Imprevisibilidade das ações do STF*

Kiyoshi Harada

O art. 5º da Constituição Federal que proclama os direitos e deveres individuais e coletivos prescreve em seu caput, dentre outras coisas, que todos têm direito à segurança.

A palavra “segurança”, no caso, abrange não apenas a segurança física que está falhando cada vez mais, mas principalmente a segurança jurídica, isto é, a possibilidade de o cidadão prever o que pode fazer e não fazer em face das normas constitucionais e legais vigentes.

De fato, a previsibilidade que decorre das leis é segura, pois todas as leis nascem com presunção de perenidade, sendo raras as hipóteses de leis de natureza temporal ou casuística.

Porém, a previsibilidade que decorre dos aplicadores da lei não propicia ao cidadão a necessária segurança, porque depende do entendimento subjetivo de cada aplicador. O que é justo para um pode parecer injusto para outro aplicador.

Como superar esse problema?

Na verdade, o ordenamento jurídico global já traz ínsita a solução desse “problema”.

Toda lei tem uma vontade objetiva própria que difere da do legislador e a do aplicador.

Portanto, a solução do problema está em cada aplicador buscar a vontade objetiva da lei, por meio da hermenêutica jurídica.

Contudo, isso pressupõe um quadro institucional normal, onde os três poderes da República atuem com independência e harmonia como prescrito no art. 2º da CF, nos limites do desenho constitucional, o que afasta a tese do consequensalismo, confundida com a interpretação teleológica que é outra coisa bem diversa.

Valer-se de noções extrajurídicas como a igualdade material, por exemplo, para a realização da justiça acaba comprometendo a igualdade jurídica estabelecida pelo legislador, gerando confusões e total insegurança jurídica.

Na aplicação da lei importa apenas e tão somente as noções jurídicas.

As noções meta-filo-jurídicas pressupõem-se que já foram levadas em conta pelo legislador, quando elaborou as leis.

Mas, o ativismo judicial tomou conta do Judiciário que não mais respeita a separação dos poderes, imiscuindo-se nas atribuições de outros poderes, ainda que com propósitos louváveis.

E o ativismo judicial, por não estar normatizado, não tem regras.

A cada extrapolamento de suas atribuições típicas cria-se uma regra própria que não vale para a solução de outro caso semelhante, senão idêntico.

Vejamos alguns exemplos para ilustrar o que estamos falando.

O foro privilegiado de um Presidente da República cessa ao final de seu mandato. É o que aconteceu com o então Presidente Lula, julgado em primeira instância na justiça federal da seção judiciária de Curitiba.

Entretanto, sem que tivesse havido qualquer alteração constitucional, o ex Presidente Jair Bolsonaro está sendo julgado pelo STF, e não pela primeira instância.

Outro exemplo, enquanto o ex Presidente Collor está sendo julgado pelo plenário do STF, Jair Bolsonaro está sendo julgado pela Primeira Turma do STF.

Mais recentemente, enquanto no caso do deputado Alexandre Ramalho, houve notificação da Casa Legislativa a que pertence o parlamentar logo após o recebimento da denúncia,ensejando a sustação da ação penal movida contra o deputado, no caso da deputada federal Carla Zambelli, acolhida a denúncia seguiu-se a condenação da parlamentar sem prévia notificação da Câmara dos Deputados como determina o § 3º do art. 53 da CF.

Qual afinal o critério adotado pelo STF? Mais do que critério, porque n’um caso a Corte cumpriu o preceito constitucional (a notificação obrigatória) e n’outro caso descumpriu a norma constitucional?

O preceito constitucional vale, ou deixa de valer segundo o entendimento da Corte em cada caso concreto, embora idênticas as situações fáticas!

O que é pior, o ativismo judicial em nome de valores meta-filo-jurídicos está impactando a coisa julgada como aconteceu com a CSLL, antes tida como inconstitucional e 17 anos depois o STF entendeu pela constitucionalidade daquela contribuição social na ação de controle concentrado desfazendo, com efeito retroativo, a coisa julgada protegida em nível de cláusula pétrea (inciso IV, do § 4º, do art. 60 da CF).

Sem respeito às normas constitucionais e legais não há segurança jurídica.

Eventuais defeitos da lei em termos sociais devem ser objetos de alteração legislativa.

O Judiciário, quando muito, pode promover a interpretação atualizada da lei superada pela dinâmica social, mas nunca substituí-la em nome de valores morais ou sociais abraçados pelos julgadores, ainda que movidos por boas intenções.

SP, 19-5-2025.

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 6.102, de 20-5-2025.

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