A recente queda do Presidente da Petrobras, após a maior crise de abastecimento que causou danos irreversíveis à nossa economia, além de considerável desconforto de nossa sociedade, trouxe à baila duas correntes de opiniões distintas acerca da política de preços daquela estatal: de um lado, os que defendem a variação do preço dos combustíveis de conformidade com a variação do preço do barril de petróleo no exterior e de acordo com a variação cambial; de outro lado, os que defendem a estabilização relativa dos preços dos combustíveis, sem surpreender os consumidores quase todos os dias.
Examinemos a questão a partir do texto constitucional. Um dirigente da estatal deve necessariamente ter uma visão empresarial e político-social. O Presidente que caiu tinha uma visão empresarial, mais nenhuma visão político-social, confundindo a Petrobrás com uma empresa para gerar lucros a qualquer custo a seus acionistas, notadamente, aos especuladores estrangeiros. Aliás, essa é uma visão empresarial dos tempos do capitalismo selvagem.
Existem empresas estatais voltadas para a prestação de serviços públicos (ECT, INFRAERO etc.) e aquelas voltadas para exploração de atividades econômicas (Petrobras, BNDS, BB, CEF etc.)
A Constituição adotou a iniciativa privada como o regime econômico determinando a observância, dentre outros princípios, o a função social da propriedade, o da livre concorrência e o da defesa do consumidor (art. 170 da CF). E prescreve o art. 173 que a “exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.
Fácil de compreender que nem mesmo a estatal voltada para a exploração direta da atividade econômica deve eleger como finalidade última a perseguição de lucros. Quando Getúlio Vargas sob o lema “o petróleo é nosso” criou a Petrobras em 1953, certamente, não pensou em uma empresa para trazer dinheiro aos cofres públicos por meio de dividendos, nem satisfazer os especuladores do mercado de valores mobiliários, tampouco fazer crescer o PIB, tarefa cabente à iniciativa privada com apoio do poder público na construção de uma infraestrutura eficiente no País. Por sinal, penso que se a Petrobras e suas subsidiárias estivessem em mãos do setor privado estaria contribuindo mais para o crescimento de nosso PIB., nem haveria tanta robalheira.
Um dirigente de estatal com visão exclusivamente empresarial que se limita a zelar pela saúde financeira da empresa, ignorando a sua função político-social descumpre o preceito constitucional; desvirtua a razão que ensejou a sua criação. No caso da Petrobras ela não foi criada apenas para gerar lucros a seus acionistas, nacionais ou estrangeiros. A razão fundamental foi a de assegurar a independência nacional em termos de abastecimento de petróleo dentro a linha da segurança nacional e de relevante interesse social de que já falamos.
Setores essenciais à vida da sociedade como combustíveis, energia elétrica, comunicações, agências financeiras de fomento etc. devem ficar em mãos do Estado, e não entregues à iniciativa privada onde impera o regime do lucro, mesmo porque o setor privado, ao contrário do setor público, não sobrevive sem os lucros.
O Estado dispõe do poder de imposição tributária para transferir para si os recursos financeiros necessários ao cumprimento de suas finalidades que em última análise resume-se na realização do bem comum. Não precisa auferir lucros por meio de estatais, mesmo porque quebraria a espinha dorsal do regime econômico privado assentado no princípio da livre concorrência. É claro que no caso da Petrobras que explora a atividade econômica em regime de monopólio estatal não cabe falar em quebra do princípio da livre concorrência. Contudo, esse fato não invalida o fundamento de que o aludido monopólio foi instituído por razões de Estado, e não para retirar lucros para suprir o Erário. Muito ao contrário, é função do Estado investir nas estatais. Conforme § 5º, do art. 165 da CF o orçamento anual da União compreende o orçamento fiscal referente aos três Poderes; o orçamento de investimento das estatais e o orçamento de seguridade social. Significa que a sociedade está pagando tributos para que a União promova investimentos nas estatais.
Quando uma estatal passa a acumular lucros para satisfazer seus acionistas pode crer que ela deixou de cumprir a sua finalidade; divorciou-se do fim que levou à sua criação. Não há, nem pode haver atividade econômica monopolizada para satisfazer interesses egoísticos de especuladores do mercado de valores mobiliários.
As estatais são sempre criadas com recursos financeiros retirados coativamente dos contribuintes e impulsionadas por recursos alocados no orçamento de investimento das estatais, igualmente formado com parcela da riqueza compulsoriamente retirada dos mesmos contribuintes. Por isso, as estatais devem beneficiar os contribuintes em não tirar-lhes a pele com preços abusivos.
Se na prática não acontece como deveria acontecer é porque, de um lado, os dirigentes das estatais sequer visão empresarial têm transformando as empresas em cabides de emprego, e nenhuma visão político-social, e de outro lado, porque governantes míopes tiram proveito dos produtos e serviços essenciais que a sociedade não tem como dispensá-los, metendo uma carga tributária estupidamente elevada com total inversão do princípio da seletividade de alíquotas segundo a essencialidade dos produtos e serviços. Tributam mais onde rende mais e é mais fácil de arrecadar. Como se justifica tributar a energia elétrica, as telecomunicações e os combustíveis com 25% de ICMS quando o normal é de 18%? Não é culpa da Constituição que prevê a intervenção direta do Estado na atividade economia em caráter excepcional, não para espoliar os consumidores, mas para cumprir os seus fins sociais.
Finalizando, treze anos de robalheira que conduziu a Petrobras ao fundo do poço não pode ser consertada em pouco tempo, com base exclusivamente em uma visão empresarial, fria e calculista. A política de preços da estatal deve retornar ao que era mantendo-se a saúde financeira da empresa apenas com a continuidade da operação Lava Jato. Estranho é a repetição do discurso do passado, quando os preços dos combustíveis eram realmente subsidiados pelo governo, porque quase eram importados em quase sua totalidade. Hoje, se há ou não subsídio somente será possível saber mediante demonstração matemática das divisas que ingressam no país por conta das fabulosas exportações de petróleos grossos extraídos do pré sal que as nossas refinarias mais caras e deficientes do mundo não conseguem processar, e as divisas que saem por conta da importação de insumos. Ao que saibamos nenhum Presidente da Petrobras trouxe esses dados, pelo que o alarde em torno do subsídio pode ser uma falácia. Aliás, se é o dinheiro da sociedade retirado coativamente que vai para a Petrobras, por meio do orçamento de investimento das estatais, não cabe falar em subsídio. Subsídio existe em relação aos produtos agrícolas oriundos do setor privado, por conta da política do preço mínimo implementada pelo governo federal para solver os problemas decorrentes de superprodução de algumas das variedades agrícolas não absorvidas pelo mercado externo.
Lembro-me do Banco Nacional de Crédito Cooperativo – BNCC – que em meados da década de setenta passou a acumular os maiores lucros de fazer inveja aos bancos do setor privado. As cooperativas agrícolas e as cooperativas centrais foram fechando uma a uma. Só restaram as cooperativas de crédito. Não tendo mais o que fazer o BNCC foi extinto em 16-3-1990 por uma medida provisória, quando a União detinha 97,98% do seu capital.
SP, 4-6-18