Kiyoshi Harada
Um dos temas mais debatidos em matéria de imunidade diz respeito àquela prevista para as entidades beneficentes de assistência social (§ 7º, do art.195 da CF).
A Constituição utiliza-se indiferentemente das expressões “instituição de assistência social” e “entidades beneficentes de assistência social” que têm o mesmo sentido de entidades que secundam a atividade estatal no vasto campo da assistência social. No entender do STF qualquer atividade destinada ao atendimento das necessidades básicas de pessoas carentes situa-se dentro do campo da assistência social (ADI nº 2.028/MC/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 16-6-2000).
Os requisitos para a fruição da imunidade tributária estão previstos no art. 14 do CTN:
“Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.”
Ocorre que no art. 55 da Lei nº 8.212/91 foram acrescentados novos requisitos, além daqueles previstos no art. 14 do CTN, ensejando a propositura de ADIs nºs 2.028, 2.036, 2.228 e 2.621.
Essas ADIs sofreram sucessivos aditamentos em suas iniciais, por decorrência de inúmeras medidas legislativas, modificando a redação do citado art. 55 da Lei nº 8.212/91 até que ele veio a ser revogado pela Lei nº 12.101/09.
Em vista disso, o Plenário do STF convolou aquelas ADIs em ADPFs promovendo seu julgamento conjunto com o RE nº 566.622 que cuidava da idêntica matéria.
As referidas ADPFs foram julgadas procedentes, bem como o citado RE, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.732/98 na parte que alterou a redação do art. 55, da Lei nº 8.122/91 e acrescentou-lhe os §§ 3º, 4º e 5º, bem como dos arts. 4º, 5º e 7º da Lei nº 9.732/98 (ADI nº 2.036, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Relator para Acórdão Min. Rosa Weber, DJe de 8-5-2017).
Acontece que a Lei nº 12.101/09 com a redação dada pela Lei nº 12.868/13 estabeleceu inúmeros requisitos de ordem material para a obtenção do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS – documento indispensável para a fruição da imunidade, à medida que é o instrumento hábil para reconhecer uma entidade como sendo beneficente de assistência social.
Ora, se os requisitos para o gozo da imunidade estão sob reserva de lei complementar (art. 146, II da CF), por óbvio, não cabe à lei ordinária estabelecer requisitos diferentes daqueles previstos no art. 14 do CTN para obtenção do CEBAS, indispensável à fruição da imunidade.
Por tais razões, o Plenário do STF julgou procedente a ADI nº 4480, declarando a inconstitucionalidade das exigências contidas na Lei nº 12.101/09 com a redação dada pela Lei nº 12.868/13.
Incrível a astúcia do legislador e do fisco de driblar as decisões do Supremo Tribunal Federal, esquecendo-se de que as entidades beneficentes de assistência social vêm suprindo a claudicante ação dos poderes públicos na área de assistência social. Lamentável o comportamento do legislador e da Fazenda Nacional, obrigando a movimentação desnecessária da máquina judiciária tendo em vista a pacífica decisão da Corte Suprema sobre a matéria, com efeito erga onmes.
SP, 20-4-2020.