1 Introdução
Neste breve artigo iremos focar alguns dos aspectos mais relevantes da imunidade tributária que ainda continuam suscitando controvérsias doutrinárias ou jurisprudenciais.
2 Conceito de imunidade
Não há unanimidade na doutrina quanto a conceituação da imunidade. É unânime, contudo, que a imunidade é uma categoria constitucional e que se situa no plano da outorga de competência tributária, ao contrário da isenção, que atua no plano do exercício da competência tributária.
Para Rubens Gomes de Sousa a imunidade é uma hipótese especial de não incidência [1]. No mesmo sentido a lição de Amilcar de Araujo Falcão para quem a imunidade é uma forma qualificada ou especial de não incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas elo estatuo supremo [2].
Paulo de Barros Carvalho, por sua vez, refuta a conceituação clássica e define a imunidade como classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição da República, e que estabelecem de modo expresso a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas [3].
A definição de Paulo de Barros Carvalho foi seguida por vários estudiosos, dentre os quais, Yoshiaki Ichira, Misabel Abreu Machadio Derzie Roque Antonio Carrazza.
Contudo, a doutrina majoritária conceitua a imunidade como uma limitação constitucional do poder de tributar dentro da linha defendida pelo Aliomar Baleeiro, autor da monumental obra Limitações constitucionais ao poder de tributar.
Como assinalamos, a grande verdade é que a imunidade acha-se inserida na Seção II, do Capítulo I que cuida exatamente “das limitações do poder de tributar”. As divergências são, portanto, de natureza meramente terminológica, pois não fora a imunidade a competência tributária seria bem mais ampla e abrangente, à luz dos princípios da universalização da tributação e da generalidade da tributação, segundo os quais todos os patrimônios, rendas ou serviços estão sujeitos ao gravame tributário e todas as pessoas, físicas e jurídicas, devem pagar tributos [4].
3 Quais tributos estão sujeitos à imunidade
Inicialmente a imunidade alcançava apenas a espécie impostos, conforme se depreende do art. 150, VI da Constituição. Porém, a Constituição de 1988 estendeu a imunidade a contribuição previdenciária patronal a favor das entidades beneficentes de assistência social, conforme prescrição do § 7º, do art. 195 da CF:
“§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”.
4 Quais os requisitos legais para fruição da imunidade
A Constituição colocou sob reserva de lei complementar a regulamentação da imunidade (art. 146, II da CF).
Logo, os requisitos são aqueles previstos no art. 14 do CTN:
“Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
• Inciso I com a redação dada pela LC nº 104, de 10-1-2001.
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.
§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previsto nos respectivos estatutos ou atos constitutivos”.
Travou-se uma longa discussão no STF quanto a natureza da lei referida no § 7º, do art. 195. O Ministro Moreira Alves sustentou, enquanto figurou na Corte Suprema, que se tratava de lei ordinária, porque o legislador constituinte qualifica como lei complementar sempre que for o caso. Assim ele validava as restrições trazidas pelas sucessivas redações dadas ao art. 55 da Lei nº 8.212/91, para fazer jus à imunidade.
Contudo, a matéria restou pacificada nas ADIs nº 2.028, 2.036, 2.228, 2.621 e RE nº 566.622 julgadas conjuntamente, quando, então, ficou assentada a tese da inconstitucionalidade do art. 55 da Lei nº 8.212/91 por invadir esfera reservada à lei complementar (Rel. Min. Joaquim Barbos, Rel. para Acórdão Min. Rosa Weber, DJe de 8-5-2017). Registre-se que o astuto legislador revogou o aludido art. 55 antes do julgamento, pelo que, o STF convolou as ADIs em ADPFs, pronunciando a inconstitucionalidade daquele art. 55 enquanto vigorava.
Quanto à palavra “isentas” inserido no início do citado § 7º, do art.; 195 da CF o STF de há muito firmou o entendimento no sentido de que a palavra “isenção”, quando inserida no texto constitucional, expressa caso de imunidade tributária.
5 Imunidade é abrangida pela cláusula pétrea
Ricardo Lobo Torres, ao fundar a imunidade na liberdade de expressão, valor preexistente, abrangido pelo legislador constituinte, sustenta a sua irrevogabilidade [5].
Essa tese veio a ser acolhida pelo STF no julgamento da ADI nº 939, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 18-3-1994).
Contudo, os seus efeitos podem vir a ser suspensos na forma do § 1º, do art. 14 do CTN, sempre que o beneficiário descumprir o preceituado no § 1º do art. 9º do CTN retrotranscrito.
6 Espécies de imunidade
A Constituição consagra a imunidade recíproca, de um lado, e a imunidade genérica, de outro lado.
A imunidade recíproca está estatuída no art. 150, VI, a, e §§ 2º e 3º da CF:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
- patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
(…)
§ 2º A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituidoras e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
§ 3º As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamentos de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.”
Como se verifica do § 2º, a Constituição de 1988 estendeu essa imunidade recíproca às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, contudo, apenas no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Contudo, o § 3º impôs as limitações aí previstas.
O STF estendeu a imunidade recíproca às empresas estatais que prestam serviços públicos como a ECT (RE nº 407.099) e a INFRAERO (RE nº -AgRg nº 363.412).
A imunidade genérica, por sua vez, está disciplinada pelo art. 150, VI,b a e da CF:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
(…)
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.” (Incluída pela Emenda Constitucional n. 75, de 15-10-2013.)
A imunidade genérica não mais suscita discussões doutrinárias ou jurisprudenciais. Já está pacificada a abrangência dos insumos destinados à impressão de livros e jornais ou periódicos, bem como, a irrelevância jurídica do caráter científico ou cultural das publicações.
Finalmente, a imunidade do livro eletrônico, após longa discussão perante os tribunais, restou pacificada perante o STF (RE nº 330.817).
SP, 2-11-2020.
[1] Compêndio de legislação tributária, 4ed. São Paulo: Resenha Tributária, 1964, p. 71
[2] Fato gerador da obrigação tributária, 2. ed. Anotações e atualizações por Geraldo Ataliba. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1971, p. 117.
[3] Curso de direito tributário, 30. ed.. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 213.
[4] Cf. nosso IPTU doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2012, p. 3.
[5] Os direitos humanos e a tributação – Imunidadade e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar: 1955.