Está causando polêmica na mídia o Decreto nº 8.515, de 4 de setembro de 2015, pelo qual a Presidente delega para o Ministro de Estado da Defesa algumas de suas atribuições privativas com relação às Forças Armadas.
O Decreto tem seus vícios, mas, não é verdade que o Ministro de Estado da Defesa tornou-se o Chefe das Forças Armadas. O Comando Supremo das Forças Armadas continua na competência privativa do Presidente da República como determina o art. 84, inciso XIII da CF.
Examinemos a matriz constitucional desse Decreto.
O instrumento normativo em tela foi baixado com base no art. 84, inciso VI, a da CF, uma novidade introduzida no ordenamento jurídico- constitucional criando uma hipótese de Decreto autônomo, isto é, de conteúdo idêntico ao de uma lei. A outra hipótese excepcional é a da letra b do mesmo inciso que autoriza o Presidente extinguir funções ou cargos, quando vagos. São duas únicas hipóteses em que o Decreto passa a atuar não como instrumento normativo regulamentador da lei, mas, como instrumento normativo autônomo que faz às vezes da lei.
Verifica-se, pois, que o Poder Constituinte Derivado delegou ao Presidente da Republica a prática de atos previstos nas letras a e b, do inciso VI, do art. 84 da CF dispensando a regular atuação da lei.
Essa delegação, como se pode constatar do art. 84 caput da CF, se deu de forma privativa ao Presidente da República. O que é privativo não comporta delegação, do contrário a competência privativa deixa de ser privativa a menos que o atual governo tenha alterado o significado da palavra, como alterou a noção de metas, de superávit e, recentemente, a noção de orçamento.
Assim, o Decreto sob análise padece do vício incurável da inconstitucionalidade formal ao delegar uma atribuição que é privativa do Presidente da República.
Outrossim, pelo menos dois dos incisos do art. 1º do Decreto sob exame padecem do vício de inconstitucionalidade material. São os incisos III e IV que cuidam, respectivamente, de demissão de oficiais superiores, intermediários e subalternos “em virtude da sentença transitada em julgado”, e de “promoção aos postos de oficiais superiores”.
Ora, o oficial condenado na justiça comum ou militar à pena privativa de liberdade superior a 2 anos, por sentença transitada em julgado, conforme prescrição do inciso VII do § 3º, do art. 142 da CF, só perderá o posto e a patente “se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão do tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz ou tribunal especial, em tempo de guerra,” como prescreve o inciso VI do § 3º retrocitado.
O Decreto sob análise, além de promover uma delegação que a Constituição não autoriza, ainda, permite que a autoridade delegada pratique atos contra textos constitucionais expressos.
A segunda inconstitucionalidade material consiste na delegação para o Ministro de Estado de Defesa para promover aos postos da hierarquia militar os oficiais superiores. Ora, as patentes de major, de tenente- coronel e de coronel (oficiais superiores do Exército) são conferidas pelo Presidente da República na condição de autoridade Suprema das Forças Armadas (art. 142 caput e § 3º, inciso I da CF). O mesmo se aplica em relação a oficiais superiores da Marinha e da Aeronáutica.
Cabe ao Congresso Nacional sustar os efeitos do referido Decreto nº 8.515/15 por exorbitar dos limites da delegação legislativa. Caberá, também, a ADI perante o STF a ser proposta pelas pessoas legitimadas para essa ação coletiva.
SP, 8-9-15.
* Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.