Foro privilegiado para agentes políticos acusados de improbilidade

Uma das raras leis que punem o agente público que atentar contra o patrimônio da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes dos entes federados é a Lei nº 8.429, de 2-6-1992. Para os efeitos dessa Lei reputa-se agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades que compõem a administração direta, indireta ou fundacional retrorreferidas. Essa Lei inclui os detentores de mandatos eletivos como sujeitos ativos da improbidade. Por isso ela caiu na alça de mira dos políticos que tentaram derrubá-la alegando vício legislativo, o que foi repelido pelo STF (ADI 2182MC/DF, DJ de 19-3-2004).

A condenação do agente público por ato de improbidade acarreta, independentemente de sanções penais, civis e administrativas previstas nas legislações específicas, cominações que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

I – na hipótese de ato de improbidade que importa em enriquecimento ilícito: perda dos bens acrescidos ilicitamente; ressarcimento integral do dano, quando houver; perda de função pública; suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; pagamento de multa civil até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente pelo prazo de dez anos;

II – na hipótese de improbidade que causa prejuízo ao erário: ressarcimento integral do dano, perda dos bens acrescidos ilicitamente; perda de função pública; suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos; pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente pelo prazo de cinco anos;

III – na hipótese de improbidade que atenta contra os princípios da administração pública: ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos; pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente pelo prazo de três anos.

Mas, essa Lei oportunizou a ampliação dessas sanções em relação à classe política, por força da “lei de ficha limpa” resultante de iniciativa popular, o que tornou difícil aos membros do Parlamento deixar de aprová-la. A final, a soberania popular está acima do poder político do Estado. Assim, aquele que for condenado por ato de improbidade, por decisão do colegiado de qualquer tribunal, não poderá concorrer às eleições. Muitos candidatos foram barrados pela Justiça Eleitoral com base nessa Lei e alguns dos eleitos estão ainda sob julgamento, correndo o risco de não serem diplomados.

Todos os agentes públicos envolvidos na prática de atos do tipo “mensalão” e agora “petrolão” podem sofrer condenação por de ato de improbidade e consequentemente ficarem inelegíveis antes do trânsito em julgado da decisão condenatória. É oportuno esclarecer que no curso da ação ordinária para apuração da improbidade administrativa o agente público só pode ser afastado do cargo ou função pública, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual (parágrafo único do art. 21). A perda do cargo ou função só pode ocorrer com a sentença condenatória com trânsito em julgado.

Daí a oportunidade da “lei de ficha limpa” e também a motivação para o novo ataque à Lei nº 8.429/92 que possibilita a punição do agente público que atentar contra o patrimônio material e moral da administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes das entidades componentes da Federação Brasileira.

Esse novo ataque vem em forma de conferir foro privilegiado aos agentes políticos (parlamentares e ministros) sustentando similitude da ação civil por improbidade com a ação penal. Na ação penal a Constituição Federal confere foro privilegiado a parlamentares e ministros que somente poderão ser julgados pelo STF.

Querem, na verdade, tornar impossível a condenação dos parlamentares por ato de improbidade provocando a dança dos processos e consequente prescrição da ação.

No âmbito penal assistimos com frequência a renúncia ao mandato parlamentar nas proximidades do desfecho da ação perante o STF com o propósito específico de redistribuição da ação à primeira instância. E quando o acusado for condenado criminalmente em primeira instância ele já estará sendo eleito ou diplomado como Jogos de motos Deputado Federal ou Senador e deslocar novamente o processo para o STF. Na verdade, o sistema jurídico vigente permite que o acusado, em sendo parlamentar, defina onde e quando ele deverá ser julgado, o que não se coaduna com o princípio da separação dos Poderes. A Corte Suprema deveria fixar uma regra: fatos supervenientes não devem alterar a competência do foro; se o processo teve início no STF, este deverá concluí-lo, com ou sem renúncia do mandato eletivo; se processo teve início em primeira instância, a diplomação do réu não pode implicar alteração do foro, devendo aquele processo percorrer as instâncias ordinárias e extraordinárias, quando for o caso.

Esses mesmos defensores do foro privilegiado condenam a julgamento em instância única e defendem a admissão dos embargos infringentes contra decisão condenatória por maioria de votos resultante do julgamento pelo Plenário da Corte Suprema. Ora, se o órgão julgador é o mesmo não se pode falar em recurso em sentido técnico. Esse “recurso” não passa de um mero pedido de reconsideração de votos. Para serem coerentes com a tese de cabimento de embargos infringentes eles não deveriam posicionar-se contra a tentativa do STF em submeter o julgamento de agentes políticos por Turmas. Nesse caso sim, seria razoável a tese dos embargos infringentes quando a condenação for por maioria de votos.

Como se vê, os argumentos e os posicionamentos dos parlamentares são contraditórios, sempre buscando meios dúbios e nebulosos que não permitem a finalização do processo.

Na defesa do foro privilegiado para julgamento de parlamentares por infração às normas da Lei nº 8.429/92 chegou-se a sustentar que os agentes políticos não respondem por atos de improbidade, mas por crime de responsabilidade, ignorando o art. 1º dessa Lei que define com clareza lapidar o ato de improbidade e o seu art. 2º que inclui os detentores de mandado político como sujeitos ativos da conduta sancionada. E mais, o atentado contra a probidade na administração é que caracteriza o crime de responsabilidade na forma do art. 85, V da CF. Por isso, a Lei nº 8.429/92 diz que a condenação por ato de improbidade independe das sanções penais, civis e administrativas.

É preciso que a cidadania seja novamente despertada, desta vez, para não permitir o esvaziamento da Lei de improbidade administrativa que poderá, por tabela, redundar na inexequibilidade da “lei de ficha limpa.”

SP, 21-11-14.

* Jurista, com 28 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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