Imunidade parlamentar em poucas palavras*

Não há muito que discorrer sobre a matéria à vista do art. 53 e § 8º da Constituição, redigidos com lapidar clareza:

“Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”

[…]

“§ 8º As imunidades de Deputados ou Senador subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida”.

In claris cessat interpretatio diz o velho brocardo.

Ante a solar clareza dos textos não há o que interpretar a vontade do constituinte que é a expressa no caputdo artigo 53,de sorte a colocar o parlamentar a salvo de qualquer medida judicial por quaisquer palavras proferidas dentro e fora do Parlamento, em períodos de normalidade.

A norma constitucional é diferente da norma legal em que se perquire a vontade objetiva da lei, considerando o sistema jurídico global, que é distinta da vontade do legislador como dizem os clássicos:mens iures et mens legislatore. O legislador constituinte não tem limites no ato de legislar a não ser aqueles pertinentes à ética ou a moral. Por isso, a vontade do preceito constitucional e a vontade do legislador constituinte se confundem.

O legislador constituinte diz que Deputados e Senadores são invioláveis por quaisquer de suas opiniões ou palavras. É a vontade do constituinte. Ponto! Não cabe ao intérprete procurar pinçar dentre milhares quais as opiniões ou as palavras que devem ser subtraídas da expressão “quaisquer”.

Deputado ou Senador, em períodos normais, podem proferir livremente a sua opinião, dentro e fora do Parlamento, criticando pessoas e instituições; criticando ou apoiando as manifestações populares; externando suas opiniões pró ou contra sobre a questão de discriminação de gênero que é exatamente a matéria que na atualidade está causando maiores problemas, com o risco de sanção civil e penal àqueles que insistem, por exemplo, em separar homens e mulheres como na família tradicional, ou nas pregações de religiosos. Um cidadão comum não pode externar opinião contrária aos trans, por exemplo, mas um parlamentar pode posicionar-se contra ou a favor, conforme seu pensamento.

O § 8º que cuida da imunidade em período de estado de sítio prescreve que permanece a inviolabilidade do parlamentar por suas palavras, podendo ser suspensas por deliberação de dois terços dos membros da respectiva Casa legislativa, mas somente em relação às palavras proferidas fora do recinto parlamentar e desde que sejam incompatíveis com a execução do estado excepcional.

Logo, não há o que discutir ante a solar clareza dos textos constitucionais.

Mas, deputados federais e estaduais estão correndo o risco de perder os cargos por palavras ditas em momentos de paixão que toma conta dos debates parlamentares. Já tivemos caso de deputado cassado, processado, condenado e preso por ofender os Ministros da Corte Suprema. Onde está dito que ofensa aos Ministros da Corte por um parlamentar está excepcionado do art. 53 da CF?

Imagine, então, o pobre cidadão comum!

Tudo o que ele disser, se não for do agrado dos detentores do poder, poderá ser criminalizado, pois a tipicidade criminal já não é algo sob a reserva legal.

Cuidado com as palavras!

SP, 19-6-2023.

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.625 de 20-6-2023.

Relacionados