É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o crédito tributário resulta do ato de lançamento definido no art. 142 do CTN.
Conceituamos o lançamento como “um procedimento administrativo no sentido de que uma agente capaz procede a averiguação da subsunção do fato concreto à hipótese legal (ocorrência do fato gerador), a valoração dos elementos que integram o fato concreto (base de cálculo), a aplicação da alíquota prevista na lei para a apuração do montante do tributo devido, a identificação do sujeito passivo, e, sendo o caso, a propositura de penalidade cabível. Esta série de atos pode ser praticada, inclusive, em diferentes dias, mas no final da verificação dos requisitos previstos no art. 142 do CTN haverá sempre um documento exteriorizador daqueles atos, que é o lançamento eficiente para a constituição definitiva do crédito tributário.” [1]
Daí porque não há, nem pode existir tributo sem lançamento por uma das três modalidades conhecidas: o lançamento direto ou de ofício; o lançamento por declaração e o lançamento por homologação, esta última denominada por parcela da doutrina de autolançamento no equivocado pressuposto de que é o contribuinte quem verifica a ocorrência do fato gerador e promove o cálculo do tributo devido. Na verdade cabe ao agente público competente homologar expressa ou tacitamente a atividade exercida pelo contribuinte na apuração do tributo devido (art. 150 e § 4º do CTN). Sem essa homologação não há que se falar em crédito tributário regularmente constituído.
Pois bem, a Contribuição Sindical Rural instituída pelo art. 4º da Lei nº 1.166 de 15 de abril de 1971 para ser lançada e cobrada conjuntamente com o Imposto Territorial Rural pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – t4eve essa competência transferida para a Secretaria da Receita Federal pelo art. 1º da Lei nº 8.022 de 12 de abril de 1990, sem solução de continuidade. Acontece que a Lei de nº 8.847, de 28 de fevereiro de 1994 cessou a competência fiscalizadora e lançadora daquela Contribuição Sindical Rural a partir de 31 de dezembro de 1996, sem designar órgão sucessor.
Aproveitando o vácuo legislativo a Confederação Nacional da Agricultura – CNA – detentora de apenas 5% do produto de arrecadação dessa contribuição sindical arvorou-se em órgão fiscalizador e lançador do tributo e vem promovendo a sua cobrança por via de ação ordinária na falta de certidão expedida pelo órgão competente que a habilite a promover a cobrança executiva conforme disposto no art. 606 da CLT.
Inconfundível a atividade de cobrança que pode ser delegada ao particular, notadamente, às agências bancárias, com a atividade de fiscalização, lançamento e cobrança coativo do tributo que é privativa de órgão público. A cobrança da Dívida Ativa é atribuída no âmbito da União à Advocacia Geral de União por meio da Procuradoria da Fazenda Nacional e nas esferas estaduais e municipais às Procuradorias Gerais dos Estados e dos Municípios.
A CNA vem promovendo a cobrança da Contribuição Sindical Rural que legalmente passou a ser inexigível a partir de 1º de janeiro de 1997 por ausência de respectivo órgão público fiscalizador e lançador.
A inexigibilidade do tributo acarreta a sua extinção, pois, não pode existir tributo inexigível a não ser nas hipóteses mencionadas no art. 151 do CTN, que cuida dos casos de suspensão temporária da exigibilidade.
A proposta legislativa a seguir formulada visa extinguir formalmente a Contribuição Sindical Rural que desde o dia 1º de janeiro de 1997 perdeu a sua exigibilidade por ausência de órgão publico competente para promover o seu lançamento e arrecadação.
Projeto de Lei nº ____________
Extingue a Contribuição Sindical Rural instituída pelo art. 4º da Lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971, a partir de 1º de janeiro de 1997.
Art. 1º. É extinta a Contribuição Sindical Rural instituída pelo art. 4º da Lei nº 1.166 de 15 de abril de 1971 a partir do dia 1º de janeiro de 1997 considerando que a competência para fiscalização, lançamento e arrecadação desse tributo cometida originariamente ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – e posteriormente transferida para a Secretaria da Receita Federal, atualmente, Secretaria das Receita Federal do Brasil, cessou em 31 de dezembro de 1996, sem designação de órgão público sucessor.
Art. 2º O disposto no art. 1º não enseja a restituição da Contribuição Sindical Rural paga até a data da vigência desta lei.
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A Contribuição Sindical Rural foi instituída pelo art. 4º da Lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971, conferindo ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – a competência para a sua fiscalização, lançamento e arrecadação (art. 4º e § 1º).
Nos termos do art. 5º, essa contribuição era cobrada juntamente com o Imposto Territorial Rural – ITR – igualmente de competência impositiva do INCRA.
Conforme dispõe o art. 6º as guias de lançamento da Contribuição Sindical emitidas pelo INCRA constituem documento hábil para a cobrança executiva da dívida nos termos do art. 606 da Consolidação das Leis do Trabalho.
O art. 1º da Lei nº 8.022 de 12 de abril de 1990 transferiu a competência para lançar e arrecadar essa Contribuição Sindical e o Imposto Territorial Rural para a Secretaria da Receita Federal, hoje, secretaria da Receita Federal do Brasil.
Contudo, essa competência outorgada à Secretaria da Receita Federal, hoje, Secretaria da Receita Federal do Brasil, em relação à Contribuição Sindical Rural, cessou a partir do dia 31 de dezembro de 1996, nos precisos termos do art. 24, I da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994.
A partir dessa data a Secretaria da Receita Federal do Brasil passou a ter competência apenas para lançar e cobrar o Imposto Territorial Rural – ITR, facultada a delegação dessa atribuição ao Município competente nos termos do inciso III, do § 4º, do art. 153 da CF. Essa Lei de nº 8.847/97 não designou órgão público sucessor para a fiscalização, lançamento e arrecadação da referida Contribuição Sindical Rural, acarretando a sua inexigibilidade por ausência do órgão público para promover o ato de lançamento tributário.
Ocorre que a Confederação Nacional da Agricultura – CNA – mera beneficiária de 5% do produto de arrecadação dessa Contribuição Sindical, conforme dispõe o art. 589, inciso I, letra “a” da Consolidação das Leis do Trabalho, vem se arvorando em órgão fiscalizador, lançador e arrecadador promovendo sua cobrança judicial por meio de ação ordinária à vista da ausência da certidão de dívida ativa expedida pelo órgão público competente, na forma exigida pelo art. 606 da CLT.
Ora, a competência do órgão sindical para cobrar a contribuição sindical é uma coisa. E a competência para fiscalizar e lançar a contribuição é coisa bem diversa. A constituição do crédito tributário pelo lançamento é privativa do agente público nos termos do art. 142 do CTN sendo ela indelegável. O que comporta delegação é a atividade de cobrança do tributo lançado, que pode ser cometida até às agências bancárias.
Depois de lançada a Contribuição Sindical pelo INCRA, pela Receita Federal do Brasil ou por qualquer outro órgão público designado por lei poderá a CNA, com base na Certidão de Divida Ativa, promover a execução. A falta dessa certidão não abre o caminho para a CNA, uma entidade privada, promover a cobrança por via de ação ordinária como vem fazendo até hoje. A instauração da relação jurídico-tributária é matéria que se insere no âmbito do Direito Público, precisamente, no campo do Direito Tributário onde impera o princípio da legalidade em seu sentido material e processual.
Todo tributo (imposto, taxa, contribuição sindical, contribuição de melhoria, contribuição previdenciária, contribuição de intervenção no domínio econômico etc.) só pode ser cobrado mediante título líquido certo e exigível com o respectivo valor expresso na Certidão da Dívida Ativa. O ato de inscrição na Dívida Ativa representa o controle administrativo da legalidade da cobrança do crédito tributário. É ato inerente ao Poder Público não passível de delegação, nem passível de sua dispensa para instauração do processo judicial de cobrança do tributo.
A ausência de órgão público competente para fiscalizar e promover o lançamento da Contribuição Sindical Rural importa em manutenção de um tributo legalmente inexigível o que equivale à sua extinção, pois não pode existir um tributo que não seja exigível a não ser nos casos de suspensão temporária da exigibilidade nos termos do art. 151 do CTN.
Porém, a CNA vem promovendo a cobrança judicial dessa Contribuição Sindical à luz da jurisprudência, sendo certo que o STJ editou a Súmula de nº 396 segundo a qual a “Confederação Nacional da Agricultura tem legitimidade ativa para cobrança da contribuição sindical rural.”
O enunciado da Súmula não estará incorreto se entendermos que a expressão “cobrança da contribuição sindical rural” não abrange o poder de fiscalizar e de lançar a contribuição em questão, como vem ocorrendo na prática.
Cobrar ela pode, desde que munida da Certidão de Dívida a que alude o art. 606 da CLT, ou munida da guia de lançamento da contribuição a que se refere o art. 6º da Lei nº 1.166/71.
O que ela não pode é promover o ato de lançamento da Contribuição Sindical Rural que é privativo do agente público.
Com o advento da EC nº 45/04, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, iniciou-se o conflito entre a Justiça Comum e a Justiça do Trabalho para a cobrança dessa contribuição sindical pela CNA.
O STF ainda não se posicionou quanto à competência dos tribunais ante o conflito negativo de competência suscitado pelo Tribunal Superior do Trabalho, de um lado, e pelo Superior Tribunal da Justiça, de outro lado. Ambos os Tribunais se consideraram incompetentes para a apreciação do recurso envolvendo a cobrança da Contribuição Sindical Rural pela CNA, conforme Conflito de competência nº 7.487-6 instaurado no STF, em 22-5-2007 até hoje sem decisão.
Gastam-se tintas e papéis em torno da definição de competência para cobrar uma contribuição sindical que não e mais exigível legalmente, desde 1º de janeiro de 1997, por falta de órgão público competente para efetuar o seu lançamento após regular fiscalização.
Este projeto de lei visa afastar discussões judiciais infrutíferas extinguindo o tributo inexigível por ausência de órgão público competente para o seu lançamento e arrecadação.
[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 561.