Presidente desses órgãos é o representante dos contribuintes. O certo seria a alternância na prolação do voto de minerva entre o Presidente e o Vice-Presidente para manter o equilíbrio das partes.

Mas, ao tempo do antigo Conselho de Contribuintes nunca houve problemas com o voto de minerva que era proferido, ora a favor do fisco, ora a favor do contribuinte segundo o entendimento do seu prolator quanto ao melhor direito espelhado em cada caso concreto.

Os representantes da Fazenda investidos no poder de julgar, notadamente, os componentes do órgão de última instância administrativa, diretamente vinculado à estrutura do Ministério da Fazenda, hoje, Ministério da Economia, usavam de sua autonomia e independência porque não se sujeitavam, como hoje não se sujeitam, às instruções normativas, pareceres, portarias e soluções de consulta originários da Secretaria da Receita Federal.

E assim continuou na vigência do novo órgão, o CARF, Conselho Administrativo de Recurso Fiscal.

Mas, logo seus componentes, os representantes da Fazenda, passaram a agir com parcialidade e o voto de desempate passou a ser proferido invariavelmente a favor do fisco, como se a mudança da denominação do órgão, de Conselho de Contribuintes para Conselho de Recursos Fiscais devesse alterar a postura técnica de seus julgadores.

Assim veio a reação legislativa por meio da Lei nº 13.988/2020 que pelo seu art. 28 introduziu o art. 19-E à Lei nº 10.522/2002 dispondo que em caso de empate na votação prevalecerá a tese que for favorável ao contribuinte.

Foi mais do que uma guinada de 180º, pois ao menos o voto de minerva possibilitava, em tese, o voto de desempate a favor do contribuinte, embora na prática, isso não estivesse acontecendo nos últimos tempos.

Logo foram aparelhadas as ADIs nºs 6.399, 6.403 e 6.415 acoimando de inconstitucional a nova regra de desempate.

Superada a preliminar de vicio formal, no mérito, as ações foram julgadas improcedentes.

Sintomaticamente, depois da entrada em vigor da nova regra de solução do empate a favor dos contribuintes, houve um aumento expressivo de votações unânimes, com visível queda de votações empatadas, que significam vitórias do contribuinte.

E o fiscalismo do CARF se acentua a cada dia que passa. Não se sabe quando isso irá cessar!

A 1ª Turma da Câmara Superior do CARF alterou sua jurisprudência para passar a exigir a cumulação de multa isolada por falta de recolhimento das estimativas com a multa de ofício por falta de pagamento do IRPJ e CSLL. Antes a votação terminava em empate, o que dava a vitória ao contribuinte. É até intuitivo que essa cumulação de multas atenta contra o princípio da razoabilidade. O não pagamento dos tributos se refere exatamente aqueles estimados e não recolhidos. Os verbos recolher e pagar têm o mesmo sentido! Se não recolheu é porque não pagou, e se não pagou deixou de recolher. Impor multa dupla em função dessas palavras é um total absurdo.

Em outra passagem a 3ª Câmara Superior do CARF no processo julgado recentemente, por maioria de votos, decidiu que os créditos presumidos do ICMS compõem a base de cálculo do PIS/COFINS, contrariando a jurisprudência do STJ acerca da não inclusão desses créditos na base de cálculo do IRPJ e da CSLL (Resp nº 1.443.771). Por óbvio o entendimento do STJ é extensível para o PIS/COFINS.

O que é pior, essa decisão administrativa contraria o entendimento majoritário do STF já formado no RE nº 83.5818 em que se reconheceu a existência de repercussão geral no sentido da exclusão desses créditos presumidos do ICMS da base de cálculo do PIS/COFIN. O julgamento só não terminou porque o Ministro Gilmar Mendes formulou pedido de destaque e o processo terá que prosseguir perante o Plenário físico. Mas, é certo que esse julgamento terminará com a proibição de incluir os créditos presumidos na base de cálculo dessas contribuições sociais, pois, o entendimento da Corte Suprema é no sentido de excluir o próprio ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS.

Mas, a mais surpreendente decisão do CARF foi a que determinou a tributação dos reembolsos de despesas pelo PIS/COFINS.

A 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, por 5 votos contra 3, proferiu decisão considerando como receitas tributáveis pelo PIS/COFINS os reembolsos de despesas feitos por clientes do escritório Trench Rossi Watanabe.

No entender da Turma as despesas feitas com a prestação de serviços quando reembolsadas por suas clientes integram a base de cálculo do PIS/COFINS como faturamento da empresa, porque o reembolso é parte integrante do preço do serviço contratado (Proc. 19515.003320/2005-62).

Não sabemos em que circunstâncias fáticas deu-se essa tributação, mas, o certo é que não se pode firmar tese pela tributação sem exame de cada contrato de prestação de serviço.

É claro que se o contrato previr que as despesas feitas com a prestação do serviço, inclusive, as de passagens aéreas e hospedagem correm por conta do contratado, o reembolso dessas despesas estaria configurando uma receita para o prestador de serviço.

Pela nossa longa experiência, nenhum escritório de advocacia, quando presta serviços em locais longínquos embute no preço contratado as despesas com as viagens aéreas que se tornarem necessárias, bem como, o valor das hospedagens mesmo porque essas despesas são desconhecidas no momento da contratação, nesse caso, os reembolsos não configuram receitas, mas, ressarcimento das despesas feitas pelo contratado.

Logo, é absolutamente incorreto firmar a tese de que os reembolsos de despesas feitos por clientes integram o preço da contratação de serviços.

SP, 25-4-2022.

Por Kiyoshi Harada

Jurista e Presidente do Instituo de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário – IBEDAFT. E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.br

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