Interpretação da decisão plenária do STF que excluiu a incidência de IR sobre juros moratórios decorrentes de atraso no pagamento das remunerações advindas do exercício de emprego, cargos ou funções.
O Plenário do STF na sessão virtual de 5-3-2021 a 12-3-2021, apreciando o Tema 808 da Repercussão Geral, proferiu a seguinte decisão proclamando a não incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios:
“Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 808 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, considerando não recepcionada pela Constituição de 1988 a parte do parágrafo único do art. 16 da Lei nº 4.506/64 que determina a incidência do imposto de renda sobre juros de mora decorrentes de atraso no pagamento das remunerações previstas no artigo (advindas de exercício de empregos, cargos ou funções), concluindo que o conteúdo mínimo da materialidade do imposto de renda contido no art. 153, III, da Constituição Federal de 1988, não permite que ele incida sobre verbas que não acresçam o patrimônio do credor. Por fim, deu ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN interpretação conforme a Constituição Federal, de modo a excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do imposto de renda sobre os juros de mora em questão. Tudo nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Gilmar Mendes. Foi fixada a seguinte tese: “Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função. Plenário, Sessão Virtual de 5.3.2021 a 12.3.2021, DJe 8-4-2021.
A decisão supra, por ter sido tomada sob a sistemática de repercussão geral tem efeito vinculante para todos os órgãos do Judiciário.
Disso resultou o ajuizamento de inúmeras ações de repetição de indébito.
Contudo, diversas decisões de primeira instância vêm fazendo interpretação literal e equivocada da decisão plenária do STF restringindo os casos de não incidência do Imposto de Renda apenas sobre juros moratórios decorrentes de atraso no pagamento de verbas “advindas de exercício de empregos, cargos ou funções”, como consta daquela decisão da Corte Suprema.
O equívoco é manifesto. O que exclui a incidência do IR não é a verba oriunda de vínculo laboral (emprego, cargo ou função), mas, a NATUREZA INDENIZATÓRIA da verba paga.
E é fora de dúvida que o pagamento com atraso de salários e vencimentos propicia a incidência de juros moratórios que, como o próprio nome está a indicar, decorre do pagamento com atraso que implicou a subtração do direito de usufruir dos valores em mora.
Logo, pagamento de remunerações com atraso acrescidas de juros moratórios não representa hipótese de acréscimo patrimonial, fato gerador do imposto de renda, senão uma mera forma de indenização devida pelo atraso que impossibilitou seu titular de utilizar das remunerações não pagas tempestivamente.
A tese da exclusão de Imposto de Renda sobre juros moratórios repousa na sua natureza indenizatória qualquer que seja a sua motivação.
A decisão Plenária de início transcrita não surgiu da noite para o dia. Ela é fruto de laboriosa construção pretoriana ao longo do tempo.
O STF, de início, fixou o entendimento de que as verbas de natureza indenizatória são insusceptíveis de tributação pelo IR.
O STJ, por sua vez, editou as Súmulas nºs 125 e 126 para isentar do Imposto de Renda as férias e licenças-prêmios pagas em dinheiro, respectivamente. Posteriormente editou a Súmula nº 386 dispondo sobre a isenção do IR sobre a indenização de férias proporcionais e o respectivo adicional. Por fim, o STJ editou a Súmula 498 para reconhecer a não incidência do IR sobre a indenização paga por danos morais.
Foi nesse contexto que o STF proferiu a decisão no RE nº 855.091/RS sob a sistemática de repercussão geral.
Nessa decisão o STF fez referência ao pagamento com atraso das verbas advindas das relações de “empregos, cargos ou funções” porque o caso concreto submetido à sua apreciação versava exatamente sobre incidência de IR sobre juros de mora computados nos salários pagos com atraso (parágrafo único, do art. 16 da Lei nº 4.506/64).
O intérprete tem a obrigação de examinar a tese sufragada pelo Corte Maior dentro do contexto, e não fazer interpretação literal de determinado trecho da decisão objeto de exame (obiter dictum), como vêm fazendo vários juízes de primeira instância.
De fato, inúmeras decisões de primeira instância vêm julgando improcedentes as ações de repetição de indébitos do IR cobrado nos juros moratórios incidentes sobre verba de sucumbência paga com atraso, sob o incompreensível fundamento de que a aludida verba não tem origem na relação de emprego, cargo ou função.
Essa interpretação seletiva de determinado trecho da decisão do STF sequer configura interpretação literal, que é a mais pobre das regras de hermenêutica jurídica.
Sabidamente a tese adotada pelo STF diz respeito a não incidência do IR sobre verbas de natureza indenizatória. Ultimamente, a Corte Suprema vem declarando a não incidência do IR, também, sobre as verbas de natureza alimentar.
E salários pagos com atraso com incidência de juros moratórios têm natureza indenizatória. Daí a não incidência do Imposto de Renda. Está a tese correta.
Por isso, verba honorária sucumbencial, verba honorária contratual, verba salarial, verba resultante de indenização por danos materiais ou morais comportará ação de repetição de indébito sempre que tiver ocorrido a cobrança de IR sobre os juros moratórios computados no valor pago com atraso.
Por Kiyoshi Harada
SP, 15-8-2022.