Inacreditável retrocesso Social

O legislador palaciano, por meio da Medida Provisória nº 739, de 7-7-2016 introduziu algumas maldades na área dos benefícios previdenciários, exatamente na contramão do que dispõe a Constituição Federal em seus arts. 1º, 3º, 5º, 6º, 170 e 193. Vulnerou ostensivamente o art. 6º que assegurou em nível de cláusula pétrea os direitos sociais concernentes a previdência social. E mais, violou, também, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais internado ao nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto nº 591/1992, segundo o qual os direitos sociais devem avançar no decorrer do tempo e nunca retornar ao passado.

Pois bem, essa medida provisória remexe a Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, introduzindo inúmeras maldades mediante alterações de seus dispositivos como adiante sumariadas.

(a) Introduziu o parágrafo único ao art. 27 para exigir que na hipótese de perda da qualidade de segurado, para efeito de carência para a concessão dos benefícios de auxílio doença, de aposentadoria por invalidez e de salário- maternidade, o segurado, a partir da nova filiação, deve reiniciar a contagem dos prazos de carência previstos nos incisos I a III do art. 25, passando uma esponja nas contribuições pagas anteriormente.

(b) Incluiu o § 4º ao art. 43 para facultar ao poder público a convocação do aposentado por invalidez a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram a concessão do benefício, judicial ou administrativamente, observado o disposto no art. 101. Na verdade trata-se de reavaliação a qualquer tempo daquela avaliação que precedeu a concessão do benefício, implicando derrogação do parágrafo único do art. 46 do Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social) que fixava o prazo bianual para realização de exames médicos-periciais do aposentado por invalidez.

(c) Mediante acréscimo do § 8º ao art. 60, a concessão ou a reativação de auxílio-doença passou a ser de duração prefixada. O § 9º prescreve que se não for estabelecido um prazo certo, o benefício concedido cessará após o prazo de 120 dias contados da data da sua concessão ou da sua reativação, salvo se o segundo requerer a sua prorrogação junto ao INSS, observado o art. 62, isto é, o segurado insusceptível de recuperação para atividade habitual deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional. É a forma sutil de suprimir o benefício concedido judicial ou administrativamente. Enquanto o requerimento do beneficiado fica perdido nos escaninhos burocráticos do INSS, ele fica sem receber o benefício. Novamente implicou derrogação do art. 78, § 1º do Regulamento Geral da Previdência que previa a prescrição de prazo reputado necessário para a recuperação da capacidade laborativa, com a faculdade de o segurado solicitar a prorrogação desse prazo sempre que necessário. Não é razoável a lei determinar um prazo certo para a recuperação do segurado, independentemente do exame médico-pericial. Inobservado o princípio da razoabilidade, que se coloca como um limite imposto à ação do próprio legislador, nada impede, que amanhã, o mesmo legislador fixe um prazo de vida para o aposentado por invalidez e que mais tarde poderá ser estendido para o aposentado e para o pensionista em geral, como forma de manter o equilíbrio atuarial da Previdência Social.

O § 10, a exemplo do aposentado por invalidez,  prevê a convocação, a qualquer tempo, do beneficiário do auxílio-doença para avaliações das condições que ensejaram a sua concessão.

O art. 2º institui pelo prazo de 24 meses o Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade, batizado por uma sigla impublicável: BESP-PMBI.

O BESP-PMBI, que não se confunde com BESTA, nem com o PMDB, é um bônus que se paga ao médico perito do INSS, observados os requisitos enumerados no art. 3º. Corresponde a R$ 60,00 por perícia realizada, quando uma simples consulta médica custa em média R$ 800,00 no setor privado. O valor previsto é tão irrisório que o inciso III, do art. 9º prevê a realização das perícias médicas em forma de mutirão, isto é, os pacientes ficam enfileirados (evidentemente só os que conseguirem ficar de pé) enquanto o médico passa em revista a multidão de doentes.

Ao que saibamos, mais da metade dos pacientes que se submeteram à operação de cataratas pelo sistema de mutirão, ou ficaram cegas, ou ficaram com sequelas. Não eram, obviamente, beneficiários do auxílio-doença, mas usuários do SUS. O que importa é que o princípio é o mesmo.

São esses os malefícios previstos na medida provisória sob comento, que se alinha ao programa de ajuste fiscal: redução de benefícios previdenciários, de um lado, e aumento da arrecadação tributária e expansão de despesas com a folha, de outro lado.

 

* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito.  Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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