Flexibilização da LRF

Os governantes responsáveis pela diminuição da arrecadação do ICMS, principal imposto dos Estados, e imposto de maior arrecadação em todo o território nacional, pressionaram os congressistas para aprovar, em regime de urgência nunca dantes visto, a lei complementar para forçar a União transferir compulsoriamente, neste exercício, a bagatela de R$60 bilhões para dar combate à Covid-19.

Adota-se uma política de combate à Covid-19 que implica necessariamente redução da arrecadação tributária e, ao depois, forçam a União consertar os estragos nas finanças públicas estaduais e municipais. Essa não é uma alternativa responsável, nem razoável. O Tesouro Nacional não é uma mina de ouro. Seus recursos são limitados e necessários à execução de programas próprios nas áreas econômica, financeira, educacional, social, saúde etc.

A Lei Complementar nº 173, de 27-5-2020, provada por meio de manobras políticas de governadores implantou o Programa Federativo de Enfrentamento das Covid-19, que não se limita à suspensão das dívidas dos Estados e Municípios junto à União e entrega de recursos financeiros sem contrapartida da ordem de R$60 bilhões a Estados e Municípios, mas, também, flexibilizam as normas da LRF na execução de despesas públicas.

Prevê a aplicação do art. 65 da LRF que disciplina o regime fiscal excepcional em caso de calamidade pública.

Dessa foram, Estados e Municípios:

  1. podem promover aumento de despesas de pessoal, sem incorrer nas restrições dos arts. 16 e 17, bem como das restrições dos arts. 37, XIII e 169, § 1º da CF;
  2. a dívida consolidada pode ultrapassar o respectivo limite ao final de um quadrimestre, sem necessidade de sua recondução nos três quadrimestres subsequentes;
  3. as despesas de pessoal poderão ultrapassar os limites globais e os limites por poder de que cuidam os arts. 19 e 20 da LRF

Estados e Municípios estão, igualmente, dispensados de alcançar as metas fiscais, bem como de observar as limitações do art. 14 da LRF para concessão de incentivos fiscais e benefícios tributários. Estão livres, também, de efetuar a limitação de empenhos de conformidade com o disposto no art. 9º da LRF.

Enfim, essa Lei Complementar, a pretexto de dar combate efetivo ao coronavírus, implanta um regime fiscal excepcional que possibilita a execução de uma política de gestão fiscal irresponsável. Para administradores ímprobos representa um poderoso instrumento legal para cometer desvios de dinheiro público.

Alguns governadores, por conta do auxílio financeiro compulsório da União promoveram desvios de parte dessas verbas, procedendo ao aumento de vencimentos de servidores públicos na contramão da conjuntura econômica. Enquanto os servidores públicos continuam consumindo mais de 60% da receita corrente líquida do ente político, os trabalhadores do setor privado estão sofrendo redução da jornada de trabalho com diminuição proporcional de salários, suspensão de contratos de trabalho e demissões que já causaram 850.000 desempregados desde o início da pandemia.

Isso configura ato de improbidade administrativa na modalidade de desvio de finalidade. A entrega de recursos financeiros não foi para aumentar os vencimentos de servidores públicos, mas para contratação temporária de profissionais da medicina (médicos, enfermeiros, paramédicos) para operar nos hospitais públicos, inclusive, nos hospitais de campanha construídos às pressas ou a serem construídos.

Igualmente, a flexibilização das normas na execução orçamentária deu origem em vários Estados a desvios de verbas mediante pagamento de preços superfaturados na execução de obras públicas, bem como na importação de equipamentos médico-hospitalares. A mídia notícia com frequência esses assaltos aos cofres públicos por parte de agentes públicos inescrupulosos que se valem do momento crítico que acometeu a sociedade, para obter vantagens ilegais e criminosos.

Lamentavelmente, uma grande parte dos recursos transferidos pela União estão sendo utilizadas para fins diversos daqueles objetivados na Lei Complementar nº 173/20, e uma outra parte está sendo embolsados pelos agentes públicos corruptos, desprovidos de pudor e de menor sendo ético-moral para tirar proveito dessa situação de calamidade pública, que forçou a adoção de medidas legislativas para abrandar as normas de execução orçamentária.

A corrupção é um cancro que corrói os alicerces da sociedade, ocasionando não apenas estragos nas finanças públicas, como também, minando a confiança da população na ação dos agentes públicos.

SP, 29-6-2020

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