Impugnação ou recurso administrativo

Já escrevemos inúmeras vezes que a impugnação do contribuinte ao auto de infração a partir de sua notificação suspende apenas a exigibilidade do crédito tributário, mas não a prescrição que só pode ser interrompida pelo despacho judicial que ordenar a citação em execução fiscal, ou pelo protesto judicial (art. 174, parágrafo único, I e II do CTN).No nosso livro deixamos claro que a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos a contar da constituição definitiva do crédito tributário, nos termos do art. 174 do CTN, e que essa constituição definitiva ocorre com a notificação do sujeito passivo para pagá-lo ou impugná-lo (arts. 142 e 145 do CTN).[1] Outro não é o entendimento do introdutor da cadeira de Direito Tributário no Brasil, o professor Ruy Barbosa Nogueira, intérprete maior desse ramo de Direito:

“Partindo da notificação que já superou o incômodo prazo fatal da decadência, a revisão do lançamento tem que estar concluída dentro do prazo de prescrição que, precisamente para possibilitar o trabalho procedimental de reexame, suspende a exigibilidade por tempo considerado pela vontade objetivada na lei, não só como suficiente para terminá-lo (cinco anos), mas ainda com a flexibilidade da sua interrupção judicial, se necessária, para ser terminado esse trabalho. Sem esse prazo determinado, essa atividade poderia eternizar-se.” [2]

O CTN não prevê a figura da suspensão da prescrição, salvo na hipótese de concessão de moratória obtida mediante fraude, hipótese em que o tempo decorrido entre a concessão da moratória e a sua anulação não se computa para o efeito de prescrição (parágrafo único, do art. 155 do CTN). Esse fato revela exatamente a fluência do prazo prescricional na hipótese de suspensão da exigibilidade, como regra geral. Não há no CTN qualquer dispositivo legal que ampare a tese da suspensão simultânea da exigibilidade do crédito tributário e da prescrição que há de ser interrompida pelo despacho citatório na ação de cobrança ou pelo protesto judicial.

Ainda que aparentemente estranha a tese da fluência do prazo prescricional enquanto suspensa a exigibilidade do crédito tributário, a interpretação sistemática das normas do CTN conduz exatamente a essa tese que vai de encontro à finalidade do instituto da prescrição, que visa combater a inércia do credor. Sendo a Fazenda parte e juiz no processo administrativo tributário, nenhuma razão há para deixar de concluir o processo no prazo de cinco anos. No processo administrativo tributário não há recursos protelatórios como no processo judicial. Do total do período de 5 anos (1.825 dias), o contribuinte consome ao todo, no máximo, 75 dias (30 dias para impugnar; outros 30 para o recurso ordinário e eventualmente outros 15 dias para o recurso especial, quando cabível). Na eventualidade de a Fazenda não conseguir ultimar o processo administrativo no prazo de 1.750 dias de que dispõe contra os 75 dias de que dispõe o contribuinte, ainda, caberá a alternativa de interromper a prescrição pelo protesto judicial que o fisco vem confundindo com o protesto da CDA. Não vem se utilizando do meio processual previsto em lei preferindo a utilização de meio ilegal de cobrança por meios coativos indiretos.

Contudo, a jurisprudência majoritária é no sentido da suspensão da prescrição estando suspensa a exigibilidade[3] a prejudicar a propositura de cobrança executiva. Assim, a previsão de protesto judicial fica sem sentido, pois se não estiver suspensa a exigibilidade não cabe ao fisco protestar, mas aparelhar o processo de cobrança. A interpretação majoritária da jurisprudência conduz à ociosidade daquele inciso II, do parágrafo único, do art. 174 do CTN, contrariando uma das regras da hermenêutica.

Como corolário da tese da suspensão da prescrição pela impugnação que suspende a exigibilidade do crédito tributário interessante tese vem sendo prestigiada pela jurisprudência do STJ. É a tese da não suspensão do prazo prescricional pela apresentação de impugnação ou recurso administrativo a destempo.

Vejamos a ementa abaixo:

“Ementa: Tributário. Execução fiscal. Crédito tributário constituído. Defesa administrativa apresentada intempestivamente. Não suspensão da prescrição.

A apresentação de defesa administrativa intempestiva não enseja a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, tampouco a suspensão do prazo prescricional.

Precedentes: REsp 1.116.849/PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., julgado em 04.08.2011, DJe 15.08.2011; AgRg no RMS 33287/RJ, rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª T., j. 22.02.2011, DJe 15.03.2011.

Agravo regimental improvido” (AgRg nos EDcl. No Resp nº 1.313.765/AL, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 20-11-2012).

Isso significa que se o contribuinte conseguir continuar discutindo a preliminar de intempestividade da impugnação por mais de cinco anos, a contar da notificação do lançamento tributário (art. 145 do CTN), o crédito tributário estará prescrito.

Considerando que as discussões administrativas no âmbito das contribuições sociais devidas ao INSS costumam levar, às vezes, vinte anos, sem que se sujeitem à prescrição, sequer à prescrição intercorrente, é de se avaliar se vale à pena interpor defesas e recursos de forma intempestiva e prolongar a discussão da matéria, obtendo, por vias tortuosas, o benefício que a lei, interpretada de forma sistemática, concede ao contribuinte, mas que tem encontrado resistência na jurisprudência.

Criações pretorianas que não se harmonizam com as normas expressas ou implícitas da legislação tributária, notadamente, das disposições do CTN, às vezes, acabam conduzindo a resultados surpreendentes.

[1] Cf. Direito financeiro e tributário. 21. Ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 549.

[2] Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 298.

[3] Alguns julgados referem-se à interrupção do prazo prescricional com a apresentação da impugnação pelo contribuinte, fato que revela que até então o prazo prescricional estava fluindo desde a sua notificação: Resp nº 396.699 e Resp nº 751132.

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