Antes do advento da Constituição Federal de 1988 floresceu na sociedade brasileira a formação de sociedade civil de natureza patrimonial, como instrumento de planejamento sucessório.
O casal constituía uma sociedade civil e transferia para ela todo o patrimônio imobiliário em forma de pagamento do capital subscrito, à sombra da imunidade tributária.
Com o falecimento de um ou de ambos os cônjuges inventariava-se apenas as cotas da sociedade civil, não sujeitas a qualquer tipo de tributação. Havia ainda a opção de planejamento sucessório. O casal, sócios da holding, poderia ceder suas cotas de forma igualitária para seus herdeiros, sem incidir no pagamento de impostos. Hoje, isso não será possível.
De fato, dispunha o art. 24 da CF de 1967 mantido pela EC nº 1/69:
“Art 24 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal decretar impostos sobre:
I – transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza e acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como sobre direitos à aquisição de imóveis;”
Esse imposto estadual, conhecido pela sigla ITCM, abrangia apenas a transmissão de bens imóveis e de direitos à aquisição imobiliária causa mortis ou intervivos, a título oneroso ou a título gratuito.
Na Constituição de 1988 houve a separação da transmissão intervivos, a título oneroso, que ficou inserida na competência impositiva dos municípios, e a transmissão causa mortis, bem como a doação de quaisquer bens, que ficou inserida na competência tributária dos estados. Esse imposto estadual ficou conhecido pela sigla ITCMD. Vejamos:
“Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I – transmissãocausa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos”
“Art. 156 – Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[…]
II – transmissão intervivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou a cessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os e garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição:
[…]
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I – Não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.”
Nítida a distinção da Constituição de 1988 em relação à ordem constitucional antecedente, que não tributava a doação de quaisquer bens ou direitos.
Quanto à imunidade prevista no inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada mudou em relação ao que dispunha a Constituição de 1967/69, salvo quanto à interpretação dada pelo STF, no sentido de que a imunidade da incorporação de imóveis limita-se ao valor do capital subscrito para sua integralização (RE nº 796.376-SC/RG)
De fato, se o imóvel é dado em pagamento do capital subscrito, por óbvio, a imunidade cinge-se ao valor das cotas do capital subscrito. Não faz sentido pagar um capital subscrito de R$ 10.000,00, por exemplo, com um imóvel no valor de R$ 500.000,00. Isso não é pagamento de capital subscrito!
No caso, ou o contribuinte paga o ITBI pelo valor que exceder, como determina a jurisprudência do STF, ou o valor excedente deve ser entendido como doação à sociedade civil, e como tal deve recolher o ITCMD à razão de 4%.
Colocada a questão nesses termos a holding familiar não apresenta as mesmas vantagens de outrora.
Dispor todo o patrimônio imobiliário do casal dentro de uma holding familiar requer subscrição de capital considerável, sob pena de ter que pagar o ITBI pela diferença.
E sendo elevado o valor das cotas do capital, por ocasião do inventário, essas cotas serão avaliadas pelo valor do patrimônio líquido e sobre o valor encontrado incidirá o TCMD de 4%.
Se for diminuto o valor do capital subscrito haverá incidência do ITBI pela diferença. Se elevado for o valor do capital subscrito haverá incidência do ITCMD sobre esse valor por ocasião do inventário.
Existe, ainda, mais uma dificuldade. A holding não poderá ter como objeto social a compra e venda de imóveis, locação de imóveis ou arredamento mercantil (parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF).
Difícil encontrar uma outra forma de exploração da atividade econômica pela holding a menos que os imóveis incorporados sejam de natureza rural, quando será possível a exploração agro-pastoril pela holding. Na prática, na maioria dos casos, os imóveis componentes da holding ficarão ociosos.
Conclusão: a imunidade tributária para integralização do capital mediante incorporação de imóveis deve ser feita com vistas não apenas ao momento de sua constituição, como também com vistas aos acontecimentos futuros, buscando uma forma de conferir exploração de atividade pela holding.
SP, 18-3-2024.
* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.811, de 19-3-2024.